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Os portugueses a caminho dos Jogos Olímpicos

"Para quem anda entre os melhores do mundo, o objetivo só pode ser uma medalha"

21 jul, 2021 - 07:00 • Rui Viegas , Inês Braga Sampaio

O selecionador nacional de andebol não gosta do "jogo a jogo", mas admite que muito dependerá da entrada em prova, frente ao Egito, num grupo complicado. Paulo Pereira sente a equipa, grande estrela do andebol português, preparada para tudo: "Podemos ficar em último, mas a verdade é que também podemos ficar em primeiro."

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O selecionador de andebol sonha com a conquista de uma medalha na estreia de Portugal na modalidade, nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.

Em entrevista à Renascença, Paulo Pereira sublinha que tem de ser esse o objetivo de uma equipa que se intromete entre as melhores seleções do mundo, apesar de ser apenas estreante — e a única representante portuguesa nos desportos coletivos.

"Temos consciência das duas coisas: muito difícil, mas podemos chegar se fizermos as coisas bem. É mais ou menos nesse registo que estamos", afirma quem confia que "não vai ser pela experiência" que Portugal poderá ganhar ou perder.

Acima de tudo, mesmo que, de fora, desconfiem, Paulo Pereira confia nos jogadores que tem e, acima de tudo, na grande estrela da seleção — a equipa, figura máxima da "melhor geração" do andebol português e que é capaz de tudo:

"Podemos ficar em último, mas a verdade é que também podemos ficar em primeiro. É assim que nós temos de pensar."

Portugal está inserido no grupo B, com Bahrain, Egito, Suécia, Dinamarca e Japão.

Nos últimos dias, há muito mais trabalho mental do que propriamente técnico-tático?

Esse trabalho mental tem de existir todos os dias. E acaba por ser coisas relativamente simples. Dentro da planificação, temos de pensar nos pormenores que conduzem ao entusiasmo e ao compromisso. São fatores que é preciso trabalhar todos os dias. Não só agora, mas sempre.

Sabemos onde é que vamos, sabemos o que é que queremos. Sabemos que aquilo que fizermos no processo de preparação é o que vai condicionar o resultado. Quanto mais centrados estivermos nesse processo, provavelmente, mais possibilidades teremos de ganhar. Neste momento, tudo é importante. Tentamos estar atentos a todos os pormenores.

O presidente da Federação disse na Renascença que estamos perante uma verdadeira equipa. Não há aqui clubes, não há estrelas. “A estrela é a equipa”, foi a expressão utilizada. É isso que sente, também?

É. Às vezes, temos aí algumas estrelas fugazes, mas são apenas fugazes e tentamos que o grupo seja ele a estrela. Isso pouco a pouco acaba por se sentir e acho que os resultados que temos obtido têm valido muito por isso. Não só ao nível dos atletas e do grupo que joga em si, mas também do “staff”. Todos estamos mais ou menos a remar para o mesmo sítio e, quando assim é, conseguimos aumentar as possibilidades de vencer. As vitórias acabam por ser sempre muito mais sólidas quando todos contribuem com a sua medida.

O ser uma verdadeira equipa permite-nos sonhar com o quê, nestes Jogos Olímpicos?

Primeiro, temos uma abordagem inicial ao Egito, que tem feito jogos de excelente qualidade. Tem perdido por margens mínimas com equipas fortíssimas. É logo o primeiro jogo que temos, vai ser logo aí um osso muito duro de roer.

Eu não gosto de falar no jogo a jogo, não tem muita lógica. Parece que nos estamos a defender. Mas a verdade é que a entrada na competição provavelmente vai condicionar o resto e temos de tentar entrar logo muito bem na competição. O Egito é uma equipa que pode ganhar a qualquer uma e, por isso, será muito importante esse primeiro jogo.

Depois, temos o campeão e o vice-campeão do mundo. No final, acabamos por jogar com a equipa organizadora, que é o Japão. Ou seja, cada jogo vai ser diferente e todos eles terão elevado índice de dificuldade. Portanto, se nós conseguirmos passar à fase seguinte, que é o que vamos tratar para já de fazer…

Obviamente que quem vai aos Jogos Olímpicos e anda ali entre os melhores do mundo, o objetivo só pode ser ter uma medalha. Com as consequências que isso pode trazer. “Ó pá, estes gajos pensam em medalhas e depois ficam em 12.º?" Podemos ficar em último, mas a verdade é que também podemos ficar em primeiro. É assim que nós temos de pensar. Se fizermos as coisas bem, podemos chegar muito longe. Temos gente para isso, só temos de acreditar que temos essa competência, mesmo sendo muito difícil.

Temos consciência das duas coisas: muito difícil, mas podemos chegar se fizermos as coisas bem. É mais ou menos nesse registo que estamos.

O facto de Portugal ser estreante numa competição como esta, que é tida como a maior competição desportiva mundial, é um fator positivo ou negativo? A falta de experiência ou, por outro lado, a eventual motivação deste grupo de jogadores por estarem numa competição com esta dimensão? De que forma é que isto poderá ser observado?

Para nós, a inexperiência pode notar-se em alguns aspetos. Nomeadamente, houve atletas que celebraram o aniversário nesta altura. Nunca tinham celebrado o aniversário nessa altura, isso significa que nunca estivemos juntos nesta altura a competir. Uma altura de férias. Em que toda a gente está de férias e nós agora temos de estar a competir. Há atletas que praticamente não tiveram férias, tiveram muito pouco tempo para desligar da competição. Isso pode ser, para nós, uma desvantagem. Nunca vivemos um momento parecido com este em termos temporais.

A única desvantagem é essa, estarmos a competir e a preparar mais cedo numa altura em que temos de fazer quase uma pré-época, com muito pouco tempo para preparar fisicamente atletas para poderem competir a um altíssimo nível.

A questão do "jet lag". Nós não podemos ver isso como uma desculpa. Para as seleções dos países próximos de nós, provavelmente, o efeito do "jet lag" também vai ser um bocadinho pior, mas nós habituámo-nos sempre a viver na dificuldade, por isso também conseguimos se calhar resolver melhor os problemas do que outras seleções.

Não vai ser pela experiência que possamos ganhar ou perder. Temos melhorado muito nesse sentido, no conviver com resultados desfavoráveis. Para nós era uma dificuldade estar a ganhar ou a perder por muitos. Antigamente, a perder por três ou quatro já desistíamos do jogo. Pouco a pouco, estamos a conseguir reagir melhor e a gerir melhor as emoções nesses momentos. Creio que não será por falta de experiência. Poderá ser por outra coisa, porque os outros são melhores que nós.

Esse trabalho foi feito, recentemente, com mais insistência? A reação, por exemplo, à perda?

Quanto mais oportunidades tivermos de experienciar situações desse género, vamos estar cada vez mais preparados para lidar com elas. Estes atletas têm vivenciado situações de altíssima dificuldade, não só na seleção, mas também nos clubes. Os atletas, individualmente, vão-se preparando para gerir melhor estes momentos e emoções.

Creio que quer por parte dos clubes, quer por parte das vivências que eles têm tido nos últimos anos na seleção têm contribuído para que todos eles consigam gerir melhor estes momentos de jogo e de competição.

Esta é a melhor geração do andebol português, numa pergunta mais abrangente e, se calhar, até injusta?

Não sei. Se olharmos só à matemática, é. É a melhor geração, aquela que conseguiu melhores resultados. Melhor resultado no Europeu, melhor resultado no Mundial, qualificação olímpica. Podemos jogar outros fatores, mas imagino que estamos perante a melhor geração de todas de Portugal, embora já tenhamos tido outras excecionais, também.

E é uma geração, saindo um pouco deste contexto dos Jogos Olímpicos, que pode beneficiar o andebol em Portugal? Pode ser uma geração inspiradora?

Eu acho que sim, que é uma geração inspiradora, porque são todos diferentes um dos outros e cada um aceita o formato do outro. Há dias melhores, dias piores, mas acho que todos mais ou menos se têm respeitado e, às vezes, a maior dificuldade dos grupos é essa, querermos impor o nosso formato.

De uma forma geral, acho que todos se respeitam, independentemente da idade e do estatuto que possam ter dentro do grupo, e eu acho isso apreciável e interessantíssimo, porque, sobretudo, temos aqui boas pessoas que conseguem perceber em que meio é que estão, o que é que representam. Acima de tudo, temos boas pessoas que querem representar Portugal ao mais alto nível.

Num plano mais pessoal, no seu caso, que já passou pelo andebol de outros países, que conhece a formação, que esteve noutros continentes, nomeadamente o africano, que foi até ao Leste e que abraçou este projeto numa segunda ocasião: é também o momento mais alto da sua carreira? Sente-se realizado ao olhar para trás?

Este foi seguramente o momento mais alto da minha carreira. Estar nos Jogos Olímpicos é único, para além das boas prestações que fizemos no Europeu e no Mundial. Mas não me sinto ainda satisfeito. Ainda há muitas coisas [para fazer].

Pode saber-se o que é que disse à sua família? Fez alguma promessa em particular?

Não fiz nenhuma promessa. Eu nunca fico muito feliz por ter conseguido algo muito interessante, nem fico muito triste porque alguma coisa correu mal. Fui-me habituando a reagir desta forma. É preciso continuar. O que lhes disse ao sair de casa foi que tivessem muita sorte para os exames. Não foi nada de extraordinário, foi uma coisa muito normal.

Gostaria de terminar não esquecendo Alfredo Quintana. Este foi um ano muito difícil não só para o andebol português, também para o desporto português, perante este desaparecimento. Poderá dizer-se que foi um ano agridoce, porque tivemos este momento terrível e esta qualificação inédita para os Jogos Olímpicos. Quintana vai estar presente convosco em Tóquio?

Vai. Vai estar sempre presente. Tenho uma tatuagem que mostra isso. É uma pessoa que vai estar sempre connosco. É algo que vai estar sempre connosco. Foram momentos muito difíceis que conseguimos superar. A ele também se deve o facto de estarmos a ser reconhecidos.

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