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Seleção feminina de râguebi vence para ter apoios, mas precisa de apoios para vencer ainda mais

23 mar, 2023 - 18:15 • Inês Braga Sampaio

A capitã Daniela Correia explica à Renascença que a subida da seleção feminina de râguebi, formada por amadoras, à primeira divisão europeia, o Championship, importa, principalmente, pelos apoios que pode render à modalidade, que ainda tem dificuldades em captar jovens, reunir os recursos fundamentais e mudar mentalidades.

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A seleção feminina de râguebi não joga apenas para ganhar. Cada desafio é uma luta por mais apoios, mais atenção, mais competitividade, menos estigma. Um passo fundamental foi dado no passado sábado, com o apuramento para o Championship de 2024, em que estão as melhores equipas da Europa.

Um feito especialmente relevante, dado que esta seleção foi criada apenas em 2021, disputou o seu primeiro jogo oficial em dezembro desse ano e é formada por jogadoras que abdicam do pouco tempo livre de que dispõem, quando não têm competição pelos clubes, para representarem Portugal ao mais alto nível. Tudo pelo amor à modalidade, que ainda esbarra em preconceitos e na falta de apoios e recursos.

O apuramento para o Championship, principal divisão do râguebi europeu, "é bastante importante, essencialmente, pelos apoios", conforme explica a capitã da seleção, Daniela Correia, à Renascença.

"As dificuldades foram muitas. Essencialmente porque somos amadoras, portanto é difícil juntarmo-nos com o tempo que era necessário para fazermos aquilo que queríamos. No fim de semana temos os jogos e, depois, os estágios da seleção. Infelizmente, é quando conseguimos parar o campeonato e depois juntamo-nos aos fins de semana. É porque queremos, claro, mas acabamos por retirar tempo dos fins de semana livres, em que não temos jogo de clube, para estarmos juntas na seleção, porque queremos trabalhar", relata.

Crescimento gradual, "mas não exponencial"


Daniela Correia, também conhecida por "Minga", revela que, com a prestação da equipa no Trophy, que lhe valeu a subida ao Championship, já surgiu um novo patrocinador apenas para o râguebi feminino.

"Acreditamos que isto é muito importante para que olhem para nós e que, a partir daí, apareçam alguns mecenas e patrocínios que nos possam ajudar, para que consigamos dedicar o tempo que quereríamos."

O crescimento do râguebi feminino, em Portugal, "tem sido gradual, mas não exponencial". "Não como nós queríamos", refere a capitã.

Além da falta de apoios e e recursos, "ainda há um estereótipo em relação às mulheres", no que diz respeito à prática da modalidade, pelo que tem havido "bastantes dificuldades" na captação de jovens jogadoras.

"Os clubes já estão a fazer o seu trabalho, mas vemos que os pais ainda não aprovam muito. Portanto, acredito que este nosso apuramento seja também bom para os pais olharem de outra forma [para o râguebi feminino]. Também não temos possibilidade, por não haver muito apoio financeiro, de melhorar as condições, no que diz respeito aos campeonatos nacionais e aos clubes. Portanto, acho que o que acabámos de fazer foi um feito grande, dado aquilo que nos é dado por parte da Federação e dos apoios, poucos, que ainda temos", salienta.

Treinar ao fim do dia em campos "emprestados"


O dia a dia de uma jogadora portuguesa de râguebi é difícil. Os clubes treinam duas a três vezes por semana em campo, sempre ao final do dia, com a dificuldade acrescida de não existirem muitos campos de râguebi em Portugal.

Por esse motivo, os clubes acabam por por dividir campos com o futebol, o que atrasa os horários dos treinos para o final do dia. Ainda para mais, cada jogadora tem de encaixar, à sua responsabilidade, dois treinos de ginásio por semana.

"Este é o dia a dia. A maior dificuldade é mesmo aquele final do dia de trabalho em que queremos descansar e vamos para casa, mas passado poucas horas temos de sair para ir para o treino. Chegamos sempre muito tarde a casa, por não termos disponibilidade de campo", lamenta Daniela Correia.

A capitã acredita, assim, que a subida da seleção ao Championship e, por consequência, a maior visibilidade do râguebi feminino pode levar a um patamar de maior profissionalização no futuro:

"Acreditamos nisso. Eu acredito nisso. Sei que é uma luta difícil e que, exceto o futebol, quase todos os desportos são amadores, mas no râguebi já temos chegado, ao longo do tempo, a alguns objetivos, sem termos os recursos. Acredito que, no futuro, vão olhar para estes pequenos feitos que temos conseguido, tanto no masculino como no feminino, e acredito que consigam a olhar para nós de outra forma, que temos algum valor, e que vão conseguir começar a dar-nos os recursos e, aí, depois de termos os recursos, vamos conseguir, com certeza, os objetivos."

"Sabemos que em Portugal os recursos são todos dados ao futebol e vão tendo alguns frutos. Nós temos de fazer ao contrário: temos de atingir algumas coisas para no futuro nos começarem a dar alguns recursos", atira.

De olhos postos no futuro do início ao fim


No Championship, Portugal terá três adversários - Espanha, dez vezes campeã da Europa, Suécia e Países Baixos.

Daniela Correia admite que os jogos do Trophy "foram relativamente fáceis", com vitórias folgadas: 71-5 frente à Bélgica, 39-0 à Finlândia e 51-0 diante da República Checa; a seleção foi campeã no sofá, antes de disputar a última jornada.

A equipa das quinas estava confiante, mas também sentia a pressão de vencer sempre e vencer de forma autoritária: "Este ano jogámos cada jogo a querer jogar os jogos do próximo ano."

Agora, Portugal vai ter "mais dificuldades", dado que as três equipas que vai defrontar são mais cotadas. Contudo, a capitã acredita que a seleção vai mostrar que consegue ser competitiva e que vai "dar o salto", para se bater com as melhores.

"Acredito que Portugal e o desporto em geral vão olhar para nós de outra forma. Só podem vir coisas boas com as nossas prestações. Mas, para isso, temos de continuar o nosso trabalho, sentir-nos pressionadas para elevarmos a nossa fasquia e a nossa prestação em campo, para podermos ser competitivas", frisa.

Foto: Luís Cabelo
Foto: Luís Cabelo
Foto: Luís Cabelo
Foto: Luís Cabelo
Foto: Luís Cabelo
Foto: Luís Cabelo

Espanha desperta "muita curiosidade"


Numa análise aos adversários, Daniela Correia admite que tem "muita, muita curiosidade em jogar com a Espanha".

"Dos jogos que observámos, vimos claramente que a experiência delas dá-lhes aquele jogo fantástico. Revemo-nos imenso na forma como elas jogam. E temos muita curiosidade em perceber como é que será um jogo contra uma Espanha, porque a Espanha venceu todos os jogos com muita facilidade este ano. Acreditamos que é uma equipa superior à nossa, mas também acreditamos mesmo, e temos essa curiosidade, que não é tão superior, no que diz respeito a volume de resultado, como os jogos que venceu este ano", destaca.

Em 2022, Portugal defrontou a Suécia num amigável. Perdeu, ainda que apenas por dois pontos, e com a atenuante de que foi um jogo em que aproveitou para introduzir novas jogadoras, "de idade e também de experiência".

"Acreditamos que a Suécia é um jogo de 50-50 ou até talvez mais acessível para nós", comenta Daniela Correia, que também considera que Portugal pode bater o pé aos Países Baixos:

"São uma equipa muito física, mas nós somos uma equipa mais rápida. Acreditamos que será um jogo que porá à prova a nossa defesa e, depois, não podemos errar no nosso ataque rápido."

"São três jogos para que estamos muito ansiosas, muito curiosas", conclui a capitã da seleção nacional de râguebi.

Portugal venceu o Trophy, segunda divisão do râguebi europeu, contra as seleções de Finlândia, Alemanha, República Checa e Bélgica. Em 2024, defrontará Espanha, República Checa e Países Baixos na estreia no Championship, principal escalão da Europa.

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