03 dez, 2024 - 10:40 • Inês Braga Sampaio
Hélder Duarte vive numa área mais tranquila, mas passa muitas vezes pela zona de conflito. Não viu, em pessoa, um episódio de violência da polícia moçambicana contra civis, mas já lhe chegaram vídeos às mãos. É português, mas compreende a causa do povo de Moçambique.
São já 42 os dias de manifestações contra os resultados eleitorais. É o candidato presidencial Venâncio Mondlane que convoca estes protestos, que têm degenerado em confrontos com a polícia, como forma de contestar a atribuição da vitória a Daniel Chapo, candidato apoiado pelo partido no poder, com 70,67% dos votos, segundo os resultados anunciados a 24 de outubro pela CNE - que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
Hélder Duarte, treinador da Associação Black Bulls, da Cidade de Maputo, conquistou o título de campeão, há semanas, entre paralisações. Foi o terceiro dos últimos três anos que passou em Moçambique - em 2023 com o Ferroviário da Beira e em 2021 e 2024 com a Black Bulls, com um ano de interregno, pelo meio, como adjunto de Rui Pedro Silva no Famalicão.
"Estar num contexto profissional, em Portugal, sempre adverso - porque não há projeto, há resultados -, e depois vir para aqui e sentir esse mesmo contexto, mas noutro clube, ajudou-me a crescer muito e deu-me uma bagagem muito grande para o que eu conquistei nos dois últimos anos", conta o treinador, em entrevista à Renascença.
Habituado a que digam, em Moçambique, que é o treinador que é campeão e depois foge, Hélder Duarte quer ser, agora, "o treinador que fica". Quer continuar ser um "todo-o-terreno" do futebol e a escrever história por um clube que ajudou a construir do zero.
Já segue a Bola Branca no WhatsApp? Nós explicamos como se faz
moçambique
Há "mais de 1.700 feridos por causas diversas" e u(...)
Conquistou agora o terceiro título em três anos a trabalhar em Moçambique. Como é que se consegue isso?
Uma paixão grande, uma adaptação, trabalho. Vim para cá com esse objetivo. Desde 2018, quando vim para cá para cá, para criar o projeto Black Bulls. Começou do zero. Em três anos, conseguimos ser campeões todos os anos e combinar com com o título de campeão logo no primeiro ano de Moçambola.
Entretanto, viajo para Portugal para trabalhar com o Rui Pedro Silva no Famalicão e regresso pela porta do Ferroviário da Beira, onde nós conseguimos, com muito custo, com muito sacrifício, com um contexto difícil e diferente em todos os aspetos, voltar a ser campeão.
Este ano, sou convidado para regressar cá e volto ao clube que ajudei a crescer e em que, por isso, me sinto quase em casa. É quase o meu projeto, também, porque tem muito de mim e do mister Inácio [Soares], que também esteve comigo desde o início aqui neste projeto. É uma felicidade muito grande. Mas, essencialmente, é muito estudo sobre a competição e muito trabalho.
Fez um ano em Famalicão, como treinador adjunto. Como é que foi voltar ao cargo de treinador adjunto, depois de ser treinador principal, e, agora, voltar, outra vez, a ser treinador principal?
Eu vim para cá através de uma parceria do FC Porto. Vim cá para coordenar uma academia de formação. Não foi com o intuito, nunca, de ser treinador principal. Foi uma coisa que aconteceu. Entretanto, assumi também a equipa sénior e as equipas de formação, porque éramos só dois para quatro equipas e teve de ser. E as coisas foram acontecendo. Já tinha tido outras outras experiências, tanto no FC Porto Dragon Force, como no USC Paredes, que é donde eu sou, onde eu vivo. As coisas foram acontecendo. Não foi nada premeditado.
Entretanto, como tinha sido treinador principal, nos escalões de formação, do filho do Rui Pedro Silva e ele gostou do trabalho, quando assumiu o cargo convidou-me e eu, com todo o gosto. Foi uma honra enorme trabalhar com ele e aprender muito com ele. Uma pessoa com uma experiência muito grande e um ser humano fantástico, uma excelente pessoa, que me ajudou a crescer muito e que me ajudou muito nestes dois títulos que eu consegui nestes dois últimos anos, porque me deu uma bagagem muito grande e uma perspetiva completamente diferente daquela que eu tinha, porque só tinha trabalhado ou na formação ou, então, em escalões muito baixos. Também tinha sido adjunto do Fernando Valente no Paredes e no Lousada, mas eram escalões semi amadores, a antiga Segunda Divisão B, neste momento Liga 3.
Estar num contexto profissional, em Portugal, sempre adverso - porque não há projeto, há resultados -, e depois vir para aqui e sentir esse mesmo contexto, mas noutro clube, ajudou-me a crescer muito e deu-me uma bagagem muito grande para o que eu conquistei nos dois últimos anos.
Precisamente por aí, foi campeão em Moçambique três vezes por dois clubes diferentes. Já se sente, por assim dizer, o treinador a que as equipas recorrem para serem campeãs?
Não, não me sinto. Costumo dizer que sou um treinador de formação. Eu gosto de, para onde vou, tomar conta, entre aspas, de tudo o que é o processo do clube, desde a parte sénior até à formação. Foi assim que cresceu a Black Bulls. Eu tive uma vantagem muito grande, porque comecei a Black Bulls do zero e numa terceira divisão. Deu-me tempo para preparar uma equipa, tanto na terceira como na segunda divisão e depois, mesmo, na primeira, e deu-me tempo, também, em dois anos, para estudar o Moçambola. Por isso, fui um felizardo, estava no sítio certo à hora certa.
Deu-me uma bagagem muito grande a nível do conhecimento de tudo o que são os clubes, as dinâmicas dos clubes, jogadores e os próprios treinadores. Por isso, deu-me tempo para estudar a competição, estando no nível mais baixo, e também tive a felicidade de ter um presidente que me deu todas as condições e confiou em mim e no mister Inácio. Volto a dizer, trabalhámos juntos. Deu-nos todas as condições para nós trabalharmos, sem nunca se meter muito no trabalho, sempre confiando naquilo que nós íamos fazendo. Felizmente, também fomos vencendo e conquistando títulos para o clube, tanto a nível sénior como a nível de formação, onde eu também fui campeão nacional de juniores e juvenis, em 2018 e 2019.
Para onde eu vou, gosto sempre de tomar conta de tudo o que é a formação e a parte sénior. Gosto de ligar tudo, monto equipas de trabalho para trabalharmos em conjunto. E depois, consigo sempre - a parte da liderança, se calhar - que as pessoas acreditem nas coisas e que nos unamos todos em prol de um objetivo. Felizmente, as coisas têm acontecido até agora, mas o futebol muda muito rápido. Tenho sido feliz e vou continuar a tentar sê-lo.
Sente que este sucesso que está a ter em Moçambique também pode abrir portas para outros treinadores portugueses?
Sim, de facto, este ano nós começámos comigo na Black Bulls, estava o mister Horácio Gonçalves no Costa do Sol, estava o mister Sérgio Boris no Ferroviário de Maputo, entretanto depois veio também o mister Alex Cepeda para o Textáfrica. Sei que, para o ano, o mister Nelson Santos vai regressar.
Resumindo, é um bocadinho como acontece no Brasil. Quando nós temos sucesso, as pessoas começam a olhar mais para o nosso mercado e acredito que abra outras portas, sendo que já outros treinadores tiveram sucesso aqui, felizmente. Caso do Litos, do Vítor Pontes, do Diamantino Miranda. São treinadores portugueses com sucesso em Moçambique e que deixaram aqui uma marca. Felizmente, eu estou a conseguir continuar com essa marca que eles deixaram cá.
Diz que é um treinador de projeto ou, mais concretamente, de ajudar a construir um clube. Também é, ainda, um treinador jovem. Que objetivos tem para o futuro?
Normalmente, aqui, as pessoas diziam que eu era campeão e depois fugia, e não queria ir à Liga dos Campeões. Porque em 2021 saio para o Famalicão e o ano passado, sou campeão e saio do Ferroviário da Beira. Resumindo, não vou disputar a Liga dos Campeões. Felizmente, a Black Bulls venceu a Taça de Moçambique e eu participei na Taça das Confederações, em que Moçambique tem dois play-offs para entrar na fase de grupos, e nós conseguimos, o que não é muito normal em Moçambique. Nestes últimos anos, isso aconteceu muito raramente, uma equipa moçambicana entrar na fase de grupos.
Nós conseguimos entrar e inclusive acabei de chegar do Cairo. Fomos jogar contra o Zamalek, que é um campeão em título. Infelizmente, perdemos 2-0, mas estamos a falar em duas realidades completamente diferentes, orçamentos muito, muito díspares. O Zamalek é quase uma equipa europeia e nós somos uma equipa - não vou dizer amadora, mas com um orçamento muito reduzido. E conseguimos ir lá bater-nos de igual para igual. Sofremos um golo, mesmo a acabar a primeira parte, de bola parada, e um remate fora da área. Mas conseguimos bater-nos, conseguimos ter uma percentagem de posse bola quase igual à do Zamalek, que é uma equipa de milhões.
Deixámos uma excelente imagem e é isso que eu pretendo: sou um treinador jovem, é começar a construir a minha marca aqui em África, porque foi uma porta que se abriu e, como o meu amigo João Lapa diz, nós devemos estar onde nos querem e neste momento querem que eu esteja aqui e eu estou feliz por estar aqui.
Ou seja, agora, para o futuro próximo, pelo menos, quer quer passar a ser o treinador fica?
Sim, quero ser. Não estava projetado eu sair da Black Bulls. O projeto da Black Bulls era eu continuar até nós conseguirmos estabilizar o clube em África, esse era o grande projeto do presidente. Era nós sermos regularmente campeões. Estamos a falar de um clube que tem sete anos, quatro na primeira divisão, onde foi duas vezes campeão e das vezes vice-campeão. Já conseguiu entrar na fase de grupos [da Taça das Confederações], o que quase nenhum clube consegue em Moçambique. Também já é detentor da Taça.
Resumindo, é um clube muito jovem, mas que tem um centro de treinos equiparado aos melhores de de Portugal, o que, em África, é muito difícil. Nós temos dois campos relvados "top", mais dois sintéticos. Temos uma excelente academia, temos muita gente a trabalhar ali. Inclusive, fazemos uma deteção de talentos a nível de Moçambique e trazemos para a nossa academia, o que aqui não existe. Por isso, é um projeto ímpar, que está em crescimento. E eu, entretanto, saí e voltei porque ele [presidente] achou que eu era importante para o projeto, e eu estou feliz por ter voltado e feliz por estarmos, neste momento, a disputar esta fase de grupos.
O campeonato já acabou. Nós vamos quase ligar uma época à outra, porque temos jogo até dia 19 de janeiro e, normalmente, é quando começa a próxima época. E é quando acaba a primeira fase de grupos. Por isso, eu sou um treinador que, agora, quer terminar este projeto e levar a Black Bulls a bom porto.
Como é que descreveria a sua carreira até agora? Que ainda é curta, porque ainda é jovem...
Eu comecei muito cedo, logo no primeiro ano de faculdade comecei a trabalhar no USC Paredes. Entretanto, sou convidado pelo mister Fernando Valente e acompanho-o, ainda na faculdade, na Associação Desportiva do Lousada, na segunda Divisão B antiga. Depois, entretanto, faço uma pausa em tudo que é futebol. Entretanto, regresso pela porta da Dragon Force e do FC Porto e depois, começo aqui neste projeto, que têm sido em crescimento.
Para mim, é uma honra estar aqui e estar a desenvolver o talento em Moçambique. Como eu disse, além da parte sénior, eu também sou responsável pelas equipas de formação. Neste momento, até pela dimensão em que estamos, precisamos que eu esteja a 100% na equipa principal, mas no período em que nós estávamos na segunda divisão eu treinava também as equipas de formação. Os nossos juniores e juvenis, principalmente os juvenis, foram campeões nacionais comigo. Depois, entretanto, venceram também o COSAFA sub-20 [torneio anual para equipas da África Austral], algo que nunca tinha acontecido aqui em Moçambique, e participaram num CAN, que também nunca tinha acontecido.
Além de estarmos a potenciar o talento para a nossa equipa principal, isso também está a surtir efeito nas seleções nacionais, o que, para mim e para o clube, é um é um prestígio, é uma honra.
Ser esse treinador todo-o-terreno é algo que lhe dá um gosto especial?
Dá. Primeiro, porque eu tenho um presidente que me dá todas as ferramentas para eu me poder manobrar, desde a deteção do talento nas províncias, desde os trazer para cá, desde os trabalhar com eles, desde ter uma equipa de trabalho que, neste momento, já a nível de portugueses, é muito grande.
Tem o Pedro Almeida, que é treinador do guarda-redes, tem o Guilherme, que é responsável da parte física, mas também ajuda na parte da academia, da escola de futebol e mesmo da formação, e está também connosco nos seniores, e tem o Francisco Calisto, que foi campeão nos sub-23, na Liga Revelação, e que também está aqui comigo e que faz todo um trabalho fantástico, tanto a nível da equipa sénior, como a nível do scouting, de deteção de talento, tanto moçambicano, mas também a nível de África.
Nós conseguimos ir buscar agora dois, três jogadores que há um, dois anos se calhar não conseguiríamos, mas pela perspicácia dele e pelo conhecimento dele, conseguimos já trazer para o nosso clube atletas de seleções muito importantes, como a Nigéria e o Senegal, internacionais sub-20 que participam em CAN e Mundiais e começam a dar, também, outra bagagem ao nosso projeto. Eu ser o responsável de uma equipa de trabalho muito grande e liderar estes estas pessoas com uma paixão enorme por aquilo que fazem também... E nós fazemos tudo.
Passa tudo por nós, desde a parte logística, parte da alimentação, tudo é feito por por nós, nossa organização, e isso dá-nos um gozo enorme, porque, como eu digo, o presidente dá-nos toda a liberdade para nós trabalharmos e isso faz-nos sentir como se fosse o nosso projeto.
Tensão em Moçambique
Em entrevista exclusiva à Renascença - a partir de(...)
Vamos à situação política que se está a viver em Moçambique. Como está a ser para o Hélder Duarte este último mês de muitos protestos, incluindo em Maputo? Como é que está a viver essa situação?
Adaptação. O treinador português adapta-se às circunstâncias. Eu vivo mesmo em Maputo vivo, na zona da Costa do Sol, aqui mesmo muito próximo da praia, e a academia fica a cerca de 30 km daqui para o interior. E eu tenho de passar muita das vezes por essas zonas onde há conflitos. No centro da cidade isso não acontece muito, principalmente na nesta zona onde eu resido, mas tenho de passar por esse conflito para para ir trabalhar. Mediante as as medidas que são impostas, eu adapto-me. Se há protestos, vou viver para academia ou vou viver para um hotel perto da academia.
Noutro dia chegámos ao aeroporto às 13h00 e até às 16h00 ninguém podia circular, por isso estivemos três horas no aeroporto à espera. Temos de nos adaptar àquilo que está a acontecer. As pessoas não nos fazem mal. É um protesto por algo em que eles acreditam e nós temos de respeitar e temos de nos adaptar. Não tenho tido qualquer tipo de problemas, apenas adaptar a minha vida e adaptarmos a nossa rotina de trabalho, em função daquilo que vai acontecendo, sem qualquer tipo de de receio ou qualquer tipo de medo.
Não lhe passou nenhuma situação, até agora, em que tenha tido algum receio?
Felizmente, não. Como eu disse, estou numa zona segura, uma zona tranquila. Estou aqui junto à escola portuguesa, à escola americana, à escola francesa. Resumindo, tem alguma segurança. Tem a Embaixada dos Estados Unidos aqui ao lado. Estou numa zona nobre, por isso aqui não tem havido problemas nenhuns, esta é a realidade.
Eu mantenho-me em casa, também não sou uma pessoa de sair. Por isso, é trabalho de casa e, sempre que não dá para ir trabalhar, eu ajusto a minha rotina. Em vez de ir às 7h00, como costumo sair de casa, vou às 5 ou às 6 e chego à academia mais cedo e fico lá a dormir. Tenho todas as condições de trabalho, por isso fico lá e não tenho qualquer tipo de problema, adapto-me àquilo que acontece. Eu e os nossos atletas.
Na véspera de nós sermos campeões, nessa semana, houve paralisação geral e nós pegámos e recolhemos todos à academia e estivemos uma semana em estágio lá. Eles também perceberam que tinha de ser assim. Além de serem excelentes profissionais, são atletas muito humildes e que se dão a estas causas, também, e que percebem que às vezes temos de fazer sacrifícios e nós estamos cá também para isso.
Isto também tem impacto no futebol? Também afeta o futebol?
Sim, sem dúvida. Não vou dizer que não estamos preocupados, porque, neste momento, o que estava a acontecer - as últimas normas do candidato [Venâncio Mondlane] - foi que entre as 8 da manhã e as 16 horas não podia circular qualquer meio de transporte. A partir desse horário, todos os carros tinham de estar parado. Onde quer que deixasse o carro, ele tinha de ficar até às 16h00, ninguém circulava. Isso faz com que nós possamos ter consequências, porque o Al Masry chega na terça-feira para jogar connosco no domingo. Imagine que não se pode circular.
É uma medida que foi feita agora, só esta semana, terça, quarta, quinta e sexta [da semana passada]. Imagine que para a semana ele mantém. Isto vai criar-nos alguns problemas, porque o clube adversário não vai conseguir ir treinar, porque não vai conseguir sair do hotel. Tal e qual como quando nós chegamos hoje, tivemos de aguardar três horas até se libertarem e nós podermos circular. Sendo que na semana passada [há duas semanas], a única situação que aconteceu foi que entre as 12h00 e as 12h15 se cantava o hino nacional e havia uma paralisação. Ninguém andava. Estamos a falar em 15 minutos que toda a gente respeitou, em que toda a gente buzinava. Estava toda a gente parada durante 15 minutos pura e simplesmente o país parou. Fui apanhado várias vezes nessa viagem entre a academia e minha casa. Parei, as pessoas respeitam. Não aconteceu nada, tudo bem. Acabou esses 15 minutos e eu segui viagem.
O futebol pode cumprir aqui, também, um papel de refúgio para uma população que está, claramente, em stress?
Sim, sem dúvida que sim.
Sendo que mesmo a própria seleção, no último jogo que fez cá, com o Mali, teve o estádio praticamente vazio, porque as pessoas queriam mesmo manifestar-se e que o exterior visse o descontentamento deles. Por isso, está a funcionar de uma forma contrária: as pessoas estão a tentar boicotar ou parar este tipo de jogos, que é para criar um grande impacto, porque estamos a falar de jogos internacionais, de CAF [Confederação Africana de Futebol], e era apuramento para o Mundial. São competições FIFA, competições da CAF, e isso tem um impacto muito grande no exterior.
Por exemplo, nós estávamos no Egito e perguntaram-nos se havia condições de a equipa adversária viajar, uma vez que nós jogámos com o Zamalek e agora vamos jogar com o Al Masry. São duas equipas egípcias. E é lógico que mesmo os próprios consulados estão em em consonância, as próprias federações, para tudo se desenrolar de uma forma natural. E espero que assim seja, para o país não ser prejudicado. E o próprio clube, como é lógico.
É português, mas já tem vários anos passados em Moçambique. A nível mais pessoal ou a nível humano, como é que analisa o que está a passar sem Moçambique?
O descontentamento das pessoas de ano para ano foi aumentando e, entretanto, houve umas eleições, que eles acreditam que não foram justas, não foram corretas, os resultados não correspondem à verdade. O que se nota um bocadinho, por aquilo que tem acontecido, é que eles poderão ter razão. Sendo que os resultados oficiais só vão ser anunciados agora no dia 17 de dezembro, pelo Conselho Constitucional, passado dois meses e tal. Todas estas circunstâncias criam muita dúvida na população. É uma população muito jovem, de 32 milhões, muito jovem mesmo, e que tem dificuldades a nível de trabalho e a nível de de muitas situações da vida delas. E ficaram cansadas de tudo o que se passa em Moçambique.
É lógico que às vezes há excessos, mas, de uma forma muito pacífica e muito ordeira, têm feito as coisas acontecer, porque parar um país durante 15 minutos, das 12h00 às 12h15, em que ninguém ninguém se mexe, ou às 21h00 em ponto toda a gente está nas janelas a bater numa panela - mesmo nas principais ruas de Moçambique, ruas das pessoas com mais poder monetário e não só moçambicanos, mesmo comunidade internacional... Porque há uma grande comunidade Internacional aqui a viver em Maputo.
Acontecem coisas que não é do agrado deles, não é só a qualidade de vida que é má. Há muitos raptos, há muitos empresários que estão aqui, que fazem investimentos e, depois, têm problemas com raptos e com outras situações. O aglomerar disso levou a uma saturação e ainda mais com o anunciar das eleições, em que o candidato [Mondlane] que está a conseguir paralisar isto teve apenas 20% de votos, o que ninguém acredita que que tenha acontecido.
Além das situações de que já falou, houve alguma que o tenha marcado particularmente até agora?
Sim. Nós vemos situações, felizmente eu não presenciei, mas... Inclusive, tivemos aqui um período crítico, uma semana em que cortaram as redes sociais e cortaram-nos esse tipo de acessos ao Facebook, Instagram, WhatsApp - as pessoas aqui comunicam muito através do WhatsApp. Cortaram esse tipo de aplicações, nós não conseguíamos comunicar, para essas imagens não vazarem para o exterior.
Mas houve aqui muitas situações tristes, com a polícia a abusar do poder. Houve um atropelamento há uns dias, um carro militar. Nós vemos polícias com armas a disparar sem lógica nenhuma - ainda hoje saiu um vídeo de um polícia a disparar para crianças, pessoas deitadas no chão a ser atingidas.
Portanto, há aí um conjunto de situações que vai totalmente contra os direitos humanos, até porque as pessoas apenas se estavam a manifestar, só que há zonas em que eles não querem que as pessoas passem e as pessoas tentam chegar perto e, então, eles usam excesso de força sem qualquer tipo de necessidade, até porque as pessoas não estão armadas e é uma luta desigual, entre a população que tem cartazes, contra alguém que tem gás lacrimogéneo e balas.