15 jul, 2024 - 05:20 • Francisco Sousa (comentador e analista)
Foi uma final que foi rapidamente do tenso e aborrecido para o patamar do aberto e emocionante. Os golos têm sempre um peso significativo na maior/menor abertura de uma partida que decide um título tão importante, mas a inteligência dos jogadores, a perceção do espaço certo a ocupar, a boa tomada de decisão e a execução técnica explicam muito do caminho para saber resolver quebra-cabeças.
A vitória da Espanha tem muito do poder criativo dos elementos da zona mais adiantada, mas também do cérebro em andamento que foi Fabián Ruiz ao longo de todo o torneio. A preocupação inglesa no primeiro tempo foi clara: utilizar referências individuais na marcação, com especial destaque para o acompanhamento de Foden a Rodri (colegas no City) e assim conseguindo limitar, entre o 4-2-3-1 e o 4-4-1-1, a construção mais ordenada da ‘roja' a partir dos médios - só Laporte dava algo de diferente a partir de trás. Stones impunha-se do outro lado, Saka agitava a partir da direita, com algum envolvimento de Walker e Shaw a subir a espaços na esquerda.
A saída de Rodri ao intervalo acabou por trazer uma interpretação diferente do jogo por parte dos ingleses. Zubimendi avançou para o lugar do médio ‘cityzen', ora procurando movimentos mais subidos, ora tendo Ruiz a fazer-lhe companhia na base. Foden ficou claramente mais perdido na referência de pressão que tinha face aos 45 minutos iniciais.
O 1-0 nasceu de um movimento de Fabián Ruiz mais aberto e baixo à direita, abrindo em Carvajal no flanco, com o lateral do Real Madrid a fomentar a ligação com Lamine Yamal, que foi até ao corredor central em ruptura para descobrir o extremo do outro lado (Nico Williams), para uma finalização precisa de pé esquerdo.
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Esse lance significou o nascimento de uma Espanha mais precisa na associação, quer a partir da precisão do passe médio-longo de Unai Simón, dos apoios de Morata, dos movimentos entrelinhas de Dani Olmo e Yamal e das desmarcações de fora para dentro do perigosíssimo Nico.
A sucessão de oportunidades não resultou no segundo golo e Southgate procurou novamente agitar a partir do fator individual. Dentro de um modelo especulativo e que raras vezes aproveitou um plantel talentoso, valeu ao selecionador inglês a confiança em jogadores alternativos como Watkins (lançado outra vez para o lugar de Kane) e Cole Palmer.
O avançado do Aston Villa decidiu com os Países Baixos, com assistência do homem do Chelsea, que relançou a final numa jogada em que participou na génese (abrindo para Saka na direita) e na finalização calibrada como de costume, com a canhota. Tudo isto partindo da saída de bola de Pickford, mais hábil a procurar ligações longas do que propriamente a servir a equipa em toque curto.
Outro dado admirável na nova campeã da Europa, e evidenciado em todos os jogos na fase a eliminar, é a capacidade de reação aos golos sofridos. Foi assim com a Geórgia, Alemanha, França e também não poderia deixar de ser dessa forma no encontro mais determinante. Os extremos não deixaram de despontar no corredor central para gerar diferenças, em combinação com Dani Olmo e potenciando o novo «9» (falso, neste caso), Oyarzabal.
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Num jogo de riscos, a turma ibérica soube perceber que não podia deixar de ser fiel à identidade que tinha valido seis vitórias anteriormente. Laporte meteu um passe vertical em Fabián Ruiz, que descobriu Olmo na meia-esquerda e aí soltou-se a criatividade do melhor jogador da fase a eliminar da prova: passe luxuoso para Oyarzabal, que ligou na largura com Cucurella e foi receber um passe notável do lateral-esquerdo à área, no limite do fora de jogo, para decidir um duelo que teve novamente dedo dos treinadores e que acabou por premiar a melhor equipa do último mês na Alemanha.
Na baliza, sobressaiu Mamardashvili. Jogou apenas quatro partidas, mas destacou-se pela elasticidade, segurança e nível técnico entre os postes. Maignan é a alternativa óbvia.
A linha defensiva conta com um Carvajal que justificou a chegada a este lugar pela final (estaria aqui Kimmich, se assim não fosse), centrais imponentes e clarividentes que nem chegaram à final (Akanji-Saliba, com Pepe, Calafiori e Laporte como alternativas) e a surpresa polivalente Ferdi Kadıoğlu à esquerda (com o inevitável Cucurella e Nuno Mendes em evidência também).
Daí em diante, impera a ‘roja'. Rodri e Fabián Ruiz formaram um duo luxuoso, com capacidade para coordenarem a pressão em zonas altas, recuperarem bolas, criarem no passe e chegarem para decidir perto ou dentro da área oposta. Xhaka, Reijnders ou Vitinha somaram exibições de luxo e só não chegaram ao 11 ideal pelos motivos óbvios anteriormente mencionados.
Numa linha mais adiantada, Dani Olmo catapultou-se para um papel de protagonista com exibições incríveis de técnica (na recepção, passe e remate) e números decisivos. A completar o onze, um inevitável trio, sem referência fixa de ataque: o mago Lamine Yamal, o veloz e determinante Nico Williams e o criador com chegada Jamal Musiala. Com alternativas luxuosas como Arda Güler, Simons, Gakpo, Sabitzer ou Mikautadze.