I Liga

Com o título "entregue", ferve a luta pela sobrevivência na primeira liga

20 abr, 2022 - 06:17 • Eduardo Soares da Silva

Belenenses SAD, Tondela, Moreirense, Arouca, Vizela, Famalicão, Portimonense e Boavista ainda não garantiram futebol de I Liga na próxima época. Todas as possibilidades estão em aberto, na opinião de Manuel Machado, que explica a "ansiedade extrema" que um treinador vive às portas da despromoção.

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Com o título de campeão praticamente entregue ao FC Porto, a disputada luta pela manutenção aquece o final da temporada na I Liga.

Belenenses SAD, Tondela, Moreirense, Arouca, Vizela e Famalicão ocupam os últimos seis lugares da tabela classificativa e apenas cinco pontos os separam. Portimonense, com 32 pontos, e Boavista, com 33, estão mais perto de confirmarem permanência.

Os dois últimos classificados descem à II Liga, mas o 16.º, antepenúltimo, vai disputar o "play-off" de manutenção contra o terceiro classificado da II Liga.

Como estão as contas do campeonato no que diz respeito ao fundo da tabela?

O treinador Manuel Machado esteve em mais de 400 jogos na I Liga e olha para as contas da manutenção como o único fator de interesse no que resta do campeonato.

"Infelizmente, o que se passa no fundo da tabela não se replica na parte superior. Teríamos campeonato até ao fim se as dúvidas na despromoção fossem replicadas no que diz respeito ao título e aos lugares de Liga dos Campeões, Liga Europa e da nova Conference League. Está mais interessante no fundo da tabela pela incerteza. As coisas no topo estão praticamente definidas", diz, em entrevista à Renascença.

Para o treinador, Boavista e Portimonense já garantiram a permanência. No que diz respeito às restantes equipas, tudo pode acontecer. Manuel Machado destaca o bom momento de forma da Belenenses SAD, que há 10 jornadas estava mais longe da sonhar com a continuidade na I Liga.

"Os 12 pontos por jogar deixam em aberto qualquer possibilidade de alteração na classificação atual. A Belenenses SAD foi a que mais pontuou nos últimos jogos, conseguiu oito pontos nos últimos 18. O Famalicão está melhor posicionado, mas só fez três pontos. Há um crescimento no rendimento da Belenenses SAD, ao contrário de outras equipas, como o Vizela e o Famalicão. Qualquer uma pode salvar-se, ou o contrário", prevê.

Boavista e Portimonense perto da segurança

Boavista e Portimonense estão mais confortáveis na tabela classificativa, já com 33 e 32 pontos, respetivamente, mas ainda não têm a manutenção garantida matematicamente, e com duelos frente a equipa embrulhadas na luta pela sobrevivência.

Os axadrezados, orientados por Petit, jogam frente a Sporting e Vitória de Guimarães, em casa, e visitam os terrenos de Moreirense e Tondela, duas equipas que não ocupam lugar de manutenção direta.

Já o Portimonense, que foi apontado como uma das surpresas do campeonato na primeira volta da temporada, ganhou apenas um jogo nos últimos 15, amealhando um total de apenas nove pontos. A equipa de Paulo Sérgio ainda terá de enfrentar Moreirense e Arouca, para além de Sporting e Marítimo, a fechar a temporada, nos Barreiros.

Os algarvios sabem o que é uma reta final apertada. Em 2019/20, o Portimonense terminou a época no 17.º lugar, mas a despromoção administrativa do Vitória de Setúbal garantiu a sobrevivência dos algarvios.

Famalicão favorito entre os aflitos

Manuel Machado acredita que a estrutura forte do Famalicão dá favoritismo aos minhotos na luta: "Todos os clubes, ou quase todos, têm um dono ou investidor. Diria que o Famalicão, com base na sua retaguarda como clube-empresa, é o que tem maior possibilidade de dar um 'safanão' que permita fazer os três ou quatro pontos que faltam. Parece a equipa mais robusta para o conseguir".

A situação da luta até à última não é novidade para a maioria dos clubes, no entendimento do treinador.

"Podemos tentar fazer projeções do futuro, mas o futebol contraria prognósticos, é muito rico nisso. São equipas, de uma maneira geral, que estão habituadas a esta situação, menos o Vizela, que subiu este ano só. Estão habituados a sofrer, normalmente jogam no último terço da tabela", explica.

Moreirense é "a desilusão"

Manuel Machado é o treinador com mais jogos orientados na história do Moreirense. O treinador minhoto esteve no clube entre 2000 e 2004 e regressou em 2018/19 para um breve período.

Depois de três temporadas seguidas tranquilas, com um sexto posto e as últimas duas épocas no oitavo lugar, o Moreirense está a atravessar dificuldades para confirmar a sua 13.ª presença no primeiro escalão. Manuel Machado acredita que o plantel perdeu qualidade.

"A surpresa menos positiva, com base nas últimas temporadas, é o Moreirense em aflição, com três treinadores diferentes. Têm conseguido vincar um estatuto de clube de primeira divisão de forma clara, mas este ano há um retrocesso, não na alteração do corpo técnico, porque já está no ADN do clube. Raramente encontramos uma época com um único treinador, a rotatividade é muito grande, mas costumam apresentar plantéis de grande qualidade. Este ano, isso não parece acontecer", atira.

Ao longo da época, João Henriques, Lito Vidigal e Sá Pinto, atual treinador, orientaram a equipa.

Belenenses SAD em crescendo

Se a troca de treinadores aconteceu em Moreira de Cónegos, também a Belenenses SAD trocou duas vezes a equipa técnica. Petit arrancou a temporada, foi substituíto por Filipe Cândido, que cedeu lugar a Franclim Carvalho.

O treinador de 35 anos tardou em arrancar, mas a Belenenses SAD só perdeu uma vez nos últimos seis jogos, tendo conquistado vitórias frente a Portimonense e Vizela, que deixam o emblema lisboeta a três pontos de um lugar de salvação direta.

Já o Tondela corre o risco de ir ao Jamor disputar a final da Taça de Portugal já despromovido ao segundo escalão. Os beirões só precisam de confirmar a passagem à final, depois de uma vitória por 3-0 frente ao Mafra, da II Liga, na primeira mão da meia-final.

A equipa da Beira Alta, agora orientada por Nuno Campos, caiu para o lugar de descida direta depois de perder frente ao Moreirense. Os últimos jogos reservam uma receção ao Vitória de Guimarães, as deslocações a Paços de Ferreira e ao Gil Vicente. O campeonato encerra no Estádio João Cardoso frente ao Boavista.

Marca dos 30 pontos "pode não ser suficiente"

Os clubes normalmente encaram a marca dos 30 pontos como suficiente para garantir a continuidade entre os grandes. No entanto, Manuel Machado acha que pode não ser suficiente e destaca o confronto direto entre as equipas.

"É possível que sim [30 pontos sejam suficientes], mas pode acontecer que não. Há cruzamento entre equipas, o Famalicão joga com a Beleneses SAD; o Vizela joga com Arouca e Moreirense; o Arouca terá Vizela e Belenenses SAD, e por aí adiante. Há confrontos diretos que podem ser determinantes para quem tiver mais competência, são jogos de seis pontos e que podem ser passos determinantes para a manutenção", atira, nesta entrevista à Renascença.

Das seis equipas do fundo da tabela ainda nenhuma alcançou os 30 pontos.

Na temporada passada foi introduzido o "play-off" na I Liga, que coloca em oposição, numa eliminatória a duas mãos, o 16.º classificado da I Liga, e o terceiro da segunda divisão. Manuel Machado gosta da medida.

"Temos de olhar para o 'play-off' na perspetiva da liga profissional como um todo, não podemos separar a I da II Liga. Acrescentar um lugar de promoção/despromoção vem aumentar competitividade. Acho que foi uma medida positiva. Acrescenta incerteza à prova e é isso que se procura no desporto de alto rendimento. Há um acréscimo de esperança para a II Liga que, em 18 equipas, sobem apenas duas e o resto joga para coisa nenhuma. Na época passada, o Arouca conseguiu vencer de forma clara o Rio Ave e é demonstrativo de maior incerteza e interesse para as duas provas", explica.

A corda parte para o treinador

Das oito equipas ainda na luta pela manutenção, Portimonense (Paulo Sérgio), Arouca (Armando Evangelista) e Vizela (Álvaro Pacheco) não trocaram de treinador.

O Boavista foi treinado por João Pedro Sousa e Petit; Ivo Vieira e Rui Pedro Silva passaram pelo banco do Famalicão; Pako Ayestarán e Nuno Campos orientaram o Tondela; Petit, Filipe Cândido e Franclim Carvalho na Belenenses SAD; o plantel do Moreirense trabalhou com João Henriques, Lito Vidigal e Sá Pinto.

"Em problemas estruturais, tirando o Vizela e o Arouca, todas as equipas mudaram o comando técnico, algumas mais do que uma vez. Os treinadores sucedem-se, mas os jogadores são os mesmos. Em janeiro, há alguns ajustes, mas não foram bem sucedidos ao ponto de inverter a tendência de má classificação. Os dirigentes devem refletir, deve servir de aprendizagem. Não há muito por onde fugir", critica Manuel Machado.

Na opinião do técnico, o "quadro de jogadores é determinante no que vai acontecer".

"Encontrar razão para o sucesso, ou o seu contrário, num só fator num desporto coletivo é um erro crasso. Todo o contexto que envolve uma equipa de futebol influencia o desempenho da equipa ao longo da época, mas há um que é determinante, que é a qualidade do quadro do jogadores e o seu equilíbrio. Quando não existe, as equipas tendem a repetir uma ponta final de sofrimento", aponta.

A "ansiedade extrema" de um treinador encostado à parede

Para lá dos sucessos das qualificações europeias no Vitória de Guimarães e Nacional da Madeira, Manuel Machado viveu também momentos de aflição que lhe deram "rugas e cabelos brancos", como no Moreirense, Académica e, mais recentemente, também no Nacional.

"Já passei por essa situação em alguns momentos, posso ir muito lá atrás, em 2001 na primeira época do Moreirense na I Liga. No último jogo, frente ao Paços de Ferreira, a 20 minutos do término da última jornada estávamos despromovidos. Vencemos 2-0 e conseguimos. Também passei na Académica e segurámos nas últimas duas ou três jornadas. E agora no Nacional, nas últimas 10 jornadas, mas já foi muito tarde e não tivemos sucesso", recorda.

Manuel Machado fala num nível de pressão para os treinadores que é "difícil de traduzir em palavras".

"Só estando dentro para se ter a noção exata do nível de pressão. Um líder técnico passa por uma situação muito aguda. Não é o único, todos os elementos estão envolvidos e passam pelo momento, mas é uma ansiedade extrema, uma pressão que é difícil de traduzir em palavras. É uma situação que não se quer viver. Fugir a um quadro desses é ótimo, ter que o viver cria cabelos brancos e muitas rugas", reconhece.

Um treinador tem de "deitar a mão a todas as ferramentas" para conseguir criar harmonia e motivação no plantel, mesmo com o abismo a uma curta distância.

Depois de uma derrota frente ao Vitória de Guimarães que atirou o Moreirense para o último lugar da I Liga, Ricardo Sá Pinto deu a cara perante os adeptos. Desde então, o Moreirense venceu o Gil Vicente e o Tondela e está no lugar de "play-off".

"Há muito trabalho invisível que está por trás do que se vê no campo para que exista união entre direção, corpo técnico, 'staff' e plantel. Os adeptos são muito importantes. O Sá Pinto enfrentou os adeptos e puxou-os para o seu lado. Há muito trabalho invisível do 'staff' para que não se deixe cair os braços e se entre num plano negativo em termos anímicos".

As contas do título e das provas europeias podem estar praticamente decididas, mas há muito por jogar no outro extremo da tabela nas últimas quatro jornadas.

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