01 ago, 2024 - 08:10 • Inês Braga Sampaio
Quando Dick Fosbury apareceu, com uma técnica de salto totalmente diferente de tudo o que era feito até então, chamaram-lhe "camelo de duas pernas". Ou, um pouco menos insultuoso, "o saltador em altura mais preguiçoso do mundo". Mal sabiam os críticos que, ao contrário do que o nome trocista que lhe deram poderia fazer pensar, o "Fosbury Flop" tornar-se-ia a linguagem universal da disciplina.
O jovem Richard era um apaixonado pelo salto em altura, no entanto, cedo se percebeu que o amor à modalidade não era proporcional ao talento e que, por mais que tentasse imitar o seu ídolo, o soviético Valery Brumel, não desenvolveria uma aptidão súbdita para passar uma perna e depois a outra sobre uma barra de mais de um metro e meio. O talento para o "straddle", técnica utilizada à altura, não se transmitia por osmose da televisão para o corpo desengonçado de Fosbury.
Foi no secundário, quando era um aspirante a atleta de Portland, nos Estados Unidos, que Dick Fosbury percebeu que não chegaria lá com uma abordagem tradicional. Mas o que lhe faltava em coordenação motora sobrava em inclinação para física e matemática e, com contributo decisivo do seu cérebro de engenheiro, começou a desenvolver uma técnica revolucionária (por volta da mesma altura, uma criança chamada Debbie Brill, que viria a tornar-se também praticante, desenvolvia uma técnica semelhante na quinta dos pais, o "Brill Bend").
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O que Fosbury percebeu foi que, arqueando as costas, o centro de gravidade do saltador fica abaixo da barra mesmo enquanto o corpo passa sobre ela.
A seu favor jogava o facto de a superfície de aterragem começar a mudar de areia, serradura ou cavaco, aos materiais mais habituais, para espuma, que permitia a Fosbury e qualquer um dos seus futuros discípulos cair de costas sem se magoar.
Depois do salto em pé, da tesoura, do "eastern cut-off" e do "western roll", a técnica então em voga, no salto em altura, era o "straddle". Os atletas saltavam do pé mais próximo da barra e rodavam sobre a barriga, para alçar a outra perna sobre a barra. Fora assim que Brumel estabelecera o recorde do mundo, em 1963, em 2,28 metros.
A técnica de Fosbury propunha uma corrida do lado oposto e a terminar em curva, para que o atleta saltasse do pé mais distante e se virasse de costas para a barra, voando de rosto para o sol. Quando a exibiu, ainda no liceu, um jornalista disse que Dick parecia "um peixe a debater-se num barco" - "a fish flopping in a boat", o comentário derrogatório que deu origem ao nome "Fosbury Flop". Outro jornal legendou a foto do salto com "o saltador em altura mais preguiçoso do mundo".
Contudo, os resultados não mentiam e, na faculdade, Dick Fosbury começou a chamar a atenção dos entendidos da modalidade. Em 1968, arrecadou o primeiro de dois títulos de campeão universitário consecutivos - e, depois, venceu o torneio de seleção olímpica dos EUA. Ainda assim, as dúvidas persistiam.
Chegaram os Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México. Disck Fosbury faltou à cerimónia de abertura para ver as pirâmides e pernoitar numa carrinha a ver o pôr do sol, qual personagem saída da canção "Eu Gosto É Do Verão".
Os jornalistas que o viram treinar pela primeira vez daquela forma tão estranha riram-se. Chamaram-lhe "camelo de duas pernas" e desvalorizaram-no, assumindo desde logo que aquele espernear não augurava nada de bom. Quem era, afinal, aquele desconhecido de 21 anos ao lado dos favoritos às medalhas?
No afinal do dia 20 de outubro, tiveram a resposta. Ao fim de oito saltos, restavam apenas três atletas, todos com registo, até aí, imaculado: o soviético Valentin Gavrilov, o norte-americano Ed Caruthers e aquele estudante de Engenharia Civil desengonçado, de 193 centímetros de altura, que calçava sapatilhas de pares diferentes. Os três passaram os 2,20 metros logo à primeira.
Aos 2,22m, Gavrilov foi eliminado, enquanto Caruthers passou após uma tentativa falhada e Fosbury manteve a folha limpa. A final foi decidida aos 2,24m.
Caruthers tentou, tentou e tentou, mas falhou os três saltos; mergulhado no amor do público, que se apaixonara pela sua figura e atitude fora do habitual, Dick Fosbury voou de costas sobre a barra e conquistou a medalha de ouro.
O recém-campeão olímpico ainda tentou superar os 2,29 metros do recorde do mundo do ídolo Valery Brumel, porém, não conseguiu engatar nenhuma das três tentativas. De qualquer modo, a história já estava feita e a semente plantada.
Apesar da sensacional vitória de Fosbury no México 1968, a revolução operou-se aos poucos. Em 1971, o norte-americano Pat Matzdorf estabeleceu um novo recorde do mundo, de 2,29m, com uma adaptação do "straddle". Dois anos depois, contudo, Dwight Stones tornou-se o primeiro recordista mundial a utilizar o "Fosbury Flop", ao estabelecer uma nova marca de 2,30m, a que acrescentaria dois centímetros em 1976. Por essa altura, os melhores saltadores já eram quase todos "floppers".
Em 1977, o soviético Vladimir Yashchenko repôs o "straddle" no lugar mais alto da tabela, com um salto de 2,33m, a que somou mais um centímetro passado um ano. Ainda assim, em 1980, o polaco Jacek Wszola e o alemão Dietmar Mögenburg repuseram o domínio do "Flop", com saltos de 2,35m em dias consecutivos.
A partir daí, a técnica tornou-se, inequivocamente, a norma. Hoje em dia, todos os saltadores de topo a utilizam - uma versão mais moderna, de arestas limadas, em que, por exemplo, os braços também ajudam à impulsão. Foi a voar de costas sobre a barra que o cubano Javier Sotomayor, considerado o melhor saltador em altura de sempre, alcançou os 2,45 metros, em 1993, recorde do mundo que perdura.
Dick Fosbury pode não ter regressado aos Jogos Olímpicos depois de México 68, mas o "Fosbury Flop" nunca mais saiu.