Francisco Chaló

O futebol profissional em tempos de Ramadão

30 abr, 2022 - 08:04 • Redação

Francisco Chaló, antigo treinador do Trofense, afirma que "o futebol sofre" com o Ramadão e que o rendimento desportivo é pior. O técnico esteve mais de três épocas na Argélia e nem num país de maioria muçulmana são feitas alterações no calendário durante o Ramadão.

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Treinador de futebol há 27 anos, três desses passados na Argélia, Francisco Chaló já conviveu com muitos jogadores de origem muçulmana, pelo que o Ramadão, o período mais importante para a segunda religião com mais praticantes no mundo, não é nenhuma novidade para o técnico de 58 anos.

Francisco Chaló, antigo treinador do Trofense, revela que a principal dificuldade está em fazer ver aos jogadores que podem ser feitas cedências, e que tudo está permitido no Corão.

"O Corão permite adiar um dia, ou seja, cada dia que adia prolonga-se aos 28 que se tem de fazer. Os jogadores que já estão em Portugal com mais tempo abrem essa exceção", diz.

O Ramadão realiza-se todos os anos no nono mês do calendário islâmico e tem a duração de 29 ou 30 dias. Este ano esse período calhou entre 1 de abril e 1 de maio. Esta época religiosa obriga todos os muçulmanos que chegam à puberdade a jejuar entre o nascer e o pôr do sol.

No Trofense, Chaló tinha três jogadores a fazer o Ramadão, nenhum deles com pretensões de abrir cedências e adaptar o Ramadão, sempre dentro do que é permitido pela religião, por isso, o treinador de Ermesinde refere que tinha esta missão de ajudar os jogadores nesta alteração.

"Nós temos que conhecer o Corão, porque isso permite-nos que haja esta flexibilidade. A chave é no autoconvencimento, não naquilo que é condicionar os atletas a fazer alguma coisa", garante.

Foto: Trofense
Foto: Trofense
Foto: Trofense
Foto: Trofense
Foto: Trofense
Foto: Trofense
Foto: Trofense
Foto: Trofense

Impacto do Ramadão no rendimento desportivo

Sobre o impacto que o Ramadão tem - sobretudo quando se realiza sem cedências - nos jogadores, Francisco Chaló reconhece uma quebra de rendimento e refere que a idade tem impacto nisto.

"Quanto mais novo for o atleta, mais visível é [a quebra de rendimento]. Quanto mais jovem é o atleta, menos capacidade tem de suportar o esforço e a atividade física", acrescenta.

Com o Ramadão a chegar ao fim, o treinador informa que, com o passar do tempo, o jejum só vai ficando mais complicado. "O primeiro dia do Ramadão nem sempre é o mais difícil, é importante não esquecer os treinos durante a semana que tem consumo energético", refere.

O técnico de 58 anos não tem problemas em dizer que este jejum "influência o rendimento e tem consequência nas escolhas de jogo".

Olhando a esta abstinência que afeta o comportamento dos jogadores em campo, e altera a rotina, já que os jogadores acordam mais cedo para comer, Chaló explica as alterações que são feitas.

"Privilegiamos os treinos da manhã, é o horário mais fácil para os atletas poderem treinar, lembrando que eles acordam de noite para comer. Eles usam e abusam dessa refeição e durante os treinos que são da manhã acabam por ter mais facilidade de passarem mais à vontade essa carga física".

As orações do Ramadão e o respeito dos colegas

A verdade é que o Ramadão não implica só um cuidado com o que é ingerido pelo corpo. Durante todos os dias deste período, os muçulmanos têm de rezar cinco vezes por dia, o que pode alterar os horários do grupo.

"Eles têm horários próprios para a reza. Já tivemos, em deslocações, de ficar todos à espera, no autocarro, enquanto eles faziam a reza", confidencia.

Ainda assim, e mesmo com todas as diferenças culturais, Francisco Chaló afirma que há muita educação pelos costumes dos colegas. "Há muita compreensão e um respeito enorme do grupo pela atividade religiosa dos outros", explica.

Eram vários os jogadores em Portugal a fazer o Ramadão. Foto: José Coelho/Lusa
Eram vários os jogadores em Portugal a fazer o Ramadão. Foto: José Coelho/Lusa
Eram vários os jogadores em Portugal a fazer o Ramadão. Foto: Estela Silva/Lusa
Eram vários os jogadores em Portugal a fazer o Ramadão. Foto: Estela Silva/Lusa
Eram vários os jogadores em Portugal a fazer o Ramadão. Foto: Hugo Delgado/EPA
Eram vários os jogadores em Portugal a fazer o Ramadão. Foto: Hugo Delgado/EPA
Eram vários os jogadores em Portugal a fazer o Ramadão. Foto: Tiago Petinga/Lusa
Eram vários os jogadores em Portugal a fazer o Ramadão. Foto: Tiago Petinga/Lusa

Experiência na Argélia

Tendo estado mais de três épocas no Paradou AC, da Argélia, o treinador português explica que é muito distinto praticar o jejum em Portugal: "Uma coisa é estarmos num país em que as circunstâncias são iguais para toda a gente. Há uma diferença muito grande entre estar a treinar e a jogar num contexto generalizado da religião dos princípios do jejum. Na Argélia estavam todos na mesma situação", recorda.

Estabelecendo o paralelismo entre as alterações na liga argelina, no Ramadão, com a liga portuguesa, Chaló admite que "é muito difícil para a liga conciliar, porque a liga, por si só, não consegue resolver".

Inclusive, na Argélia, não há qualquer cuidado especial com esta época especial para os Muçulmanos, ainda por cima com jogos a serem realizados com "35 graus" como conta o técnico.

"Não há qualquer tipo de cuidado na marcação dos jogos na liga argelina. Uma coisa incrível, um esforço sobre-humano e não há esse cuidado, os jogos têm de ser feitos, têm os mesmos interesses televisivos", acrescenta Chaló, que admite a possibilidade de "eles estarem habituados" a jogar em jejum.

Recordando o tema da diferença de rendimento desportivo, Chaló afirma que "o futebol sofre com isso [o Ramadão], os jogadores andam a passo, as equipas mais experientes usufruem dessa vantagem".

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