II Liga

Hugo Gomes: "Seria hipocrisia um clube como o Rio Ave dizer que não tem objetivo de subir"

09 set, 2021 - 09:30 • Eduardo Soares da Silva

Depois de subir de divisão com Famalicão e Estoril, o central brasileiro quer "ser talismã" para conseguir o feito uma terceira vez, com o Rio Ave. O defesa de 26 anos é o único licenciado da formação do São Paulo e tem o objetivo de estrear-se na I Liga com o clube de Vila do Conde.

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Hugo Gomes foi um dos reforços de verão de um Rio Ave que pretende atacar a subida de divisão e o regresso à I Liga. O central de 26 anos procura a terceira subida na carreira, depois de o ter feito com o Famalicão e Estoril.

O brasileiro diz que pode começar a ser considerado talismã nas subidas se conseguir o feito com o Rio Ave: "Duas ainda pode ser coincidência". O objetivo de regressar à I Liga é transversal a todos os elementos do clube de Vila do Conde e seria "hipocrisia" não admitir, no entendimento do defesa.

A começar a quarta temporada na II Liga, o central ainda não teve uma oportunidade no primeiro escalão, objetivo que espera cumprir na próxima época e em Vila do Conde.

Em entrevista à Renascença, Hugo Gomes explica o bom ambiente vivido no balneário do Rio Ave, a rivalidade com o Varzim, clube que representou em 2019/20, e como é trabalhar com o treinador Luís Freire. O central é o "único jogador licenciado" que saiu da academia do São Paulo e tem na política uma das suas principais paixões.

Como está a ser a adaptação ao Rio Ave nestes primeiros meses no clube?

O começo aqui no clube tem sido como imaginava, antes de vir para um clube procuramos sempre referências. No futebol, temos amigos em quase todo o lado e fui à procura de referências, mas já conhecia, historicamente, o que é o clube. Estes dois meses estão a corresponder às expetativas, a nível da estrutura, das pessoas que trabalham aqui e também a equipa, visto que estamos a ter um bom início de campeonato.

Falou das referências, com quem é que conversou antes de assinar pelo Rio Ave?

Tive muitos amigos que jogaram aqui. Um deles foi o Matheus Reis, que hoje está no Sporting, e o Lucas Piazón, que esteve comigo no São Paulo. Ainda antes de vir para cá, sempre tive ótimas referências do Rio Ave.

Como surge este convite para vir para o Rio Ave? Conte-me a história, desde que percebe que não vai ficar no Estoril até ser anunciado no Rio Ave.

Depois do Estoril fiquei livre. Estive de férias no Brasil, nesse período nem me preocupei com o meu futuro e ficou nas mãos do meu empresário. Ele apresentou-me as propostas e entramos em acordo com o Rio Ave.

O Rio Ave montou um plantel com alguns reforços e manteve outros da equipa que desceu de divisão. Acha que o grupo é forte para atacar a subida?

Acho que é forte. O staff, a estrutura e a equipa técnica também. Não basta ter 11 jogadores excelentes, é um conjunto de fatores. O grupo foi bem montado, com pessoas que agregam. Não adianta ter jogadores espetaculares técnica e fisicamente se dentro do balneário não rendem um ambiente sadio. Nós temos isso e é uma das mais-valias que temos neste grupo.

Considera que é um clube de I Liga?

Sim, até pelo histórico, pelos jogadores que passaram por aqui e por tudo o que o Rio Ave tem feito, como na Liga Europa. Temos ambição de estar na I Liga, esse é o nosso objetivo, nunca escondemos isso. Esta é a minha quarta época na II Liga e todos os anos não importa quem é candidato, vai sempre haver muita dificuldade. Depende, depois, de como o grupo vai encarar o campeonato.

A subida é um objetivo assumido e, para já, está a correr bem: estão em primeiro lugar isolados...

Seria hipocrisia um clube do tamanho do Rio Ave falar que não tem objetivo de subir. Claro que tem e dá todas as condições para os jogadores atacarem esse objetivo. Mas o símbolo e a força do clube não chegam, isso não existe. Lembro-me de muitas equipas que eram fortes candidatas e não chegaram a subir.

O Hugo tem experiência de II Liga, já na quarta temporada. Quem considera que são os principais rivais do Rio Ave na luta pela subida?

Não consigo apontar. Lembro-me bem, nos inícios de época, que se fala que há uns cinco clubes que achamos que vão ser os adversários e, no fim da época, não foram esses. Esta época, acho que será mais para aqueles clubes que desceram e aqueles clubes que estão sempre no "top-4" ou "top-5". Mas é irrelevante apontar um adversário nesta luta pela subida. No ano passado subiram as duas equipas que subiram do Campeonato de Portugal [Arouca e Vizela] e ninguém diria que eles eram candidatos. Na II Liga, todos os clubes podem subir e, por isso, não vale a pena apontar favoritos.

No Rio Ave, tem feito parceria na defesa com o Aderllan Santos, um jogador que fez carreira internacional. Como tem sido trabalhar com ele?

Não sei se muita gente sabe, mas eu já o conhecia e já tinha jogado com ele. Fiz formação no São Paulo e ele esteve uma temporada lá a jogar. Estivemos alguns meses juntos, porque depois fui para Espanha.

Quando o Estoril veio cá jogar no ano passado, trocámos a camisola e estivemos a conversar. Já tínhamos uma amizade antiga, foi fundamental chegar e ter ao meu lado alguém que conheço. É espetacular, experiente, com uma grande carreira e conquistas. É importante ter essa pessoa que passa segurança e acho que estamos a fazer um bom trabalho juntos.

Como tem sido trabalhar com Luís Freire e a equipa técnica? É um treinador que já tem uma subida à I Liga no currículo...

Tem sido fácil, ele dá muita liberdade para os jogadores trabalharem, com as regras e as suas determinações. É uma equipa técnica que nos dá liberdade de tomar as nossas decisões, o que é muito bom. Não foi difícil enquadrar no sistema tático dele, eles explicam muito bem e fica fácil para quem chegou agora e com outro contexto tático. A explicação e o método de passar informação é muito fácil.

O que lhe pede o treinador a si?

Na construção, é preciso perceber que o central está numa zona de risco. Não tenho de arriscar muito, jogar na segurança e firme. E estar bem posicionado taticamente, com a linha bem posicionada. É esse tipo de coisas que o treinador me pede e a equipa técnica tem batido nesse detalhe. Sem essa atenção, pode colocar-se o jogo todo em causa. São detalhes fundamentais na posição.

Foto: Rio Ave
Foto: Rio Ave
Foto: Rio Ave
Foto: Rio Ave
Foto: Rio Ave
Foto: Rio Ave

Mostrou veia goleadora na época passada, com seis golos. Esta temporada já marcou um. O que significam estes registos ofensivos para si?

Dou valor, até porque é diferenciador um defesa marcar algumas vezes e ajudar. No ano passado tinha uma meta, acho que isso ajudou porque estive sempre à procura desse objetivo. Esta época também tenho e já marquei um. No ano passado marquei o primeiro já depois da décima jornada e agora já marquei, com quatro rondas. Mas não me pressiono, não penso nos jogos a pensar nisso. O objetivo é deixar a baliza a zero, mas, se calhar um golo, não há quem não goste.

Chegou ao Rio Ave esta época, depois de ter jogado no Varzim há dois anos, num ano em que a rivalidade entre os dois clubes está mais forte. Ainda pode entrar na Póvoa de Varzim?

Posso. Tenho boa relação com o Varzim, até porque a época correu muito bem, acho que foi a melhor época dos últimos 15 anos e fomos aos quartos de final da Taça de Portugal. Foi uma época muito boa, tenho gratidão pelo clube, se for lá sou bem recebido.

Morei dois meses na Póvoa, mesmo jogando aqui no Rio Ave. A rivalidade existe, faz parte do futebol, é uma boa rivalidade, desde que não extrapole para agressões e insultos. Estas rivalidades são o que tornam o futebol atrativo. Não há qualquer problema com o Varzim.

E com os adeptos a relação foi também pacífica? Já jogaram duas vezes contra o Varzim.

Claro que ouvimos gritos, mas nada direcionado pessoalmente a mim, acho que também pelo respeito que tenho pelo clube. Desde que exista respeito, a euforia e os gritos fazem parte.

Antes de assinar pelo Rio Ave, passou-lhe pela cabeça esta rivalidade?

Não passou, sou muito profissional, estou aqui, mas amanhã posso estar noutro lugar. Defendo o clube que estou a representar, mas penso sempre no que é melhor para a minha família.

No ano passado foi titular no Estoril, que venceu a II Liga, foi às meias-finais da Taça de Portugal e ainda marcou seis golos. Foi a melhor época da sua carreira até agora?

Foi a melhor época, sem dúvida. Os números falam por si, mas espero que fique para trás como a segunda melhor época, porque espero que esta seja a melhor.

Subiu de divisão no Famalicão e no Estoril, mas não teve a oportunidade de ficar com os clubes na I Liga. Há alguma explicação para isto?

Foram duas situações diferentes. Acho que este ano tenho tudo para ficar, até porque tenho contrato e no Estoril não tinha. Tenciono cumprir o contrato. Se tudo der certo, o ano correr bem e conseguirmos o objetivo, seria maravilhoso jogar na I Liga no Rio Ave.

Sente que está preparado para se afirmar na I Liga depois de ter sido figura no ano passado?

Sinto que sim, mas primeiro preciso de subir o Rio Ave. O clube precisa de passar esta época, vai ser extremamente difícil. Lembro-me de, na época passada, ver os clubes que desceram e os que ficaram na II Liga e pensar que esta época seria muito difícil. Vai ser. Este campeonato é muito difícil, as equipas são niveladas. Se subirmos, é o que o clube merece e estou preparado.

Acha que pode ser a II Liga mais competitiva dos últimos anos?

Em termos de nomes, acredito que sim, mas só o decorrer das jornadas vai provar isso, conforme os jogos se forem desenrolando. Às vezes as equipas citadas como candidatos não conseguem uma boa época. Só os jogos vão mostrar o quão competitivo pode ser o campeonato.

Já subiu duas vezes e está a tentar a terceira subida. Acha que pode ser considerado um talismã para as subidas?

Vamos ver esta época, depois da terceira acho que já pode ser. Duas ainda pode ser coincidência. Talismã não acredito, acredito num grupo forte e no trabalho. Olhamos para o grupo e vemos jogadores experientes nas I e II Ligas e isso faz toda a diferença. É diferente de pegar em jogadores que nunca estiveram em Portugal. Ajuda ter experiência no campeonato, mas vamos ver. Depois da terceira subida, talvez acredite ser um talismã.

Como é o ambiente no balneário no Rio Ave? É muito importante existir uma união no grupo?

É muito importante. Se não for o mais fundamental, é uma das coisas mais importantes para um grupo de sucesso. Não adianta ter craques e uma boa equipa técnica se não houver uma boa comunicação.

Se houver divisão entre jogadores, as coisas não andam, independentemente da qualidade. Um grupo forte e unido, sem discussões e em que o clima está leve. As vitórias ajudam, mas não só de sucesso vive um grupo. No momento de adversidade, temos de estar fortes, como estamos agora, num sentimento de união e amizade entre todos.

Voltando atrás no tempo, como surgiu a oportunidade de vir para Portugal há quatro anos? Esteve em Espanha e no São Paulo.

Depois de fazer toda a formação, fui dois anos para Espanha e não foram dois anos de sucesso, era muito novo e a posição de central pede experiência. Faltou-me um pouco isso, mas serviu para aprender. Faz parte do processo, voltei para o Brasil, estive seis meses no Atlético Goianiense, na Série B, e surgiu a oportunidade de ir para o Famalicão. Consegui a rescisão com o São Paulo, tinha mais anos de contrato. Fiz a aposta, correu bem e subimos de divisão.

Está a gostar do país? Deve ter tido propostas para sair do país desde que chegou, o objetivo é continuar por aqui?

O objetivo é estar onde me sinto bem, confortável e onde a carreira tenha condições de prosperar. A minha família gosta de Portugal e eu também, já tenho um círculo de amigos aqui. Tudo facilita, até a língua. Não tenho dificuldades com outros idiomas, mas facilita. É um conjunto de fatores. Não é que não goste de outros desafios, mas Portugal tem tudo o que eu quero para a minha carreira.

Como e onde é que o Hugo começa a jogar futebol no Brasil?

A paixão surge pelo meu pai, que foi jogador profissional só nos estaduais, no Mato Grosso do Sul. Ele comprou uma quinta grande, construiu campos de futebol e fez uma escolinha de formação para miúdos. Cresci naquele berço do futebol.

Joguei lá até aos 11 anos, quando um observador do São Paulo me convidou para ir fazer testes. Com 12 anos, fui viver para o centro de treinos do São Paulo. O meu pai tem esse centro até hoje, tem miúdos que hoje jogam em Portugal e que passaram por lá.

Desde novo que se separou da família para se mudar para São Paulo. Foi difícil?

Foi, mas não é uma exclusividade minha. Quando os jogadores optam pela carreira, principalmente no Brasil, os clubes têm estruturas para se viver lá. Se tiver a sorte de viver perto dos clubes, muito bom, mas eu não tive. A minha cidade era a 10 horas de São Paulo. É difícil, mas ajudou no processo de amadurecimento.

A minha família sempre me deu uma base de educação e apoiou-me na decisão. Sou muito grato por me terem apoiado. Vou ser pai e imagino que deve ser muito difícil deixar sair aos 12 anos. Correu bem, foi difícil, mas vale a pena.

No São Paulo fez formação com vários jogadores que passaram por Portugal, como o Lucas Piazón, Tormena, Lucas Possignolo, Matheus Reis, Dener, Éder Militão, entre outros. Ainda mantém o contacto?

Alguns mais, outros menos. O Matheus Reis e o Tormena são grandes amigos. É mais fácil manter contacto com os que jogam aqui, porque jogamos contra eles e vivemos perto. São incontáveis os jogadores da formação do São Paulo espalhados pelo mundo. Mantemos contacto com os que temos mais proximidade e temos mais afinidade.

Não se chegou a estrear pela equipa principal do São Paulo. Ficou essa mágoa?

Mágoa não, só gratidão pelo clube. Fiquei lá dos 12 aos 19 anos, foram sete anos a morar no clube, se sou jogador profissional é pelo clube. Proporcionaram-me escola, curso de inglês, dentista, ginásio, cabeleireiro, médicos, tudo. É uma estrutura a que só tenho a agradecer pelo que fez por mim.

Ser aproveitado não tem muito a ver com o clube, é mais o treinador no momento. Nos juniores, era internacional sub-20 pelo Brasil, mas o treinador não optou por mim. Na equipa principal passaram jogadores como o Lugano, Miranda, Maicon e o Rodrigo Caio. Dificultou a subida dos jovens, o contexto não era fácil. Os treinadores passam e calhou de não olhar para a formação. A minha carreira seguiu.

Ainda tem vários anos de carreira pela frente, está com 26 anos. Quais os grandes objetivos e sonhos que tem na carreira?

O meu objetivo é crescer como atleta a cada ano, ter mais experiências e mais capacidade, mas não tenho grandes objetivos, como jogar em grandes clubes europeus. Quero dar o melhor para a minha família, ser um melhor jogador e, automaticamente, estar em melhores clubes. Quero trazer o melhor para a minha carreira, mas não tenho grandes sonhos. Os meus maiores sonhos são na vida particular.

Quais?

No Brasil tenho uma ONG [organização não governamental] com a minha esposa, irmã e cunhado. Ajudamos famílias carentes em Campo Grande e em São Paulo. Arrecadamos fundos para essa ONG, mas os meus sonhos têm a ver com filhos e o futuro deles. Quero dar-lhes uma boa educação e construir património que lhes dê conforto. Os meus sonhos são todos familiares. Sou apaixonado pelo futebol, mas é um meio profissional para que atinja os meus objetivos pessoais.

Vi que nas redes sociais é muito ativo em tópicos como política. Foge ao perfil habitual de um jogador de futebol, sempre teve este interesse?

Nunca me interessei por política, mas sempre gostei de estudar. O São Paulo pagava os estudos e fiz a universidade. De quase 20 anos de atletas formados no clube, sou o único jogador licenciado. Formei-me em Educação Física.

O Brasil passou por uma época difícil e não entendia porquê. Depois de uma eleição, não entendi o motivo pelo qual um candidato ganhou e quis entender melhor. Comecei a estudar sozinho, para ter o filtro do que são os factos. Em 2015 comecei a estudar a fundo e hoje é uma das minhas grandes paixões.

Acha que ser tão vocal ajuda-o ou prejudica-o no futebol enquanto jogador?

Acho que não prejudica, desde que tenha noção da visibilidade que um jogador tem e o que representa. Muitas vezes penso antes de escrever, porque sei que alguém pode interpretar de forma errada e achar que o que estou a falar é a opinião do clube que represento.

Sei o peso da opinião e a referência que os jogadores são para muitas pessoas. A maioria dos jogadores não fala com medo de dizer asneiras, mas o conhecimento ajuda-me a dar-me segurança do que falo. Sei quem sou e os meus princípios.

A minha tese de conclusão de curso foi o porquê de os jogadores de alto rendimento não se preocuparem com os estudos e fiz a investigação do centro de treinos do São Paulo. Tinha a faca e o queijo na mão. Os atletas entendem que, devido à profissão que têm, que usa o físico, não precisam dos estudos. Acho que não opinam porque não se interessam e não acham que é uma mais-valia para a vida. Eu discordo.

Da mesma maneira que vejo um jogador a não se informar sobre política, vejo também pessoas comuns e que não são jogadores a não se interessarem. A política é o nosso dia a dia, desde o lugar onde estacionamos à casa que compramos. Se não estudarmos o básico para escolher quem vai governar, vamos acabar por tomar más decisões.

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