29 mai, 2024 - 12:00 • Eduardo Soares da Silva
Não tinham passado sequer 40 segundos de jogo, as bancadas do Estádio da Luz ainda se preenchiam com os adeptos mais atrasados, quando João Mário criou a primeira oportunidade de perigo contra o Farense. Um remate forte, de primeira. Ricardo Velho fez uma defesa apertada, junto ao primeiro poste. Seria o primeiro sinal de uma noite inspirada e de afirmação para o guarda-redes do Farense, apontado por muitos como o melhor da I Liga na temporada 2023/24.
Aos 27 minutos, nova dupla defesa perante Rafa Silva; aos 37, voou para a direita para impedir um grande golo de fora da área de Di María. Defendeu quase todas e o Farense arrancou mesmo um empate a um golo. Um jogo de domínio do Benfica, que perdeu a liderança do campeonato com esse resultado.
Em conversa com a Renascença, já de férias em Famalicão e a recuperar de um “problema menor” na mão, Ricardo Velho prefere dar o maior destaque à importância da manutenção do Farense do que à sua época individual.
“Em 2021, não conseguimos manter [na I Liga]. Fez com que o clube andasse sempre neste sobe e desce e isso não é bom. Foi bom estabilizar na I Liga, dá uma tranquilidade diferente ao clube”, assume.
Mas conclui: “Foi muito bom para mim também”.
A vida de Ricardo Velho mudou bastante. E rapidamente. Tem 25 anos e na época passada não era sequer um indiscutível no Farense: fez 22 jogos da época de subida e dividia a titularidade com Rafael Defendi. O treinador José Mota descreveu a ascensão de guarda-redes de forma caricata: “No ano passado, por esta altura, ninguém sabia quem era o Ricardo Velho”.
O guarda-redes ri-se quando confrontado com a afirmação do seu treinador: “A I Liga tem mais mediatismo, isso é normal. Eu só posso agradecer ao treinador pela oportunidade. Mais gente vê e fala sobre o meu trabalho”.
A exibição na Luz foi marcante. Escolhe o jogo contra o Benfica e outro frente ao Arouca – que o Farense até perdeu – como as melhores da época. Quer, ainda assim, evitar o deslumbramento.
“Durante a época, o nível estava a ser alto e meu objetivo era continuar a elevar esse nível, era continuar a melhorar. Já sabemos que o que hoje é, amanhã já não é. E a imagem que fica nas pessoas é sempre a última”, explica.
O melhor onze da temporada será anunciado em breve pela Liga de Clubes, escolhido pelos treinadores da competição. Ricardo Velho é apontado como favorito. "É um bocado complicado [dizer se foi o melhor da época], mas fico feliz pelas pessoas gostarem do meu trabalho e gostarem daquilo que fiz. Não gosto muito de ser eu a escolher, deixo que as outras pessoas escolham. Não me sinto bem a fazê-lo, não faz muito o meu género”, diz, entre alguns risos e várias hesitações na resposta.
De qualquer modo, só estar cogitado para vencer a distinção individual já alegra Ricardo Velho: “Temos grandes guarda-redes, não só nos grandes, e muitos fizeram também belíssimas épocas. É sempre gratificante ouvir o nosso nome e ver que as pessoas apreciaram o nosso trabalho”.
Natural de Famalicão, Velho passou pela formação de Vitória, FC Porto e Trofense até se estabilizar no SC Braga. Chegou em 2012, ainda nos sub-15. Estreou-se nos campeonatos profissionais bem cedo, em 2017/18, na equipa B do Braga, mas nunca deu o salto.
Seguiu-se uma época na equipa sub-23 e, em 2019/20, cruzou-se com Rúben Amorim na equipa B e A dos minhotos: “É fantástico a gerir o grupo e nas ideias que implementa. Por vezes, quando surgia uma lesão na equipa principal, eu subia”.
Teve, no entanto, muito pouco espaço. Essa época, pisou os relvados em nove jogos na última edição do Campeonato de Portugal. Com 22 anos, sentia que era altura de procurar oportunidades noutro lado.
“Não foi um ano proveitoso. Cresci em Braga, fui evoluindo de ano para ano na formação, mas chegou ali um momento que eu sentia que precisava, se calhar, de sair dali para poder continuar a crescer enquanto atleta, enquanto homem, e na altura surgiu o Farense”, recorda.
Não foi, ainda assim, uma subida em linha reta até ao ponto que atingiu hoje. Quando chegou a Faro, o clube estava na I Liga. Foi contratado para ser o terceiro guarda-redes. Não somou um único minuto e foi ao banco apenas nove vezes.
“Não havia sub-23 sequer. E eu sabia que tinha sido contratado para terceiro guarda-redes. Esta era a realidade, pura e dura”, recorda.
O clube desceu e nem sempre foi fácil gerir as expectativas, apesar de saber, desde o início, que dificilmente teria espaço: “Ia com o intuito de conseguir jogar, mas sabia que tinha guarda-redes de enorme qualidade à minha frente”.
A meio da época, o clube decidiu contratar o internacional português Beto após uma lesão de Defendi. Não foi fácil de aceitar: “Poderia surgir ali uma oportunidade. Ia jogar o Hugo Marques e eu passaria para o segundo guarda-redes. Mas contrataram o Beto e aí custou-me um bocadinho”.
Reconhece, no entanto, que o internacional português veio acrescentar muita qualidade” e que, “se calhar, não estaria pronto para jogar”.
A descida à II Liga, embora trágica para o Farense, foi uma oportunidade para Ricardo Velho: “Fiquei apenas eu e Defendi e aí já comecei a disputar mais o lugar com ele. Comecei a ser olhado de outra forma. Começaram a conhecer-me em jogo e é sempre diferente. Comecei a conquistar mais o meu espaço e foi sempre melhorando”.
Agora, há quem pondere pagar a cláusula de 10 milhões de euros. Já foi associado ao Sevilha e ao Watford e pode ser difícil para o Farense segurar o guarda-redes. Fonte do clube algarvio explica que a maior transferência do clube foi Ryan Gauld para a MLS, por uma verba a rondar os 350 mil euros. Ricardo Velho pode bater esse registo por larga margem.
“Eu não sei de nada neste momento. Tenho um contrato com o Farense, sou feliz lá em baixo, o que tiver que acontecer, acontecerá da forma natural”, assume.
O Sporting procura um guarda-redes principal após a saída de Antonio Adán. Ricardo Velho conhece Amorim e Vital, mas “não consegue responder” à questão se encaixaria nos leões: “É sempre uma pergunta complicada. Eu estou feliz no Farense. No Farense eu sei que encaixo e que estou bem lá para já, porque no momento é sempre complicado responder a uma coisa dessas”.
A perspetiva de ser transferido por alguns milhões de euros merece reflexão da sua parte: “É uma realidade totalmente diferente, no ano passado estava na Segunda Liga para subir e este ano fala-se nessas coisas”.
“Às vezes, uma pessoa não está à espera, essa é a verdade, mas é bom e fico feliz por as pessoas falarem e equacionarem esse tipo de coisas”, reconhece.
Roberto Martínez convocou Diogo Costa, Rui Patrício e José Sá para o Europeu, mas houve quem colocasse Ricardo Velho nas cogitações. José Mota considera que o seu guarda-redes tem capacidade para lá chegar.
Viu a convocatória sem expectativa: “Nós estamos muito bem servidos a nível de guarda-redes e a nível de equipa. Temos uma ‘equipaça’. Tenho de ser realista e o grupo estava fechado, não era algo que eu estivesse à espera. Tudo a seu tempo, é um objetivo futuro”.
Ainda assim reforça que só o cenário de ponderarem a sua presença na seleção o agrada: “Fico feliz pelas pessoas poderem sequer equacionarem um cenário desses”.
José Mota assume que é “extremamente difícil” um jogador do Farense chegar à seleção. É, então, preciso deixar o Algarve para sonhar com esses patamares? “Não necessariamente. Já tivemos outros exemplos de guarda-redes que foram convocados”.
Resta saber se, quando o campeonato começar em agosto, Ricardo Velho ainda estará no Algarve, ou se terá partido para destinos maiores.