04 dez, 2024 - 16:40 • Hugo Tavares da Silva
Esta noite, em Londres, Ruben Amorim vai saber o que é jogar um clássico da Premier League. Depois de Ipswich (1-1), Bodo/Glimt (3-2) e Everton (4-0), segue-se o Arsenal, a equipa que o português até eliminou, na época passada, como treinador do Sporting, na Liga Europa. Os ‘gunners’ chegam aqui depois de três vitórias e 13 golos marcados.
Em homenagem a Best, Cantona, Beckham e Cristiano, os mais míticos “7” que enfeitiçaram o Old Trafford, partilhamos sete mini reflexões sobre os primeiros tempos de Ruben Amorim em Manchester.
Ainda Omar Berrada, o CEO do Manchester United, andava a convencer os dirigentes do Sporting e já se debatia a forma de jogar de Ruben Amorim nos jornais, rádios e televisões ingleses. Mas porquê 3-4-3 todos os dias, a toda a hora? E porque não mudar? É assim tão teimoso? Quem é este rapazola, hein? O United com três centrais? I beg your pardon!?...
E questionaram-no sobre isso. O treinador explicou que, entre adaptar-se aos jogadores ou desatar a sua ideia, prefere o seu plano desde o dia 1, pouparia angústias no futuro e, dizemos nós, escusava de ser quem não era. Afinal, foram buscá-lo por alguma razão. Bastaram dois jogos para ver-se um bocadinho de Sporting no seu United. Ou de Amorim, pronto.
Aquele país até vive uma era dourada quanto aos treinadores, por isso a ideia de jogar com três centrais devia tudo menos sugerir defender ou heresia. Com o Everton, choveu uma goleada por 4-0, algo que nunca sucedeu com Erik ten Hag. A última vitória por uma diferença de quatro golos remonta 14 agosto 2021, contra o Leeds.
Não foi jogo para tanto, admitiu Amorim, mas já se viram as diagonais curtas dos avançados, os centrais que criam jogo (às vezes bem abertos, a lembrar o FC Porto de Co Adriaanse, três defesas no fundo, ou até numa linha de 4), os médios que seguram e empurram a equipa. Já se pode testemunhar um futebol líquido sem ser demasiado previsível, a caminhar para a totalidade, capaz de abrandar, mas também de sair na frente como um relâmpago. O primeiro treino da equipa técnica portuguesa foi no dia 18 de novembro.
Temia-se, quem sabe, que a falta de palavras noutro idioma pudesse enferrujar a cadência das narrativas que lhe saem da garganta. O tom sereno, aqui e ali com aquele humor que parece estar permitido apenas a ele, mais a promessa de dias difíceis antes dos bons, está lá. Ruben Amorim, nota-se bem nos artigos e nas redes sociais, tem sido elogiado pela honestidade. Não vende fumo, como diriam os sul-americanos.
Ou seja, é a mesma pessoa. É a tal figura que diz que, aconteça o que acontecer, o sol voltará a nascer e a Terra continuará a girar. O desprendimento e o sorriso mantêm-se presentes, apenas como estado de espírito, pois pobre daquele que confunda isso com moleza ou falta de ferocidade. É um animal competitivo. Na ressaca da goleada com o Everton, a estreia para a Premier League no Old Trafford, o cronista do “The Guardian” anunciou o “Amorim-ball” e celebrou como pode ferir o adversário.
“Serei julgado pelo lugar em que acabarmos”, disse no domingo, depois de questionado sobre se o apuramento para a Champions é realista. “Se eu disser que não, vocês vão dizer que eu não posso ser treinador do Manchester United. Eu quero ser honesto com os nossos adeptos. Vamos focar-nos na performance, não nos resultados. Quinta-feira foi 3-2 [vs. Bodo/Glimt], mas acho que merecíamos mais. Hoje [domingo] foi 4-0, mas eu acho que o Everton merecia mais. Vamos focar-nos nas exibições.”
A tal forma de jogar, metódica sem parecer demasiado mecânica nem robotizada, permite insuflar o volume de ataques, antecipar movimentos, estar nos sítios certos. E isso beneficia os avançados, pois claro. Marcus Rashford (3), Joshua Zirkzee (2), Alejandro Garnacho (1) e Rasmus Højlund (1) já molharam a sopa. Ou seja, os avançados fizeram todos os golos da era Amorim.
Avançados felizes são, para além de decisivos, jogadores mais solidários e generosos. Fazem as corridas que outrora custavam mais, pressionam como antes não o faziam. E oferecem ou festejam golos alheios com outra leveza. O balneário agradece. A título de exemplo da mudança de ventos: Rashford marcou tantos golos nos dois últimos jogos na Premier League (3) como nos 23 antes de Amorim chegar a Manchester.
Sobre a titularidade de Zirkzee em detrimento de Højlund, em Liverpool, Ruben Amorim explicou assim: “Apenas tento ajudar os meus jogadores, colocando-os numa boa posição para as suas características. Teria sido muito difícil para o Rasmus lutar com os dois centrais do Everton, então tentámos levá-los para uma posição em que não estão tão confortáveis. O Joshua fez um ótimo trabalho.” O neerlandês deu algo diferente: baixou, como Paulinho fazia, desbloqueou jogadas, contribuindo para as saídas rápidas (ou para segurar a bola e deixar a equipa respirar).
A rotação tem sido um dos maiores destaques. Amorim já meteu em campo 21 futebolistas. A dupla do meio-campo que o diga: Casemiro-Eriksen com Ipswich, Ugarte-Bruno Fernandes na Liga Europa e Casemiro-Mainoo contra o Everton. Como vimos, na frente também houve mexidas. Nos corredores idem, com Diallo, Dalot, Antony, Malacia a somarem titularidades.
O próprio Mason Mount, de quem Amorim falou tão bem recentemente, já jogou atrás do avançado (a fazer de Trincão, pronto, facilita assim) e contra o Everton entrou na segunda parte para a dupla de centrocampistas. Parece pré-época em Carrington. Mas Amorim, que sabe uma coisa ou duas deste ofício, tem no fundo envolvido toda a gente, fazendo-os sentir importantes, parte de algo, motores da mudança, cada um com as suas circunstâncias.
Apenas André Onana, Matthijs de Light e Noussair Mazraoui foram titulares nos três jogos já disputados pelo treinador português no gigante inglês (Bruno Fernandes é o único representante do meio-campo para a frente. Mazraoui é aqui um peça interessante, pois não só permite uma clareza e criatividade admiráveis na saída de bola, como também oferece à equipa a possibilidade de jogar numa linha de quatro, libertando o endiabrado e pressionante Amad Diallo.
Também de Lisandro Martínez se espera uma função à Gonçalo Inácio. A canhota é igualmente maravilhosa. Para a entrada de Harry Maguire, na segunda parte contra o Everton, o argentino passou para central pela direita, exibindo aqui uma versatilidade que Amorim aprecia. A função pela central-esquerda talvez estivesse também talhado para Luke Shaw, suplente utilizado nos três jogos, mas acabou de contrair mais uma lesão. Johnny Evans jogou no primeiro jogo (parece que Ruben chamou as trutas para dizer que conta com elas). Como em Lisboa, pede aos defesas que sejam criadores, que atraiam rivais com um magnetismo cheio de segundas intenções, procurando acelerações e passes por dentro.
Nos corredores têm jogado alas com o pé contrário, como vimos em Alvalade com Geny Catamo e Geovany Quenda, o que permite conexões diferentes com os homens que jogam por dentro, ficando com o campo aberto e também com a possibilidade de cortar para dentro e bater na baliza. O regresso à fórmula tradicional permite mexer nas funções sem mudar o sistema e sem beliscar "a ideia". Dalot e Diallo começaram com Ipswich. Com Bodo/Glimt Malacia, canhoto na esquerda, e Antony pela direita. O brasileiro terá de tornar o seu jogo muitíssimo mais fiável para ser importante neste grupo. Em Liverpool, numa aparente aproximação a um 11 ideal, jogaram Dalot pela esquerda e Diallo pela direita.
Sem surpresa, tem assumido um posto de protagonismo. Quando, antes do apito inicial para a Liga Europa, foi entregar o galhardete do rival, deu-o a Ruben Amorim, quase furando o protocolo, o que seria dar uma coisa daquelas a Alex Ferguson... Mas eles sorriam um para o outro, denunciando cumplicidade.
O capitão do Manchester United foi titular nos três jogos (foi substituído no terceiro aos 66'). Com Ipswich, jogou atrás de Rashford pela direita. Deu 71 toques na bola, acertou 92% dos passes que tentou (53), três deles chave. Já sabemos que ele não é aborrecido a jogar e é do mais venenoso que há, esteja onde estiver. Com Bodo/Glimt jogou ao lado de Manuel Ugarte, tocando muitas mais vezes na bola (95), ora no miolo, ora bem aberto na esquerda. Com Everton, o “8” posicionou-se atrás de Zirkzee pela esquerda, a fazer de Pote. O envolvimento no jogo baixou – 45 toques na bola –, mas assinou duas assistências.
Old Trafford já tem um cântico para Ruben Amorim. O ritmo é o mesmo da canção “Give it up” dos KC and the Sunshine Band. O português não adorou a ideia. “Não gosto do cântico, não gosto”, admitiu. “Sinto-me um pouco, não diria embaraçado, mas… sou o treinador, acho que devem cantar pelos jogadores e pelo clube. Entendo e aprecio muito a ligação com os adeptos, mas quero que apoiem a equipa e os jogadores porque são eles que estão dentro de campo. Eu estou fora.”
A comunicação do técnico português também passa por aqui, anulando o ego ou baixando a luz dos holofotes sobre ele, salientando sempre que pode que o mais importante são os futebolistas (afinal, ele foi-o há não muito tempo). E acrescentou: “É uma honra para mim e sinto uma ligação com os adeptos, mas sei que são precisos resultados para manter isso”.