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Europeu de Futsal

Ricardinho: "Custa olhar para os 14 convocados e não ver o meu nome"

19 jan, 2022 - 10:00 • Pedro Castro Alves

No lançamento da primeira competição desde que se retirou da seleção, Ricardinho admite que "vai ser horrível" ver o Europeu de fora, mas "o legado está bem entregue" a uma geração em que "talento não falta".

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Depois de 15 anos a ser o primeiro nome na lista de convocados, Ricardinho vai ver de fora o Euro 2022, em que Portugal entra pela primeira vez como detentor do título e campeão do mundo. O ex-capitão não esconde que “vai ser duro ver os jogos e estar de fora”.

Portugal entra na competição, que arranca esta quarta-feira, nos Países Baixos, com o “respeito dos adversários”, mas também como “o alvo a abater”. É importante começar a prova com uma vitória no jogo de abertura, frente à Sérvia, às 16h30, para criar uma “situação mais confortável” num grupo A “bastante difícil”.

A título pessoal, Ricardinho admite que o retirar das quadras não estará longe e vai “depender das lesões”, no entanto, a “alegria de estar no campo não deixa pensar no final”. Revela que recebeu várias propostas durante o mês de dezembro, antes de regressar ao ACCS, que desceu administrativamente e disputa agora a segunda Liga francesa, algo que mostra que ainda é “um atleta com algum sumo para espremer”.

Em entrevista à Renascença, o seis vezes considerado melhor jogador do mundo faz o lançamento de um Campeonato da Europa que “não vai ser fácil”, analisa uma nova geração com “jovens de muita qualidade” e perspetiva um final de carreira que se aproxima, porque “ninguém é eterno”.

Enquanto alguém que conhece muito bem todos os jogadores da nossa seleção, até muitos dos adversários e que percebe como funciona a competição, está confiante que Portugal pode revalidar o título?

No início dizia que Portugal não era favorito porque nunca tinha ganho, agora já ganhámos. Ganhámos o respeito dos adversários. Acho que temos uma seleção com uma qualidade brutal, isso tem-se notado nos clubes e reflete-se no trabalho da seleção, que tem sido incrível. É certo que não é fácil, também há outras seleções com muita qualidade e com muita ambição. Acho que a fase de grupos vai ser muito importante, Portugal está num grupo bastante difícil, embora o historial seja positivo a nosso favor. Temos uma seleção bastante experiente, embora bastante jovem e o “staff” prepara sempre muito bem os jogos. Depois, dentro das quatro linhas, depende da inspiração de cada um e do momentos em que os jogadores chegam.

Quais considera serem os outros favoritos para este Euro?

Nós temos de olhar para nós próprios. Acho que a nossa seleção está mais do que preparada e nos jogos a doer temos mantido sempre muito a calma.

Na minha opinião, Espanha e Rússia são duas seleções que têm jogadores de muita qualidade e têm marcado sempre presença nas finais. Também Itália tem renovado a seleção e é preciso ter cuidado. Mas nos Mundiais e nos Europeus nunca podemos “confiar em ninguém”, temos de olhar sempre com desconfiança.

O Ricardinho já joga fora de Portugal há muitos anos e conhece muitos jogadores que alinham noutras seleções. Como é visto Portugal neste momento?

Antigamente éramos a seleção do “quase”. Tínhamos muita qualidade, mas não conseguíamos dar o passo em frente. Depois da conquista do Europeu começaram a olhar para nós de outra maneira, apesar de haver sempre duvidosos, mas a machadada final foi a conquista no Mundial, foi uma chapada de luva branca a muita gente. É como que um murro na mesa, a dizer que estamos cá. Não fomos pelo caminho mais fácil, que era naturalizar jogadores nos momentos mais difíceis, fomos trabalhando a formação e estamos a ter aproveitamento com jovens de grande qualidade como o Tomás Paçó, o Zicky, o Afonso Jesus… Jogadores jovens e de muita qualidade. Com o tempo espero que sejam a cara da nossa seleção, para mostrar que o sucesso não foi obra do acaso.

Durante muito tempo o Ricardinho foi a cara da seleção portuguesa. Esta parece ser uma geração de muitas caras?

Sinceramente espero que sim, de coração. Acho que talento temos de sobra, mas ser um Ricardinho ou um Falcão não é fácil. Não é fácil manter-se num patamar tão alto tanto tempo, terem essa ambição, representar a seleção e querer sempre ganhar. Há muitas nuances, temos de manter os pés no chão. O que sabemos é que temos uma seleção com muito talento e uma equipa que é uma família, isso faltou muito nos anos anteriores. Todos eles sabem que podem ser importantes a qualquer momento do jogo e isso é importante, porque sabemos que é difícil ter minutos na seleção. Por isso, não gosto muito apontar o futuro, a vida dá muitas voltas e há muitas lesões. Temos qualidade e estamos a trabalhar bem, agora é esperar que o futuro não tenha muitas surpresas e que se consiga manter este nível.

O facto de os jogadores portugueses entrarem em campo enquanto campeões da Europa e do mundo dá quase que uma força extra? Há algum perigo de isso escorregar para alguma sobranceria?

Pelo que eu conheço dos atletas que lá estão isso não vai acontecer, de certeza. O que pode acontecer é que outras seleções vão com os olhos mais abertos, vão trabalhar ainda mais porque somos um alvo a abater. Antes dizia que queriam ganhar a Portugal porque estava lá o melhor do mundo, agora querem ganhar a uma seleção que tem dois jogadores nomeados para melhor do mundo, para melhor jovem do mundo, para melhor treinador do mundo, para melhor seleção do mundo, somos campeões do mundo, campeões da Europa… Por isso imagina a motivação de quem joga contra nós. É uma responsabilidade maior, porque temos de tentar manter esse estatuto, mas não podemos esquecer que as outras seleções também treinam, também jogam em ligas profissionais e que não vai ser fácil.

Já em jeito de antevisão ao jogo de abertura, o que lhe parece a seleção da Sérvia e quão importante é iniciar a campanha com uma vitória?

Acho que o primeiro jogo é sempre o mais importante, porque te dá moral ou dúvidas, cria muitas expectativas. Obviamente, o grupo é muito forte mentalmente, mas é um jogo importante porque te deixa logo numa situação mais confortável. Já não somos o Portugal de andar a fazer contas, mas vai ser um jogo importante. A Sérvia quase não se qualificava, perdeu connosco nos oitavos de final do Mundial, temos vantagem no confronto direto e eu sei como pensam os sérvios, querem sempre dar mais e melhor e vão querer a desforra. Sei que vão lutar até ao fim, mas acredito que Portugal vai conseguir entrar com o pé direito.

Agora que terminou a carreira na seleção, custa ficar de fora?

Foi uma decisão difícil, sabendo que poderia jogar mais um Europeu. Esse era o desejo de toda a gente, menos o da minha cabeça. Foi por isso que tomei a decisão. Custa olhar para os 14 convocados e não ver o meu nome. Não é fácil, mas tenho de aceitar essa decisão que tomei. Já estou a olhar para os grupos, para os jogadores que foram. Antes, afastei-me quase a 100%, não queria estar sempre a pensar nessa decisão. Começo a ter esse nervosismo, a mandar mensagens de boa sorte aos meus companheiros e que acreditem. Vai ser duro quando vir o primeiro jogo, de fora custa mais. Vou ser mais um português a passar energia positiva.

Esteve em cinco Europeus e quatro Mundiais, ao longo de quase 15 anos. Vai ser estranho assistir aos jogos da seleção do lado de fora, depois de tanto tempo?

Vai ser horrível, porque é o palco onde todos os atletas querem estar. Saber que poderia ainda bater mais recordes e ajudar a seleção a defender o título, provar que o último não foi obra do acaso, ajudar ainda mais o crescimento dos jovens. Sei que o legado será correspondido à altura. Confio na seleção, principalmente no "staff", que tem sido muito importante. Vai custar-me muito, ficar de fora nestas competições nunca foi algo que gostasse, apesar de ter perdido dois Europeus e um Mundial, por lesão. Com o trabalho que todos fizemos, estou orgulhoso do que conquistei, mas confesso que vai ser duro ver os jogos e estar de fora. Mas vamos encontrar armas suficientes para superar isso.

Olhando já mais à frente, já começa a ter ideia de quando será o fim da carreira?

Longe não estou de certeza, com 36 anos [risos]. É verdade que ainda tenho vontade de ajudar, de me sentir útil. Esta decisão foi também a pensar nisso, a exigência era muito grande. Jogo bastante tempo, as viagens desgastam muito. São 15 anos. Vai depender das lesões e do que o corpo vá dizendo. Depois de ter parado cinco meses para jogar o Mundial, só agora estou a voltar a jogar, tenho duas semanas de treino. Tem sido intenso, estou a sentir-me outra vez na forma em que posso estar. Acho que posso ajudar os mais jovens aqui no clube. Tenho de esperar para ver o que o corpo diz, a cada ano. A minha alegria de estar no campo não me deixa pensar no final. Ninguém é eterno, algum dia terá de ser, mas vamos ver o que o corpo disser. Se as lesões me forem respeitando, vamos vendo. Em dezembro, muitos clubes tentaram contactar, para saber como era a minha situação, e isso motiva-me muito. É sinal que ainda me vêm como um atleta com algum sumo para espremer.

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