16 set, 2024 - 07:30 • Inês Braga Sampaio
Começa esta segunda-feira a luta legal entre a Premier League e o Manchester City, num julgamento em que o clube está acusado de 115 delitos de violação das regras financeiras da competição ao longo de 14 épocas.
Este julgamento pode alterar a paisagem financeira do futebol europeu, uma vez que, se a Premier League vencer, poderá traduzir-se num condicionamento sem precedentes ao investimento de organizações estatais e milionários - como é o caso dos Emirados Árabes Unidos (EAU), cujo vice-presidente é o dono do Manchester City - em equipas de futebol.
O City, em que jogam os portugueses Rúben Dias, Matheus Nunes e Bernardo Silva, está acusado de 80 violações das regras financeiras da UEFA e da Premier League entre 2009 e 2018, mais 35 acusações de falta de cooperação com uma investigação da Premier League. Em maior detalhe:
Será um julgamento independente, em local desconhecido, com a duração de dez semanas, e com "dedo" de Rui Pinto, o "hacker" português associado ao site "Football Leaks".
Em 2018, a revista alemã "Der Spiegel" alegou, com base em documentos supostamente adquiridos por Rui Pinto, que o City manipulara contratos para contornar as regras financeiras da UEFA e da Premier League. Ou seja, o clube estaria a esconder investimento direto da empresa que o detém (Abu Dhabi United Group ou ADUG) através de pacotes de patrocínio fictícios, inflacionando os rendimentos publicitários provenientes da companhia aérea estatal Etihad e da empresa de telecomunicações Etisalat (controlada pelo Estado).
Também surgiram alegações de que o City fizera pagamentos debaixo da mesa ao seu então treinador, Roberto Mancini, disfarçados de encargos de consultoria a um clube em Abu Dhabi, e de que pagava mais aos jogadores do que aquilo que declarava.
O Manchester City, que afirmou sempre que a ADUG é um fundo privado e não uma empresa estatal, acusou a "Der Spiegel" de obter os documentos ilegalmente, numa "tentativa de manchar a reputação do clube", e negou sempre veementemente ter quebrado quaisquer regras.
Já em 2014, contudo, o clube foi multado pela UEFA em 20 milhões de euros, por irregularidades financeiras, ainda que não tenha havido quaisquer consequências desportivas. Em 2020, a UEFA baniu o City das competições europeias por duas temporadas, devido a "graves violações" das regras de Fair-Play Financeiro, com multa de 30 milhões. No entanto, a equipa inglesa recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), que levantou a exclusão das provas europeias. Não obstante, o TAD condenou o City a pagar uma multa de 10 milhões, por "obstrução" à investigação da UEFA.
Ao fim de três anos de relativo silêncio, em 2023 a Premier League contra-atacou com um rol de 115 acusações contra o Manchester City, relativas a cada ano desde que o Sheikh Mansour comprou o clube. Esta segunda-feira começa o julgamento.
Questionado, na sexta-feira, sobre o tema, o treinador do Manchester City, Pep Guardiola, salientou que "a justiça existe na democracia moderna" e afirmou: "Acreditamos que não fizemos nada de errado."
"Todas as equipas da Premier League querem que sejamos castigados, disso não há dúvida. Mas o que lhes digo é que aguardem pelo painel independente", frisou.
Não se sabe quais serão as consequências de o Manchester City perder, devido à natureza sem precedentes desta batalha legal. É previsível que, se forem condenados, enfrentem uma dedução de pontos brutal - basta ver que o Everton perdeu oito pontos, na última época, por menos violações das regras financeiras da Premier League.
Em declarações ao "Football Insider", em novembro de 2023, o especialista em finanças do futebol Kieran Maguire admitiu que a descida de divisão seria "possível, mas improvável".
"Mas poderíamos estar a olhar para uma dedução de pontos significativa. Poderia facilmente chegar aos 30 pontos de dedução, o que para o City até poderia continuar a permitir a qualificação para as provas europeias", referiu.
Também poderá estar em cima da mesa uma expulsão da Premier League, dependendo de por quantas acusações (se alguma) o clube será considerado culpado.
É igualmente relevante o lado geopolítico da questão. Os Emirados Árabes Unidos são um importante aliado e parceiro comercial do Reino Unido no Golfo, e o seu presidente é irmão do Sheikh Mansour, o dono do Manchester City. Poderão as relações diplomáticas e comerciais entre os dois países ser afetadas pelo desfecho deste julgamento?
De qualquer modo, só é esperada uma decisão em 2025. Além disso, se a decisão for desfavorável ao Manchester City, é muito provável que o clube recorra para o TAD, o que atrasaria mais ainda a imposição de quaisquer sanções.