05 set, 2024 - 16:04 • Inês Braga Sampaio
É pouco provável que quando, em 1932, criou o Ricard, "o verdadeiro pastis de Marselha", como o apelidou, Paul Ricard imaginasse que, 92 anos depois, o aperitivo anisado se tornasse motivo de tamanha revolta entre os adeptos do clube da cidade, o Olympique (OM), que levaria à suspensão de um acordo comercial.
Na segunda-feira, o Paris Saint-Germain anunciou uma parceria de quatro anos com a Pernod Ricard, a empresa que produz o Ricard. Um acordo que torna a companhia a única fornecedora de champanhe e bebidas espirituosas dos clube da capital francesa (a francesa impede um patrocínio na camisola). Acontece que o PSG é o rival histórico do Olympique, pelo que os adeptos marselheses não ficaram nada satisfeitos com o que entendem ser uma "traição" da marca.
Pegando apenas em reações na rede social X, um adepto publicou uma imagem com todas as bebidas comercializadas pela Pernod Ricard e colou o escudo do PSG em cima, "algo para ter em mente ao comprar um 'apéritif' com os amigos". Outro falou diretamente para a empresa: "Há muitos pastis por aí, não precisamos de vocês. (...) Mudem o nome para pastis de Paris, seus traidores."
O histórico líder dos "South Winners", uma das principais claques do Marselha, foi mais sucinto: "Boicote geral!"
O Ricard está tão ligado a Marselha, aliás, que as suas cores são o azul e o amarelo, inspirados no céu e no sol da cidade em que nasceu. No rótulo, tem uma folha de espinho, uma folha ornamental originária do sul de França e que, hoje em dia, é um símbolo do pastis.
Não só os adeptos do OM se revoltaram contra o acordo entre a Pernod Ricard e o PSG. A controvérsia chegou também à política.
Em declarações à estação de televisão local BFM Marseille Provence, o presidente da Câmara da cidade, Benoit Payan, expressou o seu desagrado com a "traição" da empresa às suas origens.
"Não fiquei feliz com a notícia. Francamente, não percebi. Devemos ver isto como um facto de que os marselheses estão a invadir Paris e a tomar controlo do PSG? Isso é o lado positivo. Ou há outras intenções?", questionou, antes de uma reunião com o presidente da Pernod Ricard France, "para lhe pedir explicações": "Há muitas coisas que lhe vou dizer, mas primeiro vou perguntar-lhe como e por que é que nós [marselheses] haveremos de apoiar o PSG."
O caso também chegou aos ouvidos de Lorraine Ricard, neta do criador do Ricard, recordou o tributo emotivo que os adeptos do Olympique fizeram após a morte do seu pai, Patrick, ex-CEO da Pernod Ricard, para dar conta do seu desgosto com o acordo com o PSG.
"Em 2012, a tarja que os adeptos do OM levantaram no dia seguinte à morte do meu pai, Patrick Ricard, tocou-nos profundamente. Marselha nunca esquece os seus filhos. Porém, hoje, a empresa parece ter esquecido este tributo e as suas origens, ao assinar uma parceria com o PSG. Quando o negócio trai as suas raízes, danifica a sua história e coloca em risco o seu futuro", escreveu na rede social LinkedIn.
Na terça-feira, um porta-voz da Pernod Ricard teve de esclarecer, em entrevista à rádio regional "France Bleu Provence", que tinha havido uma "falta de entendimento" sobre a natureza do acordo. A empresa aliava-se ao PSG não como produtor de pastis, mas como o maior vendedor de bebidas espirituosas do mundo, com marcas como a vodka Absolut, o uísque Jameson e o licor Malibu, entre várias outras, sob a sua alçada.
Mas o dano já estava feito entre as hostes marselhesas e a própria família de Paul Ricard e, esta quinta-feira, o caso conheceu novo episódio.
Em comunicado, o presidente e CEO do grupo Pernod Ricard, Alexandre Ricard (descendente de Paul Ricard), anunciou que tinha decidido cancelar a parceria com o PSG.
"Há mais de 90 anos que a história do Ricard está entrelaçada com a de Marselha, onde nasceu, cresceu e se inspirou. E essa ligação é mais forte que qualquer outra coisa. Por isso, a decisão que tomei vem do coração. Estou certo de que as pessoas que trabalharam neste projeto entendem a minha escolha. A Pernod Ricard continuará a clamar orgulhosamente as suas origens e a sinceridade das ligações que unem as nossas marcas às suas comunidades", pode ler-se.
Contas feitas, o negócio entre a Pernod Ricard e o Paris Saint-Germain durou apenas quatro dias.