Taça das Nações Africanas

CAN não terá transmissão televisiva. Portugal "deveria dar mais atenção à festa do futebol africano"

08 jan, 2022 - 08:42 • Eduardo Soares da Silva

A mais importante prova de seleções do futebol africano arranca este domingo, mas os "broadcasters" portugueses não investiram na competição. A Renascença falou com o treinador Paulo Duarte e o médio Babanco, antigo capitão de Cabo Verde, para perceber o simbolismo da competição, o seu futuro ameaçado e as possibilidades de Carlos Queiroz, Toni Conceição e das seleções dos PALOP.

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A 1 de fevereiro de 2017, Burquina Fasso e Egito mediram forças no jogo das meias-finais da Taça das Nações Africanas (CAN). Era um dos jogos mais importantes da carreira do treinador português Paulo Duarte ao serviço da seleção da Burquina Fasso e o ponto mais alto de um projeto que tinha começado em 2008.

A estrela do Liverpool Mohamed Salah fez estragos e adiantou o Egito no marcador aos 66 minutos, com um grande golo à entrada da área. Aristide Bancé deu nova esperança ao Burquina Fasso. Recebeu um cruzamento de peito na grande área e rematou a contar, aos 73 minutos. O empate só se desfez nos penáltis e a seleção de Paulo Duarte foi eliminada.

Foi um momento importante para o Burquina Fasso, que surpreendeu muitos, superou as expectativas e derrotou as probabilidades ao chegar às meias-finais da prova mais importante de seleções africanas. Em Portugal, muitos assistiam ao feito do treinador português pela televisão.

A 33.ª edição da CAN arranca este domingo e além dos problemas relacionados com a pandemia e com as resistências dos clubes europeus para ceder os jogadores, a prova não terá transmissão televisiva em Portugal. Se fosse hoje, o feito de Paulo Duarte não teria sido acompanhado em Portugal.

Nesta edição da Taça das Nações Africanas estarão dois treinadores portugueses - Carlos Queiroz no Egito e Toni Conceição nos Camarões -, 20 jogadores cedidos por clubes portugueses e duas seleções dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP): Cabo Verde e Guiné-Bissau. Ainda assim, não há forma legal de assistir aos jogos em Portugal pela televisão.

Paulo Duarte, hoje com 52 anos, é um selecionador com muita experiência no futebol africano. Esteve oito anos no Burquina Fasso, dois no Gabão e é atualmente o treinador do Togo, onde arrancou em 2021 um novo projeto. Esteve em três fases finais da CAN, o "expoente máximo do futebol africano".

"É o auge para uma seleção, tirando o Mundial, mas nem todas as seleções têm a felicidade de lá chegar. Costumam ser sempre as mesmas. A CAN é o que todos ambicionam jogar e ganhar. É o coroar da festa do futebol africano. Muitos dos países africanos vivem politicamente do futebol. As dificuldades e necessidades são encobertas com os sucessos no futebol. A CAN motiva os africanos", conta, à Renascença.

Em 2017, a caminhada teve um duplo sabor para o treinador: "Teve dois paladares diferentes, porque o título estava nas mãos, mas sentimos o dissabor de perder as meias-finais nos penáltis. Conseguimos 68% de posse de bola contra o Egito, dominámos e criámos. Fomos considerados a equipa que melhor futebol praticou naquela CAN, mas perdemos o acesso a final. Éramos uma equipa que transpirava qualidade e confiança e iria terminar a final como começou, frente aos Camarões".

Paulo Duarte lamenta que não haja transmissão para Portugal

O treinador lamenta que a CAN não tenha transmissão televisiva, até porque vê o futebol africano cada vez mais integrado em Portugal.

"Portugal já percebeu que o mercado africano se calhar é mais apetecível e barato do que outros, como o brasileiro. Se não quer dar visibilidade e atenção à CAN é porque o povo português não exige e não está interessado, mas a realidade é que o futebol africano está em Portugal. Para mim, como treinador, gostaria que a notoriedade e visibilidade do futebol africano fosse maior, porque há talento em África. E é uma contradição, porque os clubes europeus têm todos africanos de talento nas equipas", contesta.

Babanco é o antigo capitão da seleção de Cabo Verde e o jogador com mais internacionalizações da história da seleção, com 67 jogos disputados. O atual médio da União de Leiria apresenta outro motivo para assistir à CAN: há muitos jogadores com nacionalidade portuguesa na prova.

"Há muitos jogadores que jogam cá e estão na CAN. O povo português deveria ver os cabo-verdianos a jogar, até porque muitos também têm nacionalidade portuguesa. Deveriam dar mais visibilidade à CAN, ali consegues ver qualidade, não só dos PALOP", disse.

A catástrofe de uma CAN de quatro em quatro anos

Depois das resistências dos clubes europeus em ceder jogadores para a CAN, Paulo Duarte assume ainda que a FIFA quer tornar a CAN uma competição de quatro em quatro anos, de maneira a "valorizar mais o Mundial, que passaria a ser de dois em dois anos". Paulo Duarte é totalmente contra.

"Estão a tentar minimizar cada vez mais o futebol africano. Tenho ouvido que a FIFA quer por a CAN de quatro em quatro anos e isso é matar o futebol africano. Seria uma catástrofe para África. Um jogador poderia fazer duas CAN na sua carreira. Seria muito mau para o futebol africano, todos conhecem as suas crenças e as dificuldades do futebol africano. Estar a esticar mais a CAN seria muito mau para o que é a necessidade e a dificuldade de sustentar o futebol em África", argumenta.

Paulo Duarte na Taça das Nações Africanas em 2017. CAN Foto: Reuters
Paulo Duarte na Taça das Nações Africanas em 2017. CAN Foto: Reuters
Foto: REUTERS/Siphiwe Sibeko
Foto: REUTERS/Siphiwe Sibeko
Paulo Duarte já orientou o Togo, Burquina Fasso e Gabão. Foto: Lusa
Paulo Duarte já orientou o Togo, Burquina Fasso e Gabão. Foto: Lusa

A CAN que arranca no domingo fica ainda marcada pela resistência dos clubes europeus em ceder os jogadores a meio da temporada. Paulo Duarte entende as dificuldades de alguns clubes, mas não tem dúvidas: a CAN não pode acabar.

"Aceito o que os clubes dizem. França, Bélgica e Alemanha consomem muito do futebol africano e muitas equipas têm, no seu 11 titular, cinco ou seis africanos. Sofrem essa razia, o que dificulta a planificação das épocas e os objetivos. Mas a CAN tem de ser realizada, cada continente tem a sua festa maior. Não se pode acabar com a CAN", atira.

A última Taça das Nações Africanas, em 2019, foi realizada em junho, como as restantes provas de seleções. No entanto, em ano de Mundial, esta edição teve de ser realizada a meio da época europeia. Paulo Duarte é da opinião que "a CAN deveria realizar-se num mês em que não houvesse campeonatos, em junho. Já se fez".

Toni Conceição mais candidato do que Queiroz

Dentro de campo, 24 equipas vão lutar pelo troféu, que será levantado no dia 6 de fevereiro. Paulo Duarte destaca o Senegal e a Argélia, por motivos diferentes.

"O Senegal é o número um de África no 'ranking', mas não há um favorito para mim. É um candidato, mas para mim não é o Senegal que ganha. Tem grandes e os melhores jogadores, mas não tem a melhor equipa, atitude, entrega e o melhor futebol. Há sempre a Argélia, pela sua agressividade e competitividade, para além de ser o anterior campeão", atira.

Por fora correm "os Camarões, que são os anfitriões. São sempre candidatos e uma presença assídua no Mundial, assim como a Nigéria, Costa do Marfim ou mesmo Marrocos. Podem também ser uma surpresa".

Há duas semanas, Toni Conceição assumiu, em Bola Branca, que o objetivo é vencer a CAN.

"Só tenho um caminho que é ganhar. Chegar à final da CAN e ganhar e apurar a equipa para o Mundial 2022 são os dois objetivos claros que estão em cima da mesa”, afirmou.

Paulo Duarte não escolhe o Egito, a seleção com "mais títulos em África". Apesar de torcer pelo sucesso do treinador português Carlos Queiroz, um dos treinadores de maior renome em prova, não acredita que o Egito lutará pelo título.

"Neste momento não me parecem ser uma equipa muito forte. Ainda não vi jogar a equipa com o Carlos Queiroz, mas do que vi nos últimos quatro anos são uma equipa de contenção e organização e vivia muito do contra-ataque com o Salah e o Trezeguet, dois jogadores que alimentam esta equipa, que era muito defensiva, muito fixa. É uma incógnita para mim. O talento perdeu-se muito, o Egito tinha uns 10 jogadores de grande qualidade, mas já não é assim. Espero que seja candidato, porque é um treinador português de provas dadas, mas creio que há melhores candidatos", explica, à Renascença..

Cabo Verde à espreita de fazer história

A seleção cabo-verdiana, a par da Guiné-Bissau, é uma das representantes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) na prova. Babanco é uma referência na seleção. Estreou-se em 2007, somou 67 internacionalizações até 2019 e esteve nas duas presenças da seleção na CAN, em 2013 e 2015.

Para Babanco e muitos outros jogadores, a CAN tem ainda outra importância: "Dá muita visibilidade aos jogadores africanos, principalmente aos jogadores que ainda estão no seu país. A CAN é uma montra muito grande, foi assim a minha experiência. Cheguei à seleção, fiz o apuramento para a CAN e foi por aí que vim para Portugal, para o Arouca".

Cabo Verde foi até aos quartos de final da CAN 2013, na África do Sul e é a melhor memória do médio defensivo da União de Leiria na seleção: "Vencemos Angola 2-1, no fim do jogo, e fomos em frente. Essa é a melhor memória que tenho, foi um momento único na primeira participação de Cabo Verde na CAN. Vou levar para a vida toda".

Agora à distância, o antigo capitão acredita que Cabo Verde pode superar essa participação na CAN e chegar até às meias-finais.

"Tendo visto os jogos, acho que eles têm um grupo coeso e jogadores com garra e vontade. Acho que vão muito longe, talvez possam até chegar às meias-finais. São uma seleção jovem, querem aparecer no futebol e mostrar para a Europa que têm qualidade. Acho que vão chegar, pelo menos, aos quartos de final", prevê o jogador com mais internacionalizações da história de Cabo Verde.

No Togo para repetir feito do Burquina Fasso

Depois de uma breve passagem pelo 1º de Agosto, em Angola, Paulo Duarte voltou ao ambiente de seleção, cargo que ocupou durante a maior parte da carreira.

O objetivo é repetir aquilo que fez no Burquina Fasso e, aos poucos, recolocar o Togo na elite do futebol africano: "O Togo não consegue ir à CAN há cinco anos, não vencia há seis anos fora de casa. Ganhámos dois seguidos. Há 17 anos que não conseguia estar quatro jogos sem perder e também já conseguimos isso. São pequenas vitórias que vão abraçando o projeto, que é renovar a equipa".

Paulo Duarte pega na seleção do Togo, um país com cerca de oito milhões de habitantes, depois do fim de uma "era dourada": "Foi-me proposto um projeto de três anos. Muitas vezes é 'bla, bla, bla', o projeto é resultado. A seleção do Togo é de referência em África, esteve sempre no 'top-10', já foi a um Mundial, mas nos últimos anos perdeu toda uma geração de ouro, com Adebayor, Gakpé, Agassa. Destruiu a estabilidade da equipa".

Para conseguir elevar a qualidade da seleção, Paulo Duarte quer renovar a equipa, mas precisará de se colocar num avião e visitar alguns talentos europeus que estão a resistir representar a seleção do Togo.

"Temos de nos reforçar e renovar para atingir a próxima CAN, se possível. Os responsáveis apostaram no projeto e em mim. Vou renovar [contrato], em princípio, com esse objetivo, de requalificar a equipa. Temos muitos jogadores na Alemanha, o Togo é uma ex-colónia, e outros em França. Está a ser difícil convencê-los pelo passado deles, pela desorganização anterior e pela forma como saíram do país. É um processo lento, tenho de ir lá falar com eles, com os pais e convencê-los. Dos 15 referenciados, se conseguir ganhar seis ou sete, o Togo pode entrar outra vez em destaque na CAN", termina.

Ainda sem o Togo de Paulo Duarte, mas com Carlos Queiroz, Toni Conceição, Cabo Verde, Guiné-Bissau e estrelas como Mohamed Salah, Sadio Mané, Riyad Mahrez, Edouard Mendy e Aubameyang, há muitos motivos de interesse na Taça das Nações Africanas, que arranca este domingo, com um Camarões-Burquina Fasso às 16h00.

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  • sandro castanho migu
    09 jan, 2022 setubal 13:52
    a eurosport perdeu a vontade de transmitir prefere desportos de inverno e snooker va la ter nos dado o dakar .

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