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Mundial 2034

Amnistia Internacional e o Mundial na Arábia Saudita. "Parece que a FIFA está a fazer dos amantes do futebol parvos”

12 dez, 2024 - 06:45 • Inês Braga Sampaio

Inês Subtil, coordenadora de Investigação da Amnistia em Portugal, considera que a atribuição do Campeonato do Mundo é "uma vergonhosa e espantosa forma" de a FIFA "varrer para debaixo do tapete e tentar apagar o terrível historial da Arábia Saudita".

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A Amnistia Internacional (AI) mostra um "cartão vermelho" à FIFA pela atribuição do Mundial 2034 à Arábia Saudita.

A Arábia Saudita é tema de conversa pelas celebridades futebolísticas que leva para o seu campeonato - Cristiano Ronaldo, Neymar, Karim Benzema, Sadio Mané, entre muitos outros -, pelas grandes competições desportivas que acolhe, pelo conflito no Iémen e pelas violações de direitos humanos. Desde 2017, quando o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman al Saud, tomou posse, os dois primeiros focos servem para distrair as atenções dos últimos dois. Um fenómeno conhecido como "sportswashing" e que regressa à ribalta com a escolha da Arábia Saudita como organizadora do Campeonato do Mundo de futebol masculino de 2034.

Inês Subtil, coordenadora de Investigação da Amnistia em Portugal, afirma, em declarações à Renascença, que a votação desta quarta-feira "é uma vergonhosa e, ao mesmo tempo, espantosa forma de a FIFA varrer para debaixo do tapete e tentar apagar o terrível historial de direitos humanos da Arábia Saudita".

"Ao ignorar as provas claras que existem de que há graves riscos para os direitos humanos com esta nomeação, a única explicação que nós conseguimos vislumbrar é que a FIFA pretende assumir a grande parte da responsabilidade dos abusos e das violações que vierem a ocorrer na próxima década", sublinha.

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Para Inês Subtil, a história repete-se. Ficou provado, tanto após o Mundial da Rússia, em 2018, como o do Qatar, em 2022, que vários trabalhadores morreram devido a exploração e condições abusivas na construção de infraestruturas. Os dois países têm, também, uma relação difícil com os direitos humanos.

Há apenas uma semana, a FIFA publicou um relatório independente - que "foi adiado sucessivamente" e demorou dois anos a sair - relativamente à reparação dos trabalhadores migrantes que sofreram abusos no Mundial 2022.

"Não é nenhum mistério a razão pela qual a FIFA tentou esconder este relatório. Porque o relatório conclui que houve e que há responsabilidade da organização para assegurar esta reparação, ou seja, dá a pagar indemnizações às centenas de milhares de trabalhadores que sofreram abusos no Campeonato do Mundo 2022. Portanto, este relatório foi completamente abafado e, agora, uma semana depois, nós assistimos a este anúncio, que é, no fundo, a história a repetir-se. Parece que a FIFA está a fazer de todos os amantes do futebol parvos", acusa Inês Subtil.

Na sequência do sucedido nos Mundiais 2018 e 2022, houve uma promessa: "As violações de direitos humanos não voltariam a acontecer e a FIFA seria uma protetora desses mesmos direitos, e as candidaturas tinham de dar garantias de proteger a vida das pessoas e dos trabalhadores e dos adeptos."

"A FIFA está a ir contra os seus próprios regulamentos e contra as regras que ela própria criou", evidencia a responsável da AI. "Estamos a fazer outra vez aquela que é a maior festa do futebol ficar manchada de sangue. É uma vergonha", adita.

Inês Subtil refere que o facto de só haver uma candidatura para 2034 é um problema, já que não há alternativa. De qualquer modo, fica claro, para a Amnistia Internacional, que a FIFA "nunca vai poder alegar que não conhecia a gravidade dos riscos" de realizar um Mundial na Arábia Saudita, um país "com um regime vergonhoso e com um registo vergonhoso em termos de direitos humanos".

"Agora também podemos afirmar outra coisa: é que as federações nacionais que votaram a favor deste evento também não vão poder alegar que não conheciam a gravidade destes riscos. Hoje em dia, não faltam provas", refere.

Provas de exploração de trabalhadores, de ativistas condenados a "décadas de prisão", de mulheres e pessoas da comunidade LGBT+ que sofrem discriminação na Arábia Saudita, além de restrições à liberdade de expressão e de imprensa.

"Provavelmente vamos assistir, também, a residentes despejados à força, porque está prevista a construção ou renovação de 11 estádios e também a construção adicional de 185 mil quartos de hotel, além de todos os outros grandes projetos de ligações de transporte. Isto vai ser feito com o sangue e com o suor de alguém", vinca Inês Subtil, que reforça: "Por mais que tente esconder isso, ficou claro agora que a FIFA escolheu ignorar os nossos avisos e descartar-se das suas próprias políticas de direitos humanos, e que a FIFA e todas as federações nacionais de futebol que votaram a favor deste evento são responsáveis."

Questionada sobre se a FIFA e todas as federações nacionais podem ter sangue nas mãos, Inês Subtil responde: "Essa é uma escolha da FIFA."

A responsável considera que "está na altura" de a FIFA pagar as indemnizações que, segundo o relatório, deve aos trabalhadores do Mundial 2022 e suas famílias, mas também, agora, "assegurar que o que se passou no Qatar não se volta a repetir" - e, se isso acontecer, o organismo deve assumir responsabilidades.

Embora estes eventos possam ser uma oportunidade de implementar mudanças e melhorias em matéria de direitos humanos nos países que os acolhem, Inês Subtil duvida que isso vá acontecer: "Tudo indica que não. Não foram salvaguardadas nenhumas medidas para que a Arábia Saudita pudesse fazer avanços mais do que necessários em matéria de direitos humanos. Nada disso está garantido e, portanto, a nossa expectativa é que seja apenas o repetir da história."

Inês Subtil reitera que, apesar do risco médio atribuído pela FIFA, de que a AI discorda, a organização saudita "não dá garantia aos residentes, trabalhadores, adeptos e público em geral de que terão os seus direitos humanos protegidos".

"Já é mais do que tempo de a FIFA fazer o que está certo. Não vale tudo no jogo do futebol. Estas regras criadas pela própria FIFA não estão a ser cumpridas e nós, na realidade, o que temos a mostrar é, desde já, um cartão vermelho à FIFA por esta decisão", declara a coordenadora, nesta entrevista a Bola Branca.

A Amnistia Internacional continuará a acompanhar o processo, lado a lado com o do Mundial 2030, em que "também há riscos" identificados, nomeadamente em relação a direitos laborais, discriminação, habitação, policiamento, e liberdade de expressão e de reunião" - e nenhum dos três países, Portugal, Espanha e Marrocos, sai ileso da avaliação feita pela organização não-governamental.

Inês Subtil espera que a FIFA e a Arábia Saudita consigam desafiar as probabilidades e organizar um Campeonato do Mundo limpo no campo e fora dele, livre de atentados aos direitos humanos. "Mas as indicações que nós temos, a expectativa que nós temos, é péssima, é o pior", conclui.

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