A vida de Hamse Muse. Jogador somali é refugiado em Portugal e responsável por quatro irmãos

21 mar, 2023 - 21:20 • Liliana Carona

Joga no Casal de Cinza. Perdeu a mãe e aos 22 anos tem a responsabilidade de tomar conta de quatro irmãos, três deles menores. Diz que tem recebido todo o apoio por parte da cidade da Guarda, mas precisa de um emprego com um horário que lhe permita acompanhar as rotinas dos irmãos.

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Reportagem sobre Hamse Muse, jogador somali do Casal de Cinza
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Hamse Muse trabalhava até há poucos dias num café da Guarda, mas a morte da mãe, aos 43 anos de idade, trocou-lhe as voltas e ficou responsável pelos quatro irmãos - três deles menores - que mostra orgulhosamente na galeria de fotos do telemóvel.

“Estive quatro anos aqui a trabalhar, saí na semana passada, queria um emprego melhor, com outro horário, porque aqui era das 17h00 até às 2h00, era sempre noturno. A vida noturna não dá. Não nos cruzávamos em casa, queria mudar de trabalho”, diz, em jeito de apelo.

Começou janeiro com “uma má entrada no ano”. No dia 4, a mãe de Hamse Muse deu entrada no Hospital da Guarda e, no dia 14, faleceu aos 43 anos.

“Tinha 11 anos quando cheguei a Lisboa, chegámos como refugiados, e acabámos por vir para a Guarda. Conheci o meu pai na Somália, mas nunca mais soube dele. Sempre vi a minha mãe sozinha”, lamenta.

Sem carro e sem emprego

Com os irmãos a estudar, Hamse Muse não imaginava vir a ser o pai de família, mas confessa que a mãe já o tinha educado para assumir esse papel.

“O emprego é aquilo que eu mais queria. Como somos refugiados temos apoio da Segurança Social. Cai na conta do meu irmão, cerca de 900 euros. Não é fácil, mas vamos gerindo, fazendo biscates, eu nos cafés e ele no McDonalds, no verão, quando acaba a escola. Não quero que os meus irmãos parem os estudos. Quando acordo, penso que tenho de ir trabalhar e olhar pelos meus irmãos”, salienta Hamse Muse, agradecendo todo o apoio que tem recebido das pessoas da Guarda.

Há três épocas que joga no Grupo Cultural e Recreativo de Casal de Cinza, na segunda divisão da AF da Guarda, como extremo. O futebol é mesmo a sua única distração.

“Quando vou aos treinos e os domingos de jogo são os momentos de distração para mim”, conta. Hoje, com a perda da mãe, é ele que assume as rotinas aos 22 anos de idade.

“Avariou-me o carro. Estou sem carro. Vou buscá-los à 13h30, a minha irmã é às 16h30. Mas agora como não tenho carro, vêm a pé. Na cozinha, sei fazer tudo: Massa com frango, arroz com frango, coisas que a minha mãe me ensinou, aquelas coisas triangulares que comíamos na Somália, as chamuças. Lavo, passo, limpo o chão e a minha irmã também já vai ajudando”, realça.

Sonho de regressar ao IPG

Hamse Muse, que completou 22 anos no passado dia 11 de março, sonha poder regressar ao curso técnico superior profissional de Desportos de Montanha, no IPG. Sonho que fica em segundo plano, enquanto os irmãos não forem independentes.

“A perda da minha mãe foi mais impactante para a minha irmã, que notou mesmo a diferença, enquanto nós já éramos os homens de casa, mas perdemos um pilar”, observa o jovem somali, adivinhando o retorno aos estudos.

“Só me faltava concluir o estágio, espero um dia regressar ao IPG”, revela.

E da Somália, já restam poucas memórias, mas muita saudade. “Tenho poucas memórias da Somália, dos meus primos, da minha avó e de jogar à bola na rua. Mas sinto saudades das minhas origens”, conclui Hamse Muse.

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