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Entrevista Bola Branca

Nenê, o mais velho da Liga: "Até os adversários falavam comigo porque eu não parava de fazer golos, perguntavam o segredo"

15 ago, 2024 - 11:40 • Eduardo Soares da Silva

Tem 41 anos e regressa à 1.ª divisão depois de quatro anos no segundo escalão (fez 23 golos na subida do Aves). No campo, agora vê atalhos que não via com 24 anos. “Tenho a certeza dos movimentos que tenho de fazer."

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Depois de quatro anos na segunda divisão, Nenê, goleador do Aves (AFS SAD), não teme o regresso ao patamar da I Liga, mesmo que venha acompanhado do peso do rótulo de jogador mais velho do campeonato.

“Quarenta e um é só um número para mim. Não tenho receio, sei que tenho capacidade e que posso fazer muito pelo Aves na I Liga", diz, em entrevista à Renascença.

O tempo tirou-lhe velocidade, mas acrescentou-lhe experiência. Chega à I Liga depois de uma das temporadas mais goleadoras da carreira. Apontou 25 golos em 39 jogos e foi o melhor marcador da II Liga num Aves que conseguiu a promoção após bater o Portimonense no "play-off".

Nenê é um histórico do futebol português, até porque foi o melhor marcador da primeira divisão na distante temporada de 2008/09, pelo Nacional da Madeira, que lhe abriu as portas da Serie A.

Esteve quase dez anos em Itália, com passagens por Cagliari, Hellas Verona, Spezia e Bari, antes de regressar ao ponto de partida.

Jogou duas épocas no Moreirense, onde não foi opção regular na I Liga. Deu um passo atrás para jogar no Leixões e, desde então, vem sempre a melhorar os registos: 10 golos pelo clube de Matosinhos, 15 pelo Vilafranquese na época seguinte, mais 18 na que se sucedeu e 25 na temporada passada.

"O objetivo era melhorar a cada ano. Na I Liga, com a minha idade, se o fizesse, seria caso de estudo", brincou.

O regresso à I Liga foi precisamente contra o Nacional, o clube que lhe abriu as portas da Europa há mais de 15 anos. Foi especial arrancar assim
É sempre especial. Fui jogar na II Liga e voltar, ainda para mais com a minha idade, e contra um ex-clube onde tive muito sucesso são duas coisas que ficam na memória. Sempre disse que carrego o Nacional para onde quer que eu vá, sempre que jogo contra eles é especial. Fazer o primeiro jogo contra eles dá um gosto melhor.

Voltar à I Liga depois de quatro anos na segunda divisão, aos 41 anos, envolve algum medo? Alguns receios, dúvidas?
Não há receio. Claro que tenho muita experiência em primeiras divisões. Na Itália e cá, no Moreirense quando voltei. Não tenho receios porque sei a minha capacidade e o que posso mostrar. Mesmo com uma idade avançada, sei que posso fazer muita coisa pelo Aves na I Liga.

O rótulo de jogador mais velho do campeonato pesa um pouco?
Quarenta e um é só um número para mim. Se volto com esta idade, é pela minha experiência e qualidade dentro de campo. Não tenho nenhum receio de voltar, vou fazer o máximo.

Há um objetivo individual de golos? Nas duas épocas de Moreirense, não foi um titular indiscutível. Hoje, regressa com o estatuto de titular do Aves...
Desde que saí da I Liga, passei pelo Leixões, Vilafranquense e agora Aves. A minha meta era melhorar a cada ano. No Leixões, fiz 10. Depois 16, depois 18 e agora 23. Fazer 23 numa I Liga, com a minha idade, se superasse seria caso de estudo mesmo. Quero ultrapassar, pelo menos, os 10 golos. Já seria muito bom. Vamos tentar o máximo.

Na época passada, os 23 golos - e a qualidade de alguns deles - surpreenderam-no? Esperava uma época tão boa aos 40 anos, mesmo tendo esse objetivo?
Fico surpreendido porque se fala do "vinho do Porto". Mais velho, mas continuei a ter essa continuidade nos golos. Até adversários falavam comigo porque eu não parava de fazer golos, a perguntar o segredo. O maior é a minha fé e a minha família, que me dá todo o apoio. Tento estar o mais concentrado para finalizar.

Na época passada, foi só sucesso. Em bola parada, até alguns golaços. É fruto de um trabalho. Quarenta e um anos também dá muita experiência, aprendi muito e ainda tenho muito que aprender. Continuo focado para continuar com estes sucessos.

Disse que era preciso sorte para evitar lesões, mas que essa sorte é fruto de muito trabalho. Qual é a sua rotina, como se poupa, como recupera?
Todos os estudos hoje em dia apontam que o repouso é a parte fundamental. Temos muito trabalho de ginásio, fortalecimento, prevenção. Treino de manhã e pela tarde, tenho sempre momento de repouso. Ao chegar a uma certa idade, a recuperação não é a mesma coisa quando tinha 23 anos.

Com uma vida tranquila, descanso, boa alimentação, treino dedicado e não perder dias de descanso como muitos jovens perdem em noitadas, tudo isto prolonga a carreira. No futebol, a carreira em curta e, sem estes cuidados, acaba aos 32 ou 33 anos. Sempre fui focado em Portugal, Itália e Brasil e isso trouxe-me até aos 41 anos. Sinto-me bem fisicamente e mentalmente.

Vemos avançados mais velhos a adaptar o estilo de jogo. Aconteceu consigo?
Não digo adaptação, mas claro que perdemos velocidade. Com o passar dos anos, acrescentamos experiência. Dentro de campo, há alguns atalhos que com 24 anos não sabemos. Hoje, tenho a certeza dos movimentos que tenho de fazer, poupar quando não preciso de correr.

O futebol e a I Liga mudou muito desde 2008 quando foi a primeira passagem por Portugal?
Mudou, dentro e fora de campo. Quando saí para Itália, trabalha-se na parte técnica e tática que em Portugal não existia. Os níveis foram-se igualando entretanto, os treinadores estudaram bastante e hoje vejo que tudo está nivelado, até em termos de estrutura. Não é à toa o sucesso que a seleção portuguesa tem tido.

É mais difícil marcar golos em Itália ou é só mito?
Eu acho que é muito mais difícil, sim. Trabalha-se muito mais o posicionamento tático do que em Portugal. Quando cheguei lá, tive de me adaptar. Foi outra realidade, culturas diferentes. Isso só me fez crescer também.

Voltando ao Aves, há a tendência dos clubes que sobem terem temporadas tranquilas na I Liga. Como se justifica? Tem a ver com a equipa vir com uma dinâmica de vitória já da temporada anterior?
Uma equipa que traga a base da II Liga, não diria mais fácil, mas já tem mais trabalho feito. Uma equipa com muitas mudanças obriga a uma adaptação, até treinadores novos. Não é fácil isso. Os jogadores demoram a conhecer-se. Pode facilitar no início do campeonato, mas não é fácil manter isso, porque depois as equipas todas encontram-se e estabelecem-se. O campeonato é longo, temos de ter cuidado, porque, da mesma forma que subimos, podemos descer.

Como foi a transição Vilafranquense para Aves? É o mesmo projeto, a mesma estrutura, mas mudaram de cidade, de adeptos, de rotinas. Há até algumas críticas neste processo. Há algo de preverso nisso ou acredita que é fruto da forma como o futebol hoje se organiza?
Eu falo como jogador porque, em termos de estrutura, não posso falar. Para mim, foi tranquilo. Sendo sincero, e estava feliz lá, foi muito melhor voltar ao Norte por causa da minha família. Gostam muito de Guimarães, a minha filha ficou triste por sair de cá. Reencontro os colegas, não tivemos de partir do zero.

No início, tivemos o apoio dos adeptos, fomos trazendo mais ao fazer um grande campeonato. Na subida, o estádio estava cheio no "play-off". Foi muito bonito. Com o campeonato, vão apoiar ainda mais.

Desde que voltou a Portugal, chegou a ponderar terminar a carreira?
Eu não tenho uma data limite, mas, antes de entrar no Vilafranquense e quando saí do Leixoes, fui de férias para o Brasil e estive uns dois meses sem ter nenhum convite concreto. Ali achei que seria o momento de parar, as pessoas começam a duvidar quando se chega a uma idade.

Ligaram-me do Vilafranquense, eu até falei que tinha uma certa idade, e disseram que fizeram contactos para saber que profissional eu era. Aí percebi que era para continuar. Sentia-me bem, depois foi um ano atrás do outro. Enquanto me sentir bem, vou continuar, seja no Aves ou onde for. Se vir que não consigo ajudar, aí vou parar.

Mas imagina continuar a jogar mais alguns anos, mesmo que seja novamente num patamar inferior?
Sim, vejo a jogar-me. Hoje, acho que faço mais dois ou três anos, mas a I Liga é muito mais desgatante. São as melhores equipas. É preciso esperar pelo fim da época e ver, mas neste momento não penso em parar no próximo ano. Há que esperar.

O que vem depois? Ser treinador como o seu irmão?
Eu fiz o curso UEFA B já, queria fazer um curso superior, mas é difícil conseguir fazer. Vejo-me no futebol, acho que vou tentar como treinador, mas ainda não sei.

O objetivo será continuar por Portugal ou voltar ao Brasil?
Em princípio, não pensamos voltar. O Brasil está numa fase difícil de segurança. O objetivo é ficar em Portugal. Se surgir uma oportunidade... nas Aves poderão dar-me uma oportunidade, mas ainda são só conversas. Agora, estou focado em jogar e ajudar o Aves a ficar na I Liga.

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