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Jogos Olímpicos de Paris

A piscina dos Jogos de Paris é lenta porque é menos profunda: mito ou realidade?

02 ago, 2024 - 16:25 • João Carlos Malta

Os resultados da natação nas Olimpíadas de 2024 têm ficado muito aquém das expetativas. Após vários dias de provas bateu-se apenas um recorde do mundo, nos 100 livres, e ainda assim muito contestado. A piscina tem arcado com toda as culpas. Fomos ouvir um especialista em biomecânica e o selecionador nacional Albertinho.

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Ao final de seis dias de provas e centenas de corridas nadadas, nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, apenas o chinês Pan Zhanle conseguiu quebrar um recorde do mundo. E mesmo assim muito contestado por suspeitas de doping. Como comparação, na última edição emTóquio houve seis melhores marcas de sempre, e no Rio de Janeiro, quatro anos antes, oito. Mas o que se passa então? A piscina tem sido alvo de todas as críticas.

Essas têm-se centrado sobretudo na menor profundidade da Defense Arena. A piscina de Paris tem 2,15 metros, que comparam com os três metros em Tóquio, e isso, tem-se dito e escrito, gera menor flutuabilidade dos atletas e, logo, torna-a menos rápida.

A World Aquatics, organização que gere a natação a nível mundial, sugere que as piscinas olímpicas devem ter três metros de profundidade. Mas as regras dizem outra coisa: obrigam agora a que tenham 2,5 metros (antes era dois metros). Mas essa lei é posterior à construção da piscina destes Jogos Olímpicos que tem menos 35 centímetros.

Dois especialistas ouvidos pela Renascença, um em biomecânica e natação, João Paulo Vilas-Boas, e o selecionador nacional Alberto Silva, mais conhecido como Albertinho no seio da modalidade, discordam desta ideia. A culpa dos maus resultados não é da piscina.

Comecemos por Vilas-Boas, professor catedrático da Universidade do Porto e especialista em biomecânica, que começa por desfazer a ideia de que maior profundidade confere mais flutuabilidade e, logo, menos atrito, o que resultaria em mais velocidade.

“Isso é um disparate total. Isso é o maior disparate do mundo. É um erro. Isso é um erro gravíssimo da física”, qualifica o especialista que durante mais de 20 anos foi também treinador de natação no FC Porto, onde comandou atletas como a olímpica Sara Oliveira, ou atletas de eleição como Mário Carvalho e Tiago Lousada.

Depois dos qualificativos, Vilas-Boas explica a ciência por detrás da sua posição. O agora também vice-presidente do Comité Olimpico de Portugal (COP) diz que flutuabilidade resulta da diferença de pressões entre extremidade superior e inferior de um corpo.

E exemplifica usando a profundidade que todos apontam como ideal para uma piscina, os três metros.

“Se for três metros, a coluna de água acima da barriga do nadador é de três metros e a pressão na barriga do atleta é muito maior, mas a pressão nas costas é também igualmente maior. A diferença de pressões, que é o que define a força de impulsão hidrostática do Arquimedes, é a mesma se for a 2,15 metros”, avança.

Para depois concluir: “A diferença de pressões entre a barriga e as costas é a mesma, portanto, a força com que a água impulsiona corpo para cima é rigorosamente a mesma”.

"Muito errado"

Passemos agora a palavra ao selecionador nacional, Albertinho, que também é categórico em relação à polémica da piscina lenta.

“Apontar a piscina como o fator para não haver resultados melhores, eu acho errado, acho que é muito errado”, repete.

Para o treinador de Diogo Ribeiro, as piscinas de três metros de profundidade são as melhores, “senão porque é que as melhores piscinas do mundo teriam essa profundidade? Porque é que alguém faria mais 85 centímetros [do que a de Paris] e teria de colocar mais água?”.

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"Apontar a piscina como o fator para não haver resultados melhores, eu acho errado, acho que é muito errado", Albertinho, selecionador nacional de natação.

Mas ainda assim, entende que esse não é o fator determinante para que os resultados estejam a ser piores.

Falha no planeamento e covid-19

Albertinho encontra outras variáveis mais relevantes. O calendário olímpico foi diferente “de todos os outros”, com apenas três anos [o normal é quatro anos]. Pelo meio, houve um Campeonato do Mundo em fevereiro.

“Nunca houve um Campeonato do Mundo no mesmo ano dos Jogos Olímpicos. Houve, por isso, mudanças nos calendários dos países, dos trials para os Jogos Olímpicos, e com essa mudança houve muitas mudanças no planeamento de cada país e de cada treinador”, adianta.

O que o leva a concluir que “pode estar a haver muito mais erros de planeamento”.

A isso juntam-se os casos de covid-19 que estão a acontecer na aldeia olímpica em Paris. Albertinho acredita que os positivos sejam mais do que os que são conhecidos e que isso tem um efeito na performance dos atletas.

O técnico dá o exemplo do britânico Adam Peaty, que não conseguiu revalidar o título olímpico dos 100 metros bruços, e que tal poderia ser entendido apenas com uma quebra de forma, não fosse ele ter testado positivo à covid-19.

Essa mesma final, a dos 100 metros bruços, com os três primeiros a fazerem marcas na casa dos 59 segundos, segundo Albertinho, mostra que a condição com que muitos chegaram a estes Jogos foi precária. “Foi muito fraca a prova”, considera.

Voltando ao tema da profundidade, o selecionador nacional diz que com 2,15 metros “tem-se uma piscina perfeitamente boa para ser rápida e muito eficiente”.

"Dissemos que a piscina era muito boa"

E exemplifica com o caso do nadador João Costa, que nadou em Paris a prova dos 100 metros costas. “No primeiro treino que ele fez aqui, ele estava a voar, o que dissemos nesse dia é que a piscina era muito boa."

Mas a verdade é que o desempenho em competição não foi tão bom e João Costa ficou longe da melhor marca que possuía. “Ele teve mérito no primeiro treino em que estava a nadar bem, e quando não nadou também foi ele. Pode ter a ver com a carga emocional”, sublinha.

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"Não posso dizer que ela é mais lenta, porque eu não posso dizer que 2,20 metros não são suficientes para anular todos os efeitos perversos da formação de ondas", João Paulo Vilas-Boas, professor catedrático da Universidade do Porto.

Mas voltemos à ciência e a João Paulo Vilas-Boas. Este especialista explica que o que torna as piscinas mais rápidas ou mais lentas “tem a ver com o arrasto e as implicações do arrasto hidrodinâmico nos nadadores”.

E clarifica o conceito: “O arrasto é a força oposta pela água ao deslocamento do nadador”.

O professor catedrático da UP argumenta depois que uma das variáveis que mais contribuiu para o arrasto é a formação de ondas à superfície. Elas formam-se quando há dois corpos em contato, neste caso água e ar.

Villas Boas adianta ainda que a caixa torácica de um atleta tem 50 centímetros e que para neutralizar esse efeito de onda à superfície, a massa de água terá de ter duas a três vezes essa dimensão, ou seja, qualquer coisa entre o 1,5 metros e os dois metros.

“Basicamente um 1,5 de profundidade, digamos, dois metros no limite dos limites são suficientes para uma piscina. Não seriam precisos três metros de profundidade para a anular as ondas superficiais”, concretiza.

E conclui por fim que ao contrário do que tem sido defendido por muitos, “não posso dizer que ela é mais lenta, porque eu não posso dizer que 2,20 metros não são suficientes para anular todos os efeitos perversos da formação de ondas”.

O que pode estar a acontecer?

O que pode estar a acontecer, diz, é que se estes atletas nadam em piscinas com três metros de profundidade, que garante não existirem muitas, e podem sentir-se incomodados por não poderem explorar percursos subaquáticos mais profundos.

“Podem ter sentido a necessidade de adaptar os seus procedimentos de partida. Mas não que seja por aqui que a piscina fica mais lenta”, considera o vice-presidente do COP.

Villas-Boas aventa também a possibilidade de algum condicionamento mental. A ideia de que a piscina é lenta começou nos primeiros dias, e isso pode ter um efeito psicológico nos atletas. Mas ainda assim chama a atenção “que já se bateram muitos recordes olímpicos”.

Para ilustrar esta situação, conta a história de uma piscina pela qual foi responsável pela construção, a da Póvoa de Varzim, e que aproxima esta discussão à nossa realidade.

“É uma das mais pequeninas, e das menos fundas de Portugal. Mas já lá se bateram muitos recordes nacionais. Todavia, é tida como uma das piscinas lentas do país. Foi dada como lenta antes sequer de quem quer que fosse lá tivesse nadado só porque era pouco profunda”, recorda.

Em Paris, diz Vilas Boas, está a acontecer o mesmo. Já antes de os nadadores entrarem em prova se começou a dizer que a piscina era pouco profunda e que, portanto, era lenta.

Mas há outras opiniões

Mas esta opinião não é unanime. Por exemplo, à agência Lusa Daniel Marinho, responsável técnico da Federação Portuguesa de Natação (FPN) e professor catedrático do Departamento de Ciências do Desporto da Universidade da Beira Interior, disse que: “Tem-se visto piscinas com três metros de profundidade nas maiores competições, mas esta possui um valor bastante inferior [estimado em 2,15]. É claro que, para uma prova normal, continua a ser uma piscina de excelência, mas estamos a falar do maior evento desportivo e todos os pormenores contam. Esse é o fator que parece fazer a diferença relativamente às últimas edições dos Jogos Olímpicos”.

E ainda argumentou na mesma entrevista: “Quanto mais profunda a piscina for, mais espaço há para que a turbulência [ocasionada pelas braçadas dos nadadores] se dissipe e tenha impacto reduzido à superfície. Quanto mais afastado um atleta estiver de um obstáculo físico, menos arrasto hidrodinâmico vai sofrer. Por isso, é diferente nadar na primeira ou na terceira pista. As piscinas têm pistas exteriores para evitar obstáculos, sobretudo as paredes laterais”.

Na ABC News, Jud Ready, professor na Escola de Tecnologia e Engenharia e especialista em piscinas, aponta os 2,5 metros, agora exigidos pela World Aquatics, antes eram dois metros, como o “número mágico”.

“Alguém fez cálculos para determinar que 2,5 metros parece ser um número mágico no qual a energia se dissipa”, avança.

Por fim, o atleta britânico a nadar em Paris, Jacob Little, falou também sobre as condições causadas na piscina. “É uma piscina difícil de nadar, especialmente quando se está numa pista das pontas”, disse Little ao "The Sun".

“Algumas piscinas são ótimas, outras não, parece um pouco estranho ser um pouco mais baixa, mas nada que não possamos lidar”, defendeu.

Já outro britânico Matt Richards considera as condições normais e defende: “Isto são os Jogos Olímpicos. Raramente se veem tempos muito rápidos, o que conta aqui é ganhar. Ninguém quer saber dos tempos aqui, queremos é estar no pódio”.

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