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Daniel Guimarães ultrapassou o cancro e não volta a olhar para trás. "Só pensei em viver"

21 jul, 2022 - 09:30 • Eduardo Soares da Silva

Depois de um ano e meio com quimioterapia, cirurgia e recuperação, o guarda-redes brasileiro está pronto para voltar às balizas e ajudar o Nacional a lutar pela subida de divisão.

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Em janeiro de 2021, o "mundo de Daniel Guimarães desabou" ao receber o diagnóstico de um tumor de células germinativas no retroperitónio, junto ao abdominal.

O guarda-redes vivia a "melhor época da carreira", no Nacional da Madeira, mas foi obrigado a parar, sem certezas em relação ao futuro e uma semana depois de ter recebido a notícia que iria ser pai pela segunda vez.

Desde o último jogo, no glamour de um Estádio da Luz vazio durante a pandemia da Covid-19, passou-se um ano e meio. Os adeptos voltaram aos estádios, mas Daniel Guimarães ainda não regressou aos relvados.

Em abril, mais de um ano depois do diagnóstico, Daniel recebeu a cura e decidiu continuar a jogar futebol. Em entrevista a Bola Branca, o guarda-redes recorda uma chamada de Sérgio Conceição, treinador do FC Porto, o processo de cura, com quimioterapia e uma cirurgia invasiva no abdómen.

No entanto, tudo isso ficou para trás. Daniel renovou contrato com o Nacional aos 35 anos, já não pensa no tumor e só tem olhos no futuro: o objetivo é voltar ao nível em que estava na temporada 2020/2021 e ajudar o Nacional a subir à I Liga num ano de contenção de custos.

Apesar da idade, Daniel não vê o fim de linha na carreira e tem Bracali, capitão de equipa do Boavista aos 41 anos, como a inspiração na longevidade.

Começo por perguntar se já está totalmente recuperado do problema oncológico e se está pronto para voltar aos relvados?

Sim, estou pronto e recuperado. Acabei o meu tratamento, fiz uma cirurgia em outubro e tive a recuperação. Foi lenta, porque foi uma cirurgia invasiva, a quimioterapia debilitou-me muito também. Em janeiro comecei a recuperação e em abril já estava pronto. Era o final da época e resolvemos renovar o contrato. Estou pronto para começar esta nova temporada.

Já não joga desde janeiro de 2021, é bastante tempo fora dos relvados...

Muito tempo, foi a 25 de janeiro o último jogo. Nada que o trabalho não resolva, estou preparado para esta época agora.

Esse jogo foi frente ao Benfica e agora volta com o Nacional na II Liga. O patamar abaixo é um contexto melhor para voltar ao ativo depois de tanto tempo parado?

Para mim, o nível é parecido entre a I e a II Ligas. Isso viu-se no "play-off" das últimas duas épocas, em que subiu a equipa da II Liga. É uma prova muito competitiva, mesmo que fosse na I Liga estaria muito bem preparado para este novo passo na minha vida.

Como é que descobriu o tumor naquela altura?

Sentia dores. Como atleta, sentimos sempre muitas dores, até nos treinos e a dor estava a ser confundida. Tomava medicação, melhorava e jogava.

No último jogo com o Benfica, a dor foi muito mais forte. Parei, fiz um exame e começaram a detetar. Um dia em casa senti outra dor muito forte e fui novamente para o hospital. Fizeram mais exames e viram o tumor. Foi preciso biópsia e outros testes para detetar qual o tipo de cancro.

Foto: Nacional
Foto: Nacional
Foto: Nacional
Foto: Nacional
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Qual a reação quando soube que tinha um tumor?

Desaba o mundo. Soube uma semana antes que iria ser pai novamente e, quase ao mesmo tempo, o cancro. Um misto de emoções. Segurei-me à minha esposa e aos filhos para vencer a batalha. Só pensava na recuperação, mais nada vinha à minha cabeça do que ficar vivo para cuidar da minha família.

Houve uma grande onda de solidariedade nessa altura para o Daniel. Tem alguma mensagem especial que até hoje o marque?

Na altura, ligou-me o Sérgio Conceição, treinador do Porto. Não reconheci o número, atendi e só a meio da conversa é que ele disse que era o Sérgio. Fiquei surpreendido. Foi uma das pessoas que me marcou bastante, nunca tinha tido contacto pessoal com ele. Admirava-o, mas nunca tínhamos conversado. Deu-me muita força também.

Para além disso, a minha família foi fundamental, porque foi quem me acompanhou no dia-a-dia.

Como foi o processo até à cura? Já mencionou a operação e a quimioterapia.

A operação deixou-me um palmo de cicatriz aqui no abdómen. Foi bem invasiva e a recuperação da cirurgia foram quatro meses. Deu tudo certo e recebi a notícia da cura. Estou bem psicologicamente, melhor até. Quando passamos uma situação dessas, de vida ou morte, saímos mais fortes nesse sentido.

Estou feliz e a viver um momento muito especial na minha vida, que é cuidar da minha esposa e filhos e poder jogar futebol. Agradeço ao Nacional por me deixar relançar a carreira. Vou fazer o meu melhor para ajudar o clube.

Qual o papel do Nacional desde o diagnóstico até agora?

Deram-me todo o apoio. Os doutores encaminharam-me para quem me fez todo o tratamento. Fizeram tudo por mim até onde tinham que fazer. Quando terminei o tratamento no hospital, Nacional esteve de portas abertas para me receber novamente e foi uma alegria enorme. O cancro vem e também vai embora, com força de vontade e tratamento correto.

Chegou a temer o pior em algum momento, ou sempre recebeu indicações de segurança?

Estive 15 dias sem saber qual o tumor que eu tinha. Sebia que tinha cancro, mas não sabiam qual era e qual a gravidade. Em momento algum passou pela minha cabeça morrer. A minha obrigação era viver para cuidar da minha esposa, que abdicou da vida dela por mim, e dos nossos filhos. Pensava só na vitória.

Ponderou terminar a carreira devido à duração da recuperação e a sua idade?

Dependia muito do que eu iria conseguir fazer. Como ficamos muito debilitados, até conversei com os médicos do clube que iria tentar voltar a jogar futebol. Esta conversa foi por volta de dezembro do ano passado. Tive aqueles meses para recuperar.

Em abril, eu ia dizer se conseguia, ou não. Fui ganhando confiança até ter a certeza que poderia voltar. O único facto que poderia fazer parar seria se o meu corpo não conseguisse mais, mas estou apto. Decidi seguir.

O primeiro jogo quando regressar à competição será especialmente emocional?

A equipa não está escolhida, tenho de trabalhar nos treinos para ganhar a posição. Temos mais dois excelentes guarda-redes, o Lucas França e o Rui Encarnação, que são dois amigos. Independentemente de quando for o primeiro jogo, quer seja com o Tondela no dia 7 de agosto, ou mais para a frente, vai ser muito especial. Uma vitória na minha vida.

Que objetivos é que tem para a próxima temporada?

O objetivo do Nacional é subir. Num clube deste tamanho, o objetivo tem de ser a subida, não há mais no que pensar, pelo menos na minha cabeça. Se puder jogar, quero fazer o melhor para ganhar o prémio de melhor guarda-redes. Se tiver mentalidade de querer ser melhor, poderemos chegar ao nosso objetivo, que depende de todo o grupo. Quero festejar a subida com o Nacional no fim da época, porque eles merecem.

Tiveram várias saídas de peso neste verão, o presidente já explicou que é um ano com menor investimento. Apesar disto tudo, é impossível falar-se noutro objetivo que não a subida?

Sim, saem jogadores, mas também entram outros com qualidade. Juntando essa qualidade com a força de vontade do grupo e da equipa técnica, só depende de nós para tentar os objetivos. Nas últimas duas subidas foram assim também, não havia tanto investimento e conseguimos.

O Daniel chegou a Portugal e ao futebol europeu com 31 anos. Na época em que tem de parar de jogar estava a fazer um grande campeonato. O problema surgiu num dos melhores momentos da carreira?

Já conversei com a minha mulher sobre isso, porque era a minha melhor época da carreira. Juntava a experiência e o aspeto físico. Pessoalmente, estava a ser muito bom, mas apareceu o problema. Poderia ter sido agora, ou sete anos antes, aconteceu nessa altura.

Agora é só agradecer por estar vivo. A história poderia ter sido pior, mas estou aqui, quero olhar para a frente e no que posso conquistar daqui para a frente. Vou trabalhar para voltar a esse nível.

Até quando pondera jogar? Quer terminar a carreira no Nacional?

Ainda não penso em terminar a carreira. Com 35 anos, para guarda-redes acho que ainda tenho lenha para queimar. O Bracali, o meu amigo do Boavista, tem 41 anos e está em grande forma. Quero seguir os passos dele.

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