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Futebol Internacional

"O Botafogo é enredo de filme": fomos entender a melancolia da 'estrela solitária'

03 dez, 2024 - 15:10 • Hugo Tavares da Silva

Bola Branca escutou a neta da maior figura do Botafogo, que trabalha na televisão do clube e que esteve no Monumental, assim como outros dois jornalistas. Emoção, Artur Jorge e muito mais, está tudo neste texto.

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No dia da final da Libertadores, no Monumental de Buenos Aires, antes do jogo e já depois da vitória histórica, a neta da maior figura do Botafogo escutou muitas histórias, viu até fotografias colocadas na grade do estádio e ouviu várias vezes “é pelo seu avô” e “o seu avô está aqui”. Hanna Santos, neta de Nilton Santos, murchou por dentro de alegria. “Não parei de chorar…”, confessa à Renascença.

A história do Botafogo nesta Libertadores, a primeira final e por isso a primeira conquista da ‘estrela solitária’, parece magicada por um qualquer criativo das palavras e das poesias cinematográficas. Homenageando Mané Garrincha, o mítico número 7 do ‘glorioso’, Luiz Henrique foi nomeado o melhor futebolista do torneio vestindo a mesma farda.

Mas também o ponta-direita Júnior Santos o fez, de outra maneira, unindo o pó do povo ao pó das nuvens. Ajudante de pedreiro até aos 23 anos, nunca lhe explicaram como jogar futebol como se faz no futebol profissional. “Ele jogava ao fim de semana em troca de comida, de quentinha, como dizemos aqui no Brasil”, confirma Hanna Santos. “O mais incrível é que a nossa jornada na Libertadores começa com um golo dele e se encerra com um golo dele. O Botafogo é enredo de filme, e desta vez com um final muito feliz, graças a Deus. Já estou emocionada de novo…”

E marcou no sétimo minuto do tempo extra da final, lembramos. “Sete é Garrincha, né? Tudo combina, tudo faz sentido dentro de algo que tinha tudo para não ter sentido algum.” Esta gente tem qualquer coisa no verbo. Não é só o sotaque que parece brotar da cana de açúcar, há aquele lado trágico e mágico e belo e inevitável.


Eduardo Geraque é jornalista, um daqueles apaixonados pela história desta modalidade. Do outro lado do charco, perguntamos-lhe por que razão um Botafogo de Garrincha, Didi e Nilton Santos não levantou nenhuma Libertadores (ou até Jairzinho, Gerson...). Falamos talvez das maiores figuras do Brasil no bicampeonato de 1962, no Chile, aniquilando definitivamente o complexo de vira-latas. E podemos juntar Mario Zagallo e Amarildo. Eram galácticos.

“É importante ser dito: aqui, na América do Sul, a questão da Copa Libertadores nem sempre foi tão cobiçada pelas equipas brasileiras como ocorre aí na Europa com a atual Champions League”, explica Geraque. “Havia muita rivalidade internamente. O Botafogo é do Rio de Janeiro, a mesma cidade de Flamengo, Fluminense e Vasco. Não davam bola à Libertadores. Não tinham dinheiro, faziam excursões pelo mundo.”

Em 1963, o ‘anjo das pernas tortas’ e os amigos quase chegaram à final deste torneio, mas foram barrados, na semifinal, por um hat-trick de um tal de Edson Arantes do Nascimento. Ou Pelé, o tal semideus-talvez-deus que agradeceu tudo, tudo o que Nilton Santos – o homem que fez 721 jogos pelo ‘fogão’ e emprestou o nome ao estádio (depois de levantar 18 taças pelo clube) – fez por ele quando chegou à seleção com 16 anos.

As coisas mudaram com o título continental e mundial do Flamengo de Zico. Depois, o Grêmio e ainda o São Paulo de ‘seu’ Telê. “Outra coisa bem interessante sobre o atual momento”, continua Geraque, “é: se o Botafogo vencer a liga, vai ser apenas o terceiro clube da história do futebol brasileiro a ganhar Libertadores e campeonato brasileiro no mesmo ano, depois do Santos de Pelé, em 1962 e 1963, e do Flamengo de JJ, Jorge Jesus!, em 2019”.

Hanna Santos agora trabalha na Botafogo TV e desenvolveu uma relação especial com Artur Jorge, o técnico que ganhou a primeira Libertadores do clube e que será apenas o terceiro homem a ganhar um Brasileirão pelo clube de Garrincha, se tudo correr como planeado (a vitória no campo do Palmeiras pareceu ditar o desfecho feliz). “Falo com o mister quase todos os dias, virou um amigo. Na festa, ele vinha, abraçava-me e eu chorava. Eu olhava para ele, abraçava-o e chorava… É uma pessoa muito querida, tenho muito carinho por ele.”

E, noutro momento da conversa, embevecida acrescenta: “O Artur Jorge está fazendo um trabalho incrível. É uma figura muito carismática, a gente ama o Artur Jorge, a família dele. É um cara de família. A mãe, o irmão, a esposa e uma das filhas foram ver o jogo. Ele fala muito na família Botafogo, ele veste esse conceito, por isso aplica-o tão bem”.

O Botafogo só venceu o campeonato nacional em 1968, com uma equipa avassaladora, e em 1995, com Túlio Maravilha como bandeira. Confirmando a tese da rivalidade da mesma cidade, o ‘fogão’ conta com 21 títulos cariocas, “o primeiro em 1907, o último em 2018”, conta Geraque, o jornalista com alma de historiador.

“Amigo, estávamos há 30 anos sem um título de expressão, jogámos três vezes a Série B nesse período”, comenta Thiago Franklin, um jornalista associado ao Botafogo e que esteve em 15 dos 17 jogos do clube na Libertadores. Tínhamos acabado de perguntar que história é aquela do melancolismo e da fatalidade do botafoguense.


Lá bem atrás, o escritor-poeta-jornalista Paulo Mendes Campos grafou “há coisas que só acontecem ao Botafogo”, depois de uma derrota contra o Fluminense (“A mim e a ele soem acontecer sumidouros de depressão…”). O botafoguense, viciado na tristeza, teve direito a revanche e três meses depois o marcador cantarolou um 6-2 contra o mesmo rival, contou Paulo Vinicius Coelho no UOL, há pouco mais de um ano.

“Eu me assentarei nas arquibancadas para sofrer noventa minutos”, declarava o poeta. “Mas a sua vitória será doce como os frutos. A sua ala esquerda pode desferir chutes indefensáveis, e a sua ala direita é mais insinuante do que o vento.” Garrincha como vento. Amém.

Mas voltemos a Thiago Franklin. “Estive no Monumental”, conta. “Foi fantástico, um momento histórico. O Artur Jorge já está marcado como um dos grandes nomes do nosso clube, tem tudo para entrar ainda mais na história, com essa reta final do campeonato brasileiro. É o novo Botafogo, um novo estilo, um novo sentimento, uma nova maneira de jogar futebol e que tudo dê certo”, celebra e deseja ao mesmo tempo. Faltam duas jornadas para o término do Brasileiro, os cariocas têm três pontos de avanço para o Palmeiras de Abel Ferreira.

Falta mencionar o filme do jogo. A final contra o Atlético Mineiro de Hulk foi uma promessa de tragédia, pois com certeza, não podia ser de outro jeito. Aos 30 segundos, Gregore, um pilar no jogo de Artur Jorge e do ‘fogão’, viu o vermelho por uma entrada totalmente imprudente. O Botafogo foi maior e melhor com 10, voou nas asas tortas de Thiago Almada, Jefferson Savarino e do tal nostálgico “sete”, Luiz Henrique, que meteu um golo e sofreu um penálti.

“No jogo, senti os jogadores todos confiantes”, revela Hanna Santos, que vai testemunhando os bastidores e as conversas e os olhares que escapam aos comuns mortais. “No final do jogo, as expressões iam mudando. O Marlon Freitas começou a chorar, o Artur teve o grito de alívio. Depois, as famílias foram para o campo, vi jogadores a apresentarem os familiares, ‘esta é a minha avó’, ‘esta é a minha mãe’. Foi um clima muito legal, muito leve.”

É que esta gente precisava mesmo, mesmo disto, confessa Hanna Santos, para “virar certos temores, traumas e coisas que não deram certo”. Resumindo, “foi um dia mágico”. Resumindo poeticamente, “ganhar um título destes é o grito que estava preso na garganta de vidas inteiras”.

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