Entrevista Renascença

Antunes, o campeão nacional que gostaria de terminar a carreira em Paços de Ferreira

25 nov, 2021 - 07:22 • Eduardo Soares da Silva

Depois de uma temporada memorável, mas com pouca utilização no Sporting, Antunes voltou à Mata Real para a terceira passagem pelo clube pacense. O internacional português faz revisão à carreira, às frustrações na seleção nacional, à grave lesão sofrida em 2019 e perspetiva o futuro enquanto treinador.

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Antunes é o campeão nacional do plantel do Paços de Ferreira, clube onde gostaria de terminar a carreira. O internacional português, natural de Freamunde, voltou à Matal Real, esta temporada, para a sua terceira passagem depois de ter vencido o campeonato pelo Sporting no ano passado.

Em entrevista à Renascença, o lateral esquerdo de 34 anos explica que regressou ao Paços de Ferreira para poder jogar regularmente, depois de dois anos de pouca utilização, na sequência de uma grave lesão no joelho em 2019.

Suplente de Nuno Mendes, Antunes explica como viveu a temporada histórica do Sporting, mas resalva que "não foi completa", em termos pessoais, por ter feito apenas 13 partidas.

Antunes é o único jogador na história do Paços a ser vendido duas vezes (Roma e Málaga). Destacou-se em 2006/07, época de qualificação para a Liga Europa, e regressou em 2012/13, temporada histórica em que o clube se qualificou para a Liga dos Campeões.

Com passagens por Freamunde, onde é formado, Roma, Lecce, Leixões, Livorno, Panionios, Málaga, Dínamo de Kiev e Getafe, Antunes recorda as principais conquistas e mágoas da carreira.

O defesa foi internacional em 13 ocasiões, mas nunca foi convocado para uma fase final de uma grande competição. Depois de ter feito toda a qualificação, Antunes lamenta que Paulo Bento o tenha deixado de fora do Mundial 2014, onde a seleção nacional apenas levou um defesa esquerdo, Fábio Coentrão, que se lesionou durante a prova.

Esta época já leva mais jogos do que nas duas últimas. Voltou para o Paços de Ferreira para poder jogar regularmente?

Era um dos meus objetivos depois de ter tido a lesão no joelho. No ano passado não joguei muito. Foi um ano positivo, mas não tive muito tempo de jogo, como qualquer jogador gostaria, ainda mais eu depois de uma grave lesão e ter feito só três jogos no Getafe.

Era importante saber como estava fisicamente para poder jogar uma época inteira. Vim para cá não com a confirmação de que iria ser titular, mas que teria a possibilidade 50/50 de jogar no fim de semana. Agora estou a jogar eu, sinto-me bem e feliz pela escolha que tomei.

Acha que estão dissipadas as dúvidas do estado físico do Antunes para jogar regularmente, depois da lesão e duas épocas com poucos jogos realizados?

Sabia que conseguia, pela forma como trabalhava e como me preparei durante a lesão, mas muitas vezes nem sempre o que pensamos é o que é. Sentia-me bastante bem fisicamente e confiante, mas não tive a consistência que precisava para saber se estava realmente bem, ou se era só da minha cabeça.

Felizmente tive esta oportunidade de voltar ao Paços e jogar. Treinar não é o mesmo que jogar. Treino todos os dias, jogo ao fim de semana. Tenho 34 anos, quase 35 [aniversário a 1 de abril] e sinto-me bem para poder continuar a jogar futebol.

Como foi lidar com essa grave lesão aos 32 anos? Foi a única lesão dessa gravidade que teve na carreira.

Foi difícil. Estava a atravessar o melhor momento da minha carreira, curiosamente depois dos 30. Fiz dois anos muito bons no Getafe, o segundo ainda melhor, integrei a melhor equipa da liga espanhola e já não joguei nas últimas seis jornadas porque me lesionei.

Tudo indicava que iria ser a minha última época no Getafe e depois iria ter outros voos, mas infelizmente as lesões não avisam.

Aconteceu-me a mim, sozinho, naquele jogo em Valladolid. Foi difícil, mas nunca pensei em abandonar o futebol. Queria voltar mais forte e consegui. Integrei o plantel campeão nacional no Sporting. Foi um ano muito bom, mas não completo, porque joguei muito pouco. Não era o que queria. Depois da lesão, agora volto a ter a normalidade.

Como surgiu a oportunidade de ir para o Sporting? Recupera de lesão, só faz três jogos, mas assina por um grande do futebol português.

Curiosamente, a oportunidade só surgiu depois de uma lesão. Nunca tinha surgido antes, mesmo depois das épocas boas que fiz na carreira. Chegou nessa época, durante a pandemia e depois da lesão no joelho.

Tinha outras opções, mas achei melhor ficar em Portugal e jogar num grande sempre tinha sido um sonho desde pequenino e consegui no Sporting, logo no ano ideal. Ter representado o Sporting depois de uma lesão e ser campeão vai ficar marcado na minha carreira.

O título teve um gosto especial? No início da época muitos não apontavam o Sporting ao título.

Foi ótimo, não eram muitas pessoas que acreditavam, acho que ninguém acreditava no título do Sporting, nem os próprios adeptos. Lembro-me que havia muitas críticas ao plantel, à equipa e ao treinador. Depois da derrota com o LASK para a Liga Europa ainda surgiram mais dúvidas.

Seguimos o nosso caminho, confiantes e coesos no que queríamos. Fomos ganhando terreno e a confiança aumentava. Não tínhamos nada a perder. Ninguém acreditava, o que teríamos a perder se jogássemos as fichas todas naquele ano?

Só teríamos a ganhar e foi o que aconteceu. Apostámos tudo naquele grupo, na ambição de cada um e conseguimos um campeonato muito merecido.

Qual foi o papel de Rúben Amorim naquele título?

Semana a semana fazia acreditar a equipa. Ele nunca foi um treinador de chegar no início e dizer que iríamos ser campeões. Traçava objetivos durante o ano, semana a semana, jogo a jogo.

Passou esse discurso cá para fora. Passou também para nós, mas claro que numa fase mais avançada do campeonato já tínhamos isso [o título] em mente. O querer era tanto que já não dava para esconder que era esse o objetivo. O trabalho está à vista.

Na última jornada, o Paços recebeu o Sporting e foi muito cumprimentado pelos antigos colegas de equipa e pelos adeptos, com uma enorme ovação. Foi especial para si esse jogo, até porque foi campeão sem adeptos nas bancadas?

Foi especial, é um motivo de orgulho. Sou profissional, durante o ano que passei no Sporting fui profissional a 100%, tal como a defrontar o meu ex-clube nesse jogo. Isso viu-se no carinho que tiveram por mim, pelo que dei à equipa e ajudava no dia a dia, não só no fim de semana.

Isso também é importante para os treinadores, poderem ter jogadores que dão tudo no campo. É o que eles pedem. Se um dia for treinador, quero jogadores que me deem máxima entrega todos os dias, não só quando jogam. Teve a ver com isso e com a relação que tinha de amizade com os jogadores. No que podia, ajudava. Fui dos que menos minutos teve, mas saí a ganhar de igual forma.

O Sporting fez-lhe uma homenagem pública antes de assinar pelo Paços, que até atrasou a sua vinda para aqui. Como viveu esses dias? Do momento em que recebe a proposta até assinar o contrato aqui.

Foi obviamente complicado, não é de um dia para o outro que se decide sair de um clube onde estamos bem. O Paços é a minha casa, é a terceira vez que aqui estou, é um clube que conheço há muitos anos. Sinto-me muito bem aqui, mas a decisão era muito difícil. Não joguei muito tempo, mas fui uma pessoa muito querida no clube, criei amizades no "staff", os filhos estudavam lá, foi um conjunto de coisas que me faziam pensar. Custou-me.

Por um lado, não me passava pela cabeça sair do Sporting, mas por outro queria jogar. Que sítio melhor para jogar do que onde já fui feliz, na minha casa em Paços? Tinha outras alternativas para seguir em frente, mas não tinha grande intenção de sair do Sporting. O Paços fez-me pensar melhor e tomar a decisão certa.

Jogou pouco também porque se cruzou com o Nuno Mendes. De que maneira o ajudou no seu crescimento?

Tivemos uma relação bastante boa, o Nuno gosta muito de aprender e ouvir. Muitas vezes não se aprende só a ouvir, ele é um miúdo que vê muito, está atento a movimentações e conselhos de jogadores mais velhos. ´

Isso viu-se no rendimento que teve no ano passado e continua a ter. Já era um miúdo cheio de talento, não lhe vim ensinar nada, mas no que podemos tentar ajudar, ajudávamos sempre. Dava-lhe os meus conselhos, ele aceitava de bom grado. Não ouve só para dizer que está a ouvir, ouve para aprender. É humilde, trabalhador e com uma qualidade invejável.

Já joga no PSG, mas acha que pode ser um dos grandes laterais da próxima década?

Espero que sim, ele é muito novo, já fez um ano completo no Sporting, tem jogado no Paris Saint-Germain e na seleção, mas ainda tem um mundo pela frente e uma margem de progressão enorme. Espero que não queira ficar por aqui. Tem fome de aprender, se o conseguir fazer, vai ser dos melhores laterais do mundo.

É a terceira passagem pelo Paços e esteve em grandes momentos da história do clube, como a qualificação para a Liga Europa e para a Liga dos Campeões e esta época com a vitória com o Tottenham. Sente-se já uma lenda do Paços?

Não me sinto uma lenda, mas sinto que passei por cá nos momentos mais importantes do clube, tirando as subidas de divisão, que são muito importantes para os sócios e para o clube.

Estive presente na Liga Europa e Liga dos Campeões, o que deixa uma ligação muito boa às pessoas do clube. Ainda são as mesmas pessoas, praticamente. É como um regresso ao passado.

É natural e formado na cidade vizinha e rival, no Freamunde. Ainda pode entrar na cidade?

Sou freamundense de gema, nunca o escondi. Sou nascido e criado no coração de Freamunde, na Gandarela, não há como não ter o clube no coração. Mas também tenho uma costela do Paços, que também não escondo. É um clube muito especial para mim. Uma coisa não invalida a outra, quero a felicidade dos dois clubes.

Como avalia a temporada até este momento? Começaram bem no campeonato e com a caminhada na Conference League, mas estão numa série de jogos sem vencer.

Faço um balanço positivo, estamos a meio da tabela com 11 pontos, poderíamos ter mais, mas é importante frisar que não vencemos alguns jogos, mas também não perdemos.

Só perdemos com Sporting, Porto e Estoril. Gostávamos de ter mais pontos, com mais quatro ou cinco que se calhar eram mais fáceis de ter conseguido, estaríamos lá em cima. O campeonato tem sido positivo, temos margem para melhorar e é nisso que estamos a trabalhar, para que as vitórias cheguem o mais rápido possível.

Até onde pode chegar o Paços esta época?

O pensamento é estar com os pés bem assentes no chão. O Paços é um clube humilde, tem as suas conquistas e idas à Europa, mas não nos podemos esquecer de onde viemos, a essência do clube, nem todos os anos vão ser assim.

Há anos de Europa, anos de II Liga, porque o clube pode descer e subir, mas há anos na luta até ao fim e outros anos em que nos vamos manter e ficar por aí. É preciso ter noção do clube que somos, a humildade que nos trouxe até aqui e manter isso até ao fim. Queremos o máximo de pontos possíveis, conseguir a manutenção e depois pensar noutras coisas.

O presidente disse que o Antunes foi o único jogador da história do Paços a ser vendido duas vezes, mas que ainda esperava vendê-lo uma terceira.

Conheço bem o presidente, ele brinca com estas situações, embora não seja impossível. Ainda tenho 34 anos, não sou nenhum reformado, ainda tenho muito para dar ao futebol.

Pode acontecer, se aparecer a oportunidade, clube vai estar à disposição para me dar o melhor. Só penso em dar o máximo por esta camisola e o resto vem por acréscimo.

Antunes ao serviço do Paços em 2007. Foto: Miguel Vidal/Reuters
Antunes ao serviço do Paços em 2007. Foto: Miguel Vidal/Reuters
Antunes frente ao Tottenham, esta época, para a Conference League. Foto: Adam Davy/Reuters
Antunes frente ao Tottenham, esta época, para a Conference League. Foto: Adam Davy/Reuters
Antunes foi duas vezes campeão ucraniano pelo Dínamo de Kiev Foto: DR
Antunes foi duas vezes campeão ucraniano pelo Dínamo de Kiev Foto: DR

Teve uma carreira cheia, com passagens pela Roma, Lecce, Leixões, Livorno, Málaga, Dínamo de Kiev, Getafe e Sporting e na seleção nacional. Quais os pontos altos?

Os troféus ficam sempre marcados, os campeonatos e as taças. As idas à seleção sempre foram muito importantes, sempre foi um sonho de menino.

Consegui realizar os meus sonhos saindo de um clube como o Freamunde. Fica para a história os momentos marcantes nos clubes mais pequenos, como o que consegui aqui no Paços de Ferreira, ou os quartos de final da Champions com o Málaga. Fica na história e vão ficar na memória.

Foi 13 vezes internacional, mas nunca foi a uma fase final de Europeu e Mundial. Fica essa pequena mágoa? Fez a qualificação toda para o Mundial em 2014, mas ficou de fora da lista final de Paulo Bento.

Obviamente que sim, senti várias vezes que fui injustiçado, mas não aponto o dedo a ninguém, são decisões que se tomam, não digo que seja fácil ser treinador, mas senti-me injustiçado, principalmente nesse ano. Fiz muitas vezes as qualificações, mas 2014 foi o ano mais complicado. Tinha na ideia que iria ao Mundial, fiz a qualificação toda, o "play-off" e o amigável antes do Mundial e fiquei fora da lista final.

Só foi um lateral esquerdo, o Fábio Coentrão, que se lesionou e acabou por jogar o Miguel Veloso na posição. Foi sem sentido, mas são opções que os treinadores tomam. Depois do Mundial, na primeira convocatória de qualificação para o Europeu, já voltei a estar na lista, que é o mais estranho. São mágoas que ficam marcadas, mas não aponto o dedo a ninguém, são papéis difíceis.

Olhando para a seleção agora, acredita que vai conseguir qualificar-se para o Mundial?

Acho que já mostraram várias vezes que têm potencial mais do que suficiente para conseguirem a qualificação. Todos gostaríamos que tivesse sido diretamente sem "play-off" e sem sofrer mais um bocadinho. A qualidade está lá.

Fernando Santos tem sido um nome pouco consensual depois dos últimos resultados. Chegou a trabalhar com ele na seleção. Acha que deve continuar no cargo?

Acho que sim, o treinador que começou a qualificação deve ser o que a acaba, para bem ou mal. Acho que não há motivo para mandar o Fernando Santos embora. Foi campeão europeu, merece um bocadinho de respeito por parte dos portugueses. Estamos todos frustrados, temos uma grande seleção, mas nem sempre o treinador é o culpado de tudo. Se não conseguir ir ao Mundial, não tenho dúvidas que será o primeiro a dizer que poderá abandonar o cargo, ou não, mas até lá deve ser ele a comandar as tropas até ao final.

Tem contrato até 2023, terá 36 anos. Planeia jogar até que idade?

Já respondi a essa pergunta a vários amigos e diretores. Quero acabar quando decidir que já não estou bem para jogar, não quero que nenhum clube tome essa decisão por mim. Tenho contrato até 2023, gostava de acabar aqui no Paços, mas se isso implicar ter de renovar, já depende do Paços.

Se me sentir bem para continuar e o Paços de Ferreira não me quiser, vou procurar outra solução e acabar noutro sítio. Quero jogar futebol até me sentir incapaz de oferecer algo à equipa.

O que se segue depois disso? Quer ser treinador?

Tenho a paixão do futebol e por estudar as equipas. Gosto muito de ver futebol e perceber as formas de jogo, as nuances dos treinadores e as suas ideias. Gostava de ser treinador e começar de baixo, até ensinar na formação, e evoluir com isso.

Se não for possível, gostava de continuar no meio do futebol. Durante estes anos todos só me dediquei ao futebol, não estudei, só fui até ao nono ano, e o que tirei do futebol foi esta aprendizagem. Se não conseguir ser treinador, quero manter-me neste mundo. Tenho o primeiro nível de treinador e vou agora conseguir o segundo.

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