03 mai, 2022 - 09:00 • Inês Braga Sampaio
O que estava a fazer quando tinha 22 anos? Talvez a terminar o curso ou a começar a aventura no mundo do trabalho. Quiçá em viagem ou a pensar no que seria o futuro. Aos 22 anos, Mafalda Minhava é jogadora, treinadora e presidente de um clube de basquetebol.
A ligação ao Basket Clube de Vila Real começou muito cedo, enquanto atleta. Em entrevista à Renascença, Mafalda conta que desde cedo quis praticar desporto. Há 12 anos, começou a interessar-se pelo basquetebol e a treinar no clube: “Gostei logo.”
Vários anos depois, na altura de dar rumo à formação académica, Mafalda escolheu a licenciatura em Ciências do Desporto. No último ano, optou pela especialização em basquetebol e começou a estagiar, como treinadora, no clube que a formou.
Em 2021, já profundamente embrenhada no quotidiano do clube, surgiu o convite para assumir a presidência. Muito afetado pela pandemia da Covid-19, o BC Vila Real carecia de nova liderança - aceite o convite, foi isso que Mafalda Minhava se propôs a oferecer, com uma equipa jovem e maioritariamente formada no clube.
"Eu já estava muito ligada ao clube, a direção já me conhecia. Estive sempre um bocadinho ligada à direção, dava sempre algumas opiniões. Eles perguntaram-me se eu gostaria de alinhar neste desafio e eu aceitei”, relata.
A Lista A foi a única a eleições. Mafalda Minhava tornou-se, em maio de 2021, a primeira presidente mulher nos 25 anos de existência do Basket Clube de Vila Real – cargo que concilia com os de jogadora e treinadora.
Mafalda não é alheia à significância de ser uma mulher a liderar um desporto dominado por homens (não gosto do “dominado por homens”). O facto de ter nomeado seis mulheres para os 11 cargos da direção é sinal disso.
"Acho que é bastante importante eu ter assumido este cargo, para muitas mulheres perceberem que nós podemos assumir cargos e a nossa opinião pode ser ouvida e pode ser credível. Também por isso a maior parte da minha direção é jovem e a maior parte são mulheres. Mesmo para nós conseguirmos assumir uma posição e para toda a gente perceber que nós temos direito à nossa opinião”, salienta, nesta entrevista à Renascença.
A presença feminina no basquetebol, também entre treinadores, é algo que tem vindo a aumentar, destaca: “Tenho visto cada vez mais treinadoras femininas, no basquete, e acho que é bom. Agora, estou a tirar o estágio do nível II e estão muitas raparigas também a tirar comigo. Acho que isso tem vindo a melhorar ao longo dos anos.”
Mafalda admite que não tem sentido qualquer discriminação ou desconfiança por parte de quem lidera ou dos seus pares. O grande desafio, no BC Vila Real, é outro: “Contornar o que a pandemia fez com o clube.”
"Perdemos muitos praticantes, muita gente tem medo de voltar a praticar, começar a praticar ou que os filhos comecem a vir para o desporto. E o nosso maior objetivo no início destes anos é [fazer] perceber que o desporto é algo saudável e que, mesmo com a pandemia, vai fazer-lhes bem vir praticar. Mesmo tendo de estar com pessoas e num sítio fechado, é bom para eles perceberem que é saudável e que precisam de praticar um desporto”, explica.
Algumas crianças querem experimentar, com outras “nota-se que os pais têm mais receio”.
Organizar o tempo não tem sido tão difícil como se esperaria. Os treinos são entre as 17h30 e as 21h30, logo o resto do dia está livre para as tarefas de presidente e para a vida pessoal. Se um atraso ou outro a um treino é possível, ainda que “só mesmo se acontecer algum imprevisto”, faltar a jogos está fora de questão.
“Nunca faço as coisas sozinha. Tem sido fácil porque tenho muita gente comigo”, assinala.
Enquanto treinadora, Mafalda Minhava também tem abraçado vários projetos. É coordenadora do “mini basket”, treinadora principal da equipa feminina de sub-14 e está a estagiar na de sub-19. Saltar de escalão em escalão numa questão de minutos “tem sido um desafio”.
“Tenho de ir mudando um bocadinho o ‘chip’ na cabeça. Uma maneira diferente de falar com as sub-19, uma maneira diferente de falar com os sub-8, os sub-10, os sub-14. Têm sempre maneiras diferentes. Faz parte da experiência, do me ir habituando a pensar, ‘estou a falar com eles, não pode ser igual a [outros]’”, refere.
Entre lidar com idades diferentes – das crianças mais novas às mais velhas, das pré-adolescentes às adolescentes e às jovens adultas – e distintos graus de dificuldade tática, Mafalda assume que “o mais fácil é mesmo o ‘mini basket’”.
“Eles gostam mais de brincar, querem aprender a jogar basquete. Às vezes, portam-se mal, fazem duas ou três asneiritas, mas isso é o mais fácil de lidar. No início da pré-adolescência, que são as sub-14, que está ali 11, 12 anos, 13, já é mais um bocadinho mais complicado, porque começam a entrar os problemas exteriores. Então, durante o treino já há algumas confusões que não são do treino. Também começam a aprender coisas um bocadinho mais difíceis no basquete”, conta.
As sub-19 já andam no clube há mais tempo e algumas até jogam com Mafalda na equipa principal. As dificuldades, comparativamente às adolescentes, invertem-se um pouco:
"É um bocadinho mais fácil de lidar em termos de pessoas, mas, se calhar, em termos de basquete, é um bocadinho mais complicado, porque é muito complexo, já, aquilo que elas têm de aprender.”
A equipa principal masculina do BC Vila Real compete na II Divisão, quarto escalão do basquetebol nacional. A equipa feminina joga no terceiro escalão.
É como treinadora que Mafalda fica mais nervosa durante os jogos. Enquanto jogadora, é “só” repetir o que fez durante a semana; como presidente, confia nos treinadores e nos atletas.
“Como treinadora, é aquilo que eu vou treinando durante a semana, é aquilo que eu vou planeando. Se as coisas vão correndo mal, eu já fico: ‘Se calhar tenho de fazer isto, tenho de fazer aquilo’. Começo a pensar mais e a ficar mais ansiosa com o jogo como treinadora”, assume.
Com três trajetos pela frente, todos conciliáveis, Mafalda está ainda a perceber aquilo de que gosta e o que quer fazer, decisões que, espera, “ainda vão levar algum tempo”.
Um segundo mandato é tema para mais tarde – este só termina em 2024 e é preferível “ver as coisas um degrau de cada vez”. Uma coisa é certa: a ligação de Mafalda Minhava ao Basket Clube de Vila Real é forte e para durar.
"Eu quero continuar a ajudar o clube, mesmo não sendo presidente ou mesmo não estando cá para ser treinadora, atleta, qualquer coisa. Quero ser sempre ajudar o clube no que conseguir, porque é um clube que faz parte [de mim], viu-me crescer. Comecei com 12 anos, tenho 22 e continuo aqui e tenciono que assim seja, mesmo não exercendo um cargo depois da presidência”, declara.
Mafalda Minhava nasceu em 1999 e é licenciada em Ciências do Desporto pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Integrou os escalões de formação em 2011 e fez todo o seu percurso desportivo no BC Vila Real, de que é jogadora, treinadora e presidente.