Mundial 2022

Carlos Queiroz voltou ao lugar onde foi feliz e está a ser feliz outra vez

25 nov, 2022 - 20:30 • Inês Braga Sampaio

Um dos três treinadores portugueses no Mundial 2022 obteve, frente ao País de Gales, a primeira vitória na segunda jornada da fase de grupos. Tulipa, que foi campeão do mundo de sub-20 sob o comando de Carlos Queiroz, salienta a relação entre os jogadores e o selecionador iraniano, cuja carreira "é uma história rica para Portugal".

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"Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz", ditam as regras da sensatez. Carlos Queiroz, homem de opiniões fortes, não deu ouvidos e, três anos depois, voltou ao Irão, para orientar uma seleção presa na bolha da tensão política naquele país. Esta sexta-feira, provou que é a exceção à regra de Rui Veloso e Carlos Tê.

Foi no Irão que Carlos Queiroz prosseguiu carreira depois da controversa segunda passagem pela seleção portuguesa. Ficou nove anos à frente da equipa persa, que qualificou para os Mundiais 2014 e 2018. Os dois apuramentos consecutivos fizeram do treinador português um herói entre os iranianos.

Seguiram-se, depois, experiências de pouco sucesso nas seleções de Colômbia e Egito. Este ano, com o apuramento para o Mundial garantido, a Federação de Futebol do Irão despediu o croata Dragan Skocic, por alegada má relação com a equipa (foram públicos os desentendimentos com Mehdi Taremi, do FC Porto, por exemplo), e a solução recaiu num velho conhecido. Carlos Queiroz voltou ao lugar onde já tinha sido feliz, no entanto, ao contrário do que a canção augura, corre o risco de ser ainda mais feliz.

O primeiro jogo no Mundial 2022 correu mal: goleada por 6-2 diante da Inglaterra e, no final da partida, Carlos Queiroz assumiu que "com todos os problemas com que os jogadores estão a lidar, é muito difícil haver concentração". O Irão tem sido palco de uma vaga de protestos em massa há mais de dois meses, catalisada pela morte, a 16 de setembro, de Mahsa Amini, iraniana curda de 22 anos, detida três dias antes pela "polícia da moral" por violar o rigoroso código de vestuário da República Islâmica.

Ao segundo jogo, a felicidade: vitória por 2-0 sobre o País de Gales e via aberta para um histórico apuramento para os oitavos de final do Mundial. No final, o treinador português falou de "um dia fantástico" para o Irão: "Voltámos a jogar futebol."

Quem o conhece bem diz que é merecido. Tulipa foi campeão do mundo de sub-20, por Portugal, sob o comando de Carlos Queiroz, em 1991. Era o bis para o técnico - já tinha vencido o Mundial da categoria em 1989 -, que, ato contínuo, assumiu as rédeas da seleção nacional AA.

Em entrevista a Bola Branca, Tulipa salienta que Carlos Queiroz é um treinador que, "ao longo dos tempos, foi mostrando que é um treinador muito competente", tendo tido sucesso em clubes e seleções, tanto nos escalões de formação como com equipas profissionais.

Esta vitória sobre o País de Gales é importante para o treinador, mas também para o Irão, "numa fase conturbada do próprio país", assinala Tulipa. Para o antigo jogador, foi marcante o modo como, no final do encontro, os jogadores do Irão uniram-se em torno de Carlos Queiroz.

"Alerto para a forma como a equipa desfrutou desse momento e a forma como foi acarinhado o seu treinador por todos os jogadores no final do jogo. É sinal de que há ali uma união muito forte, uma simbiose muito forte que é normal que aconteça nas equipas do professor Carlos Queiroz", salienta.

Carlos Queiroz foi selecionador português em duas ocasiões.

Na primeira, de 1991 a 1993, falhou os apuramentos para o Euro 1992, na Suécia, e para o Mundial 1994, nos EUA, e saiu com uma farse que se tornou famosa: "É preciso varrer a porcaria que há na federação portuguesa. Há muita coisa para mudar."

Na segunda, levou Portugal ao Mundial 2010, no entanto, foi afastado nos oitavos de final. A polémica começou com a alegada perturbação de um controlo antidopagem durante o estágio para o torneio, azedou com a eliminação e a quebra da relação com Cristiano Ronaldo ("Como é que explicou? Falem com o Carlos Queiroz", disse o capitão após a derrota com a Espanha) e terminou com uma entrevista ao semanário "Expresso", que deu origem a um processo disciplinar da Federação, devido a frases como esta: "Só saio daqui morto."

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"A história do Carlos Queiroz é uma história rica para Portugal"

"Num país onde as pessoas têm opinião e discutem muito sobre as suas ideias, há sempre alguma controvérsia", refere Tulipa, nesta entrevista à Renascença.

O antigo internacional português salienta que Carlos Queiroz é alguém "com um caráter enorme, que não abdica do seu caráter e da sua personalidade".

"Por vezes, essas pessoas também têm momentos de alguma controvérsia e de alguma infelicidade, porque, se os resultados não apoiarem o treinador, esse mesmo caráter e essa mesma forma de lidar com as pessoas, o compromisso que tem e a disciplina que tem causam algum mal-estar a algumas pessoas", explica.

O currículo de Carlos Queiroz é extenso. Treinou as seleções jovens e AA de Portugal, orientou Sporting e Real MAdrid, foi adjunto de Alex Ferguson no Manchester United. Tem no palmarés um Europeu sub-16, dois Mundiais sub-20, uma Supertaça de Espanha, uma Taça de Portugal e uma Supertaça Cândido de Oliveira.

No Irão, é lenda, pelos dois Mundiais para que apurou a seleção daquele país. Na próxima terça-feira, frente aos EUA, terá oportunidade de engrandecer a lenda, com um inédito apuramento para os oitavos de final de um Campeonato do Mundo. Na opinião de Tulipa, Carlos Queiroz merecia ser avaliado pelos portugueses sob uma luz mais positiva:

"Por norma, em Portugal, ligamos sempre à parte negativa do que acontece no trabalho das pessoas, mas o que é certo é que a história do Carlos Queiroz é uma história rica para Portugal. Não é uma história triste."

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  • João Paulo Silva
    26 nov, 2022 Águeda 14:16
    Haja Deus !!! Até que enfim um homem inteligente, sensato e lúcido. Capaz de reconhecer o mérito de Carlos Queiroz, que é muito. E a quem o futebol português muito deve. Grande Tulipa... excelente jogador, só tem um defeito ... ser portista 🤭

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