Entrevista Renascença

Ricardo Ferreira deixou Portugal para ser campeão na Eslováquia

17 jun, 2022 - 09:00 • Sílvio Vieira

"Custou muito deixar o Portimonense", confessa o guarda-redes que esteve quase 10 anos no clube algarvio. O DAC é a primeira experiência de Ricardo Ferreira no estrangeiro. Em quatro meses já alcançou o objetivo de estar numa competição europeia. Agora, quer o título de campeão eslovaco.

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A longa ligação ao Portimonense e os laços que Ricardo Ferreira criou em Portimão levavam a crer num contrato vitalício com o clube algarvio. No entanto, o guarda-redes, de 32 anos, sentiu necessidade de "sair da zona de conforto e arriscar".

Foi para onde sentia que o queriam e em janeiro colocou um ponto final em quase 10 anos de Portimonense para assinar pelo DAC, da Eslováquia.

A distância faz com que as saudades apertem, mas Ricardo adaptou-se rapidamente e, em quatro meses, alcançou um primeiro objetivo: estar numa competição europeia.

A meta, contudo, é mais ambiciosa e o guarda-redes português espera terminar a temporada a festejar o título de campeão eslovaco, o que seria inédito para o DAC. O clube de Dunajska Streda investiu para combater a hegemonia do Slovan, da capital Bratislava. Foi com um treinador português - João Janeiro - que alcançou o apuramento para a Conference League e, além de Ricardo, contou, ainda, no plantel com Alex Pinto e Andrezinho.

"Lutar por títulos" e voltar a ter oportunidade de jogar com regularidade, depois de ter perdido a titularidade no Portimonense, aceleraram a vontade de mudança.

O que jamais mudará, revela Ricardo nesta entrevista à Renascença, é a forma como vibra pelo Sporting de Braga. Bracarense de gema, revisita a memória dos domingos com o avô no 1.º de Maio e projeta o sonho de ver o seu clube do coração campeão em Portugal.

Sem planos a longo prazo, a nível desportivo, não prevê qualquer regresso a casas onde foi feliz. "A história está feita no Portimonense" e o Braga está bem entregue.

Formado no Sporting de Braga, Ricardo Ferreira estreou-se, como profissional, no Olhanense, na época 2008/09, e logo com o título de campeão da II Liga. Esteve na primeira com os algarvios, mas na temporada seguinte foi contratado pelo Marítimo.

Inicialmente utilizado na equipa B, teve algumas oportunidades na formação principal, até que em 2013 se transferiu para o Portimonense. Esteve nove anos e meio em Portimão. Campeão da II Liga em 2016/17, época em que foi considerado o melhor guarda-redes do campeonato, Ricardo Ferreira deixou o clube em janeiro de 2022, com 231 jogos, para assinar pelo DAC da Eslováquia.

É um dos jogadores com mais jogos na história do Portimonense e é, por larga margem, o guarda-redes com mais partidas realizadas pelo clube algarvio.

Em janeiro deixou o Portimonense, depois de quase 10 anos, e rumou à Eslováquia. Como está a correr esta primeira experiência no estrangeiro?

Está a ser excelente, necessitava de sair da minha zona de conforto. Estou a gostar bastante, o clube tem condições fantásticas. Foram quatro meses enriquecedores.

Quais foram as razões que o levaram a assinar pelo DAC? Desde que chegou ao Portimonense, sobretudo, esteve quase sempre a jogar, mas em 2020/21 passou a ser utilizado com pouca regularidade. Foi essa a principal razão que o levou a fazer esta aposta?

Foi uma conjugação de fatores. Foi haver um clube, como o DAC, que desde novembro que vinha a falar comigo e mostrava interesse em contar comigo, isso deixou-me muito satisfeito.

E sentia ao mesmo tempo que a situação no Portimonense era difícil, não contavam assim tanto comigo. Isso fez-me pensar em arriscar e ir para onde me queriam. E o interesse do DAC, nesse sentido, fez-me querer arriscar e dar esse passo para poder jogar.

Qualquer jogador de futebol sente-se bem é a jogar, é para isso que trabalhamos. E poder ir para um sítio, a saber que podia lutar pelo meu lugar, motivou-me a aceitar.

Em janeiro, assinou contrato até ao final da próxima temporada, mas depois destes quatro meses já houve algum contacto para prolongar o vínculo?

Eles propuseram-me mais tempo, mas eu só quis este ano e meio, para também perceber como será a minha adaptação.

Foram quatro meses e foi difícil estar longe da família. Agora vai ser um ano e quero perceber como me vou adaptar, não só desportivamente, mas também ao lado familiar, estar fora do meu país. No fim do ano logo vemos como as coisas estão.

Se as duas partes estiverem satisfeitas, ótimo. Se uma parte não estiver, ótimo também porque é sinal de que ninguém fica contrariado.

Aprendi isso com o Vítor Oliveira. Ele dizia que só fazia contratos de um ano, porque assim, no final, se ambas as partes estivessem satisfeitas, continuava, se houvesse uma que insatisfeita [mais anos de contrato] não seria benéfico para ninguém.

Vai levar a família consigo para a Eslováquia?

Ainda estamos a ponderar. Implica muitas mudanças. A adaptação correu bem. Tenho lá o Andrezinho e o Alex Pinto. Estou quase sempre com o Alex e estar com portugueses ajuda.

Senti-me muito bem no clube, foi tudo rápido, só há mesmo o lado destas saudades, ainda por cima com duas crianças, de seis e três anos, é o mais difícil.

Em quatro meses conseguiu atingir o objetivo de estar numa competição europeia. O DAC conseguiu apuramento para a Conference League. Só por isso, já compensou a aposta?

Foi uma felicidade muito grande termos conseguido esta conquista. Quando assinei pelo DAC foi-me transmitido que a expetativa do clube é acabar com a hegemonia do Slovan de Bratislava e ganhar algo.

Conseguir o apuramento para a Conference League era o que ainda podíamos conquistar e estamos muito satisfeitos.

O facto de poder lutar por algo também me ajudou a mudar para a Eslováquia. É um clube que luta por competições europeias e por ganhar um título na Eslováquia. Espero este ano festejar no final.

O DAC tem condições para lutar pelo título de campeão nacional da Eslováquia?

Acho que sim. O DAC é o clube com as melhores condições na Eslováquia. Tem 13 campos para treinar, tem todas as condições de trabalho e jogadores com muita qualidade individual.

É um campeonato diferente, mas o DAC pode intrometer-se lá em cima e com um pouco de sorte e regularidade conseguir ser campeão.

O Slovan que é a equipa mais forte na Eslováquia, mas o DAC bate-se bem. Não vai ser fácil, mas podemos lutar pelo título.

O DAC contou com três portugueses na equipa na época passada Foto: DAC 1904
O DAC contou com três portugueses na equipa na época passada Foto: DAC 1904
Foto: DAC 1904
Foto: DAC 1904
Foto: DAC 1904
Foto: DAC 1904
Foto: DAC 1904
Foto: DAC 1904

Qual é o nível do campeonato da Eslováquia?

Há jogadores com qualidade individual que facilmente poderiam jogar em muitas equipas do campeonato português. Mas o campeonato português é mais rico em aspetos táticos, as equipas são mais organizadas.

Na Eslováquia o jogo é mais partido, mas há muita qualidade individual. Se tirar um a um, acho que consigo encaixar os jogadores do DAC em várias equipas portuguesas.

O DAC teve um treinador português e tem três jogadores portugueses [Ricardo Ferreira, Alex Pinto e Andrezinho] no plantel. Como surge esta relação?

O futebol português é muito atrativo, mas o grande motivo de isto acontecer é o facto de o DAC ter contratado um diretor desportivo e as contratações têm o dedo dele.

Ele está a tentar introduzir um pouco do que é a cultura do futebol português e da nossa organização.

Já poucos pensariam que o Ricardo pudesse deixar o Portimonense. Foram quase 10 anos, 231 jogos pelo clube, mas a separação acabou mesmo por acontecer. Deixou lá um pedaço de si?

Foram quase 10 anos de muitas histórias, de momentos muito bons e outros menos bons, que também fazem parte do nosso crescimento.

Mas foram momentos, acima de tudo, de entrega a um clube e a uma cidade. A minha casa é em Alvor, eu vou ficar a viver em Portimão, é onde está a minha família.

Foi difícil tomar essa decisão, custou bastante, mas acho que foi o melhor para mim. A minha história já foi feita no Portimonense, Esses registos vão ficar para a história. Consegui uma subida, títulos coletivos, individuais e fui feliz no Portimonense.

Aos 32 anos ainda em trajeto para cumprir. O regresso ao Portimonense está nos seus planos?

Tenho previsto o regresso a Portimão para viver, ao Portimonense é muito difícil, não creio.

Além de nove épocas e meia no Portimonense, ainda tem duas de Olhanense. Os mais despercebidos poderiam pensar que é algarvio. No entanto, o Ricardo é um minhoto de Braga. A sua formação é no Sporting de Braga. O clube tem um significado especial para si?

Eu aprendi a gostar do Portimonense e hoje sou Portimonense por tudo o que ali vivi, mas o Braga é o meu clube do coração.

As memórias que tenho de miúdo, de ir ver futebol, é com o meu avô a descer avenida a pé e ver os jogos no 1.º de Maio. São essas memórias que tenho e vibro com os jogos do Braga.

Nunca escondi isso em Portimão. É o meu clube de infância, o Braga tem um lugar super especial no meu coração. Foi no Braga que cresci para o futebol, foi lá que fiz a minha formação.

Jogar no Braga, pela equipa principal, ainda é um objetivo?

Não, isso já não. O Braga tem outra filosofia e está a apostar muito forte na formação. Espero que o Braga, um pouco à imagem do DAC, possa conquistar algo - e tem conquistado taças -, mas, apesar de ser muito difícil, gostava de ver o Braga campeão em Portugal.

Foi treinado pelo Vital, o atual técnico de guarda-redes do Sporting, em Braga. Ainda há pouco tempo elogiado por Rúben Amorim, Vital tem no currículo trabalho com muitos guarda-redes de sucesso: Rui Patrício, José Sá, Eduardo, Matheus, Adán, entre muitos outros. O Ricardo chegou a trabalhar com ele. Há ali algo que o diferencia?

O Vital tem um dom e foi o melhor treinador de guarda-redes que tive na carreira. O Vital consegue perceber a necessidade de cada um dos seus guarda-redes. Consegue fazer exercícios que todos façam, mas direcionadas para cada um.

E acaba por ser um amigo, ele sabe que o futebol é muito de confiança e, por vezes, prefere a segurança ao risco. Com a segurança vem a confiança e com a confiança já podemos arriscar mais. Há uma sucessão de coisas que o Vital sabe e transmite aos guarda-redes.

É difícil explicar por palavras, mas quem trabalha com ele - e eu trabalhei há muitos anos - percebe que ele tem um dom.

Eu tinha muitas debilidades em vários aspetos e ele criava exercícios para eu evoluir. Eu tornei-me mais forte em alguns desses pontos. O Vital tem para mim o melhor leque de exercícios e tem as melhores técnicas. Isso transportado para o jogo faz com que os guarda-redes façam defesas que dão pontos.

O Rui Patrício, por exemplo, começou a jogar com regularidade na seleção depois de trabalhar com ele.

O Patrício que agora tem um concorrente na seleção em luta direta pela titularidade, o Diogo Costa. Como vê a alternância na baliza da seleção nacional?

O futuro está garantido. O Diogo Costa fez uma época fantástica. Agarrou o lugar no Porto Não deu qualquer tipo de facilidades para que o Sérgio pudesse, sequer, pensar em trocar. Temos o Maximiano que vai lá estar no futuro, não tenho dúvidas.

Relativamente ao momento atual, acho que o Diogo Costa fez uma época fantástica, mas não podemos esquecer que "São Patrício", que também a fez uma grande época e tem uma história muito grande.

Acho que o Patrício não fez nada para que possamos pensar em tirá-lo do lugar que, não sendo dele, tem sido dele. Ele tem feito por merecer para ser dele. Tem dado garantias e hoje se Portugal tem um Campeonato da Europa e uma Liga das Nações a muito devemos também ao Patrício.

Claro que não vivemos só do passado, mas o presente do Patrício continuar a ser muito bom. Ainda agora na final da Conference League ele o provou.

Temos ali uma luta saudável. Não sei qual será o titular no Mundial, mas acredito que o Fernando Santos tem ali uma dúvida muito grande. Eu acho que não podemos dizer que é o Patrício ou o Diogo "de caras". Veremos em que momento de forma chegam ao Mundial.

Há vários guarda-redes portugueses em bom plano a nível internacional, a jogar como titulares em campeonatos exigentes, mas na I Liga continuamos a ter muitos clubes a apostar em guarda-redes estrangeiros. Esta época foram quatro, cinco clubes com portugueses - Diogo Costa, André Ferreira, Marco, Bruno Varela são exemplo disso - como titulares indiscutíveis. Como é que se explica esta aposta?

Às vezes acaba por ser negócio, depois também passa por não dar uma continuidade na aposta no guarda-redes português.

Falou em nomes portugueses que quando se aposta neles, eles dão resposta. O Paços foi buscar o André Ferreira, depois de o ter feito uma grande época, e podia continuar tapado [Jordi sofreu lesão grave na pré-época].

Temos ali um guarda-redes [André Ferreira] muito bom. Acho que às vezes é preciso acreditarmos que os nossos também são bons e darmos as oportunidades.

Às vezes é mais fácil tirar o português quando ele comete um erro ou dois. Com um estrangeiro damos mais tempo, fala-se em adaptação e vai-se aguentando até que depois, claro, também acaba por cumprir.

Temos muitos portugueses que também merecem e dão boas respostas. Na II Liga e na Liga 3 vemos guarda-redes a fazerem bons campeonatos.

No Portimonense perdeu o lugar para Samuel Portugal. O Samuel, chegou à Europa relativamente tarde, aos 24/25 anos. Começou a jogar no Portimonense e já foi associado a interesse de clubes grandes. Acha que ele tem condições para dar o salto?

Sim, acho que o Samuel merece, até pelas duas épocas que fez, esta principalmente. Acho que ele merece dar um salto para algo, quer em termos de projeto, quer em termos financeiros, que lhe possa dar outra estabilidade e organizar a sua vida.

Fez duas épocas muito boas. Ele tem condições e qualidades para isso. E estou a torcer para que isso aconteça, até porque tenho uma boa relação com ele.

Encaixa o Samuel Portugal num dos clubes do "top-4" em Portugal?

Eu vejo o Samuel a poder chegar a essas equipas, mas se essas equipas venderem os seus guarda-redes. Acho que, neste momento, elas estão bem servidas. Mas vejo-o a chegar lá e a lutar com os que lá estão.

O Diogo Costa, por exemplo, agarrou o lugar, mas tem dois bons guarda-redes na sombra dele.

No DAC também tem concorrência forte?

Sim, tenho dois bons guarda-redes. Um deles já esteve no Slavia de Praga [Martin Vantruba], é eslovaco. E tenho outro, que é do Dani [Daniel Veszelinov], que é internacional sub-21 pela Hungria, também com qualidade.

Portanto, temos ali um leque de três bons guarda-redes.

Está a começar a pré-época, tem a Conference League à porta, quais são os seus objetivos imediatos e a longo prazo?

Espero começar bem. Temos logo a primeira eliminatória da Conference League, a 7 de julho, e espero que nos possa correr da melhor forma.

Defrontar uma equipa portuguesa [na Conference League] seria realmente fantástico. Preferia que agora o sorteio fosse sendo simpático com o DAC e que nos encontrássemos na fase de grupos.

Mas espero que seja uma época boa, espero desfrutar e no final logo vemos o futuro. Estou naquela fase de viver um dia de cada vez. Quero desfrutar da experiência. Tirar o máximo proveito e sentir gosto em jogar. E espero lutar por conquistar algo, esse é o grande objetivo.

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