Pandemia promove velhos candidatos. Sporting é um dos muitos líderes improváveis na Europa

16 fev, 2021 - 14:00 • Eduardo Soares da Silva

Dos 15 principais campeonatos do "ranking" da UEFA, 10 têm líderes que não foram campeões no ano passado. O treinador João Aroso destaca o impacto direto e indireto da pandemia da Covid-19 nos resultados das equipas, desde os calendários ainda mais congestionados até aos estádios sem adeptos.

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Nos 15 principais campeonatos europeus, há 10 líderes improváveis que não foram campeões na temporada passada, alguns não são campeões há vários anos e podem esta época colocar um ponto final nesses períodos de seca, como é o caso do Sporting.

Portugal é um dos casos mais óbvios de um líder improvável. O Sporting de Rúben Amorim tomou o campeonato por assalto e leva uma liderança confortável no copo da tabela, com 10 pontos para o FC Porto, segundo classificado, 11 para o Sporting de Braga e 13 para o Benfica. Os leões não vencem um campeonato desde 2002, com Boloni como treinador.

João Aroso, treinador e comentador desportivo, em declarações à Renascença, destaca que a pandemia tem sido um dos fatores diretos e indiretos para as várias surpresas nos campeonatos europeus, quer pelos surtos de Covid-19 nas equipas, jogos à porta fechada e o calendário ainda mais congestionado do que já se verificava no passado.

No caso do Sporting, o técnico atribui muito mérito ao treinador Rúben Amorim, mas acredita que os leões podem ter beneficiado da ausência de adeptos nas bancadas.

"É especulativo, não dá para provar, mas admito que sim. Por dois motivos: havia um clima de contestação de um setor de adeptos do Sporting e isso era claro em alguns momentos menos positivos e poderia prejudicar o rendimento da equipa, e de um plantel muito jovem, alguns até juniores. Não estão habituados à pressão elevada e isso poderia condicioná-los, admito essa possibilidade", atira.

Sporting à... Chelsea

Os leões foram eliminados nas pré-eliminatórias da Liga Europa e João Aroso traça uma comparação com o título conquistado pelo Chelsea em Inglaterra, em 2016/17: "Quando o Chelsea foi campeão com o Conte, a jogar num sistema parecido ao Sporting até, também não tinha competições europeias".

No entanto, João Aroso acredita que a ausência de adeptos tem prejudicado a grande maioria dos clubes grandes, tirando o impacto do fator casa em algumas partidas: "Tendencialmente pode ser negativo, os clubes grande estão habituados a estádios cheios e a essa pressão. A ausência de público retira alguma capacidade de estimulação e motivação para os níveis exigidos. Mas, por outro lado, a menor pressão também pode ajudar em equipas mais jovens", explica.

Calendário aperta, cansaço físico e mental acumula

A temporada 2019/20 acabou consideravelmente mais tarde em praticamente todos os campeonatos europeus, devido à suspensão dos mesmos na sequência da propagação da pandemia da Covid-19 pelo mundo. Como consequência, a competição retomou mais tarde e com o mesmo número de jogos e competições. A I Liga começou a 18 de setembro, enquanto que na última época tinha arrancado a 9 de setembro.

João Aroso acredita que a condensação do calendário tem um impacto muito grande no rendimento das equipas, caso não exista uma profundidade suficiente para uma rotação efetiva da equipa. O técnico fala em cansaço mental e físico.

"Houve uma fase em que se dizia que eram precisas 72 horas para jogadores recuperarem no melhor das capacidades, mas há estudos que mostram que três dias não são suficientres. Há alguns jogadores que superam isso, mas fisicamente o cansaço está lá. Não é tão fácil identificar o cansaço mental, mas percebe-se na dificuldade dos jogadores manterem altos níveis de concentração", atira.

Para além da questão do cansaço dos jogadores, as equipas técnicas ficam muito limitadas a nível de treino e preparação dos jogos uma vez que, jogando de três em três dias, o trabalho foca-se maioritariamente na recuperação dos atletas. Isto prejudica ainda mais as equipas em maus momentos de forma, considera o treinador.

"Com grande densidade competitiva, o tempo de preparação tática e estratégica para o jogo é muito menor. O trabalho de campo não é o mesmo. É um dado inequívoco. Esta questão torna-se mais relevante em equipas que precisam de melhorar. Quando não estão bem, precisam de treinar no campo. Há vídeos e reuniões, mas nada é tão eficaz como treinar no campo. O Braga tem sete semanas seguidas a jogar a cada três ou quatro dias, Benfica e FC Porto não estão em situação muito diferente", explica.

Isto deixa os treinadores com duas opções: "Ou há um plantel muito rico em qualidade e quantidade que permita ao treinador ir rodando para alguns jogadores recuperarem", ou há quebra de rendimento. Em Portugal, João Aroso destaca que "as equipas têm dois ou três jogadores que são 'menos substituíveis', fundamentais, e isso torna difícil a rotatividade".

Os surtos de Covid-19 dentro dos plantéis são mais uma variável introduzida esta temporada e que se tem verificado por toda a Europa e que tem implicação direta na gestão das equipas.

"Se uma equipa tem muitos jogadores de baixa e membros da equipa técnica, há um impacto grande nas rotinas de uma equipa. Jorge Jesus tem dito algumas coisas com um impacto grande. Há o impacto imediato de os jogadores não estarem disponíveis e isso tem implicação quando são muitos. E quando voltam, em que condições é que estão? Nem todos regressam rapidamente à condição física", recorda.

Só na Alemanha se repete líder nas ligas de topo

Nas cinco melhores ligas europeias, segundo o "ranking" UEFA, apenas na Alemanha é que o campeão lidera o campeonato nesta fase. O Bayern Munique sagrou-se octacampeão e leva cinco pontos de vantagem para o segundo classificado, o RB Leipzig.

A liga espanhola é a melhor colocada no "ranking" da UEFA e é liderada pelo Atlético de Madrid, com uma vantagem confortável para os rivais Barcelona e Real Madrid. A equipa de Simeone, que conta com o português João Félix, soma mais cinco que o campeão Real, mas com menos dois jogos disputados.

O Atlético tem estado na luta pelo título espanhol nos últimos anos, principalmente desde que Simeone assumiu o comando técnico, mas os "colchoneros" apenas ganharam um campeonato neste século, em 2012/13.

Em Inglaterra, o Manchester City volta a dominar, depois do "bis" em 2017/18 e 2018/19. O Liverpool "varreu" o campeonato na última temporada, mas não consegue replicar os resultados nesta temporada, com os "citizens" sete pontos na liderança do campeonato e com um jogo em atraso em relação aos rivais.

O Inter de Milão aproveitou o deslize deste fim de semana do eterno rival AC Milan para subir à liderança da Serie A, duas equipas que prometem colocar em risco a hegemonia da Juventus, que é campeã há nove épocas consecutivas.

Em França, na liderança fala-se em português. O Lille é primeiro do campeonato com quatro jogadores portugueses no plantel: Tiago Djaló, José Fonte, Renato Sanches e Xeka. Luís Campos era o diretor-desportivo da equipa e o responsável pela criação do plantel, mas entretanto deixou o emblema.

O Paris Saint-Germain venceu sete dos últimos oito campeonatos mas é segundo classificado, atrás do Lille, e os resultados até já ditaram a saída de Thomas Tuchel do comando técnico. O Lyon é o terceiro classificado e está também envolvido na luta pelo título.

Rússia, Holanda, Bélgica e Áustria seguem a tradição

Nas 15 principais ligas, há mais quatro campeonatos sem grandes surpresas na liderança do campeonato.

A Rússia é o campeonato que mais compete com Portugal pelo sexto lugar no "ranking" da UEFA e o Zenit caminha para a revalidação do título de campeão. A equipa de São Petersburgo foi campeã na última época com larga vantagem para o CSKA de Moscovo e já leva quatro pontos de diferença esta época.

A Holanda terminou a última época sem campeão. A Eredivisie não regressou após o confinamento da primavera de 2020 e a época terminou sem título entregue. O Ajax liderava na época passada com os mesmos pontos do que a surpresa AZ Alkmaar.

Esta época, o clube de Amesterdão, que tinha vencido o título em 2018/19, lidera com seis pontos de vantagem para o PSV Eindhoven, que tem mais um jogo disputado do que o Ajax.

Do outro lado da fronteira, o Club Brugge dominou na época passada e o estatuto mantém-se nesta temporada. A equipa treinada por Philippe Clément soma mais 13 pontos do que o Antuérpia, que é segundo classificado. O Anderlecht, outro gigante belga, é quarto a 18 pontos do Brugge.

Na liga austríaca, o RB Salzburgo venceu todos os campeonatos desde 2013/14 e é ainda líder nesta temporada, apesar da luta estar renhida com o Rapid de Viena.

Surpresas nas ligas periféricas

Na Escócia, o Rangers de Steven Gerrard está encaminhado para terminar com o ciclo de vitórias do eterno rival Celtic, que venceu nas últimas nove épocas, algumas das quais sem o Rangers na primeira divisão, que começou do zero devido a problemas financeiros.

O Rangers ainda não perdeu esta época na liga, com apenas quatro empates em 28 jogos disputados, com 18 pontos de vantagem para o Celtic.

Na Ucrânia, Luís Castro não está a conseguir replicar o sucesso da última época e cede a liderança da liga ao Dínamo de Kiev, com mais três pontos. O Shakthar venceu os últimos quatro campeonatos.

A Turquia é um dos campeonatos mais renhidos nesta altura do campeonato. O Galatasaray lidera, com 48 pontos, mas tem os mesmos pontos que os rival Fenerbahce. Neste país, a surpresa maior foi mesmo no ano passado, com a conquista do título do Basakeshir, que hoje ocupa lugar de descida de divisão.

A Dinamarca é o único país da Escandinávia no top-15 da UEFA e há também surpresa na Superliga. O Midtjylland foi campeão na última época, mas a liderança da liga está com o Brondby, que não é campeão desde 2005.

Por último, o Chipre foi outro dos países que não escolheu terminou a última época e não elegeu campeão. O APOEL foi campeão entre 2013 e 2019, mas quem lidera é o Apollon Limassol, que conta com o defesa João Pedro na equipa, e disputa a liderança com o Omonia e o AEL Limassol.

Nota, ainda, para o campeonato grego que é o 18.º no "ranking" da UEFA, mas é liderado pelo Olympiacos, de Pedro Martins. É um dos casos em que o campeão em título já tem margem bem folgada sobre a concorrência. A equipa de Atenas, que esteve no grupo do FC Porto na Liga dos Campeões, vai na frente, com 14 pontos de vantagem sobre o PAOK.

O treinador João Aroso, com 25 anos de carreira e passagens pelas camadas jovens do Boavista, seleção nacional como adjunto, tendo ocupado ainda o cargo de preparador físico no Sporting, reconhece que existe "uma complexidade muito grande" nesta temporada em termos "do impacto que a Covid-19 tem tido no futebol", que tem afetado os campeonatos e o futebol em todo o mundo.

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