14 jul, 2024 - 09:50 • Inês Braga Sampaio
Aos 17 anos de idade e 178 centímetros de altura, Lamine Yamal já faz chorar homens adultos, mas ainda tem pela frente mais quatro ou cinco anos de marcas na ombreira da porta. O próprio Jude Bellingham, já com 21 anos, só agora terá desenrolado a fita métrica até ao fim. O extremo espanhol e o médio inglês, grandes figuras das respetivas seleções que se vão encontrar na final do Euro 2024, são estrelas precoces, o que significa que o seu desenvolvimento exige mais cuidados que o de um jovem que passe cada barreira no tempo "normal".
Esta é a primeira época de Yamal como profissional. Aos 17 anos (feitos no sábado), o avançado fez 50 jogos no Barcelona (com sete golos e sete assistências) e prepara-se para cumprir o 13.º (sétimo, neste Europeu) pela seleção espanhola. Ao todo, são 63 jogos, na primeira temporada ao mais alto nível e quando a barba ainda nem passa de penugem.
"Em termos do desenvolvimento das capacidades motoras, entre os 16 e os 18 é a idade ótima para o desenvolvimento da força, portanto ele está praticamente no início do estágio de desenvolvimento otimal da força", exemplifica o preparador físico Mário Monteiro, que trabalhou com Jorge Jesus durante quase 20 anos, da União de Leiria à segunda passagem pelo Benfica.
O técnico explica à Renascença que, entre os 12 e 13 anos, "o trabalho das capacidades motoras é mais direcionado para velocidade e coordenação", ao passo que, a partir dos 16, é feito "o trabalho de força propriamente dito, que se enquadra mais com a força específica do futebol".
"Tudo isto tem a ver também com o pico hormonal entre os 17, 18 anos, que é a fase da adolescência, portanto é a idade ótima, quanto à exigência da competição", sustenta.
Também foi por esta altura que Jude Bellingham, hoje em dia figura maior do Real Madrid e da seleção inglesa, surgiu no futebol profissional. Iniciou a primeira época como sénior (44 jogos), no Birmingham City, aos 16 anos e, aos 17, dava os primeiros passos de uma temporada com 46 partidas no Borussia de Dortmund. Bellingham e Yamal foram expostos em tenra idade à dureza física da alta competição.
Mário Monteiro alerta que "é preciso ter algum cuidado" com a gestão de um adolescente no desporto profissional, "sobretudo na aplicação da carga, ou seja, relativamente ao esforço físico, nomeadamente o trabalho de força, que é muito importante para o futebol".
"Agora, é precoce? Só o futuro é que o poderá dizer, mas penso que, no caso dos desportos coletivos, não se sente tanto quanto ao desporto individual, sobretudo no atletismo ou naquelas modalidades mais completas como o triatlo e o iron man", refere.
Carlos Pereira trabalhou durante vários anos na formação do Sporting e foi adjunto de Paulo Bento na equipa principal. Passaram-lhe pelas mãos jogadores como Cristiano Ronaldo, Luís Figo, Nani e Ricardo Quaresma.
Para o antigo treinador, no momento de lançar um jogador no futebol profissional, "acima de tudo, tem de se perceber qual é o estrato familiar do jovem".
"A família, o empresário e toda a estrutura envolvente têm aqui um papel super importante, no acompanhamento do dia a dia. Porque, depois, estes miúdos, com estas idades e já com uma visibilidade tão grande, começam a ter muito convívio e, às vezes, não são os convívios mais adequados. É todo um processo e tem de haver à volta deles uma proteção muito grande", alerta.
De repente, para um jovem que sobe com tenra idade à equipa principal, "as coisas depois parecem muito fáceis, aparece muito dinheiro, aparecem carros": "Há que ter aqui um grande, grande acompanhamento do seu dia a dia, para que estes jovens que prometem muito não tenham uma retirada precoce da vida futebolística."
E como se percebe que um jovem de 16, 17 anos está pronto para a alta competição?
"É a sua qualidade técnica, a sua qualidade de decisão. Também é bom ter alguma irresponsabilidade, ou seja, terem ainda o futebol de rua, que hoje em dia cada vez há menos. Se estamos na presença destes talentos, dificilmente os treinadores e as pessoas que os rodeiam se vão enganar. Rapidamente vão atingir um patamar muito elevado. É só esperar. O talento está lá, a qualidade técnica está lá, é só acompanhar. São jogadores que, depois, marcam toda a diferença, porque têm todos os indicadores de que vão ter uma carreira brilhante", assinala.
Mário Monteiro concorda: "Tem muito a ver com a capacidade técnica, tática e física do jogador. O que é importante para a equipa? Face à qualidade dele, quer técnica, quer tática, quer física, se ele reunir isso, e se os treinadores entenderem que ele é uma mais-valia, não tem como não dar uma oportunidade."
Será, no entanto, sensato carregar as pernas, ainda em desenvolvimento, de jogadores de 16 ou 17 anos com 40, 50, 60 jogos logo à primeira época e daí em diante?
Carlos Pereira assegura que os clubes já estão "apetrechado das pessoas mais eficazes" ao nível de acompanhamento psicológico e da alimentação, assim como do trabalho físico.
Mário Monteiro salienta que "o controlo de treino evoluiu muito" e, atualmente, a equipa técnica consegue, "através das ações que ele desenvolve em campo, do controlo feito através do GPS e toda a avaliação fisiológica que é feita, um trabalho hoje em dia muito mais mensurável e fácil de controlar", gerir o esforço do jogador antes que ele se desgaste em demasia.
"Todas as pessoas envolvidas no processo, desde o clube à seleção nacional, terão este cuidado. É questão de fazer um controlo interno da carga. Temos todas as condições e mais alguma para fazer uma avaliação bastante completa e saber até que ponto o jogador está preparado ou já atingiu a exaustão. Tem tudo a ver com a orientação do jovem, sobretudo no que diz respeito às capacidades motoras e aos minutos de jogo", afiança.
O preparador físico frisa que "a carga mais intensa que existe é o jogo" e que é disso que os atletas precisam: "Eu não sou a favor de poupar os jogadores. O jogador precisa de jogar, é o jogo que o faz ganhar condição física e que lhe proporciona um bom momento."
Mário Monteiro lembra que, quando esteve com Jorge Jesus no Flamengo, foram "a equipa no mundo com mais jogos" e que "não foram 70, mas perto de 90", no culminar de "um ano de ouro", com as conquistas do Brasileirão e da Taça Libertadores.
"A questão está em saber recuperar entre cada jogo, porque o jogador precisa de jogar. Jogar a meio da semana e ao fim de semana torna-se muito exigente, mas o segredo está no treino e na recuperação, em saber o que fazer para recuperar. A seguir ao jogo, o ideal é a recuperação e treinos de baixa intensidade para os que daqui a dois, três dias vão jogar novamente", detalha.
Jogadores que ainda se encontram em desenvolvimento físico, como Yamal nesta sua primeira temporada como profissional e Bellingham em 2019/20, requerem mais cuidados ainda.
"É importante controlar a questão de lesões, mas não é fácil detetar quais são os fatores, porque há imensos, e um deles, neste caso, é a especialização precoce, é o treino precoce”, explica Monteiro. "É importante que o treino precoce seja orientado por pessoas bastantes especializadas. Hoje, não há dúvidas de que todos nós estamos bem preparados para assumir este tipo de responsabilidade. Mas treinar um jovem de 16 anos não é assim tão fácil. É preciso ter muito cuidado."
É fácil olhar para o caso de Pedri como um exemplo a não seguir. O jovem médio, também do Barcelona e da seleção espanhola, estreou-se pela UD Las Palmas aos 16 anos e, quando regressou do empréstimo, começou a jogar regularmente pelos "blaugrana" a partir dos 17. Depois de Mundial sub-17, Euro 2020, Jogos Olímpicos e muito pouco tempo de descanso, Pedri "rebentou".
Desde então, é um jogador muito propenso a lesões. O que lhe aconteceu no Euro 2024 é exemplificativo: começou como titular, lesionou-se nos quartos de final, frente à Alemanha, e ficou fora do resto do torneio.
Barcelona
O médio foi eleito "Golden Boy" de 2021. Pedri dis(...)
Carlos Pereira admite que carregar os jogadores com 40, 50, 60 jogos por temporada desde a adolescência não é "uma prática adequada ao crescimento destes jovens" e pode levar a sequelas a médio, longo prazo.
"Tem de haver um acompanhamento ao nível muscular e de esforço. Há indicadores e exames que se fazem para os jogadores em esforço mais elevado e os clubes terão de controlar os minutos que eles vão jogando. Mas hoje em dia quando estamos a falar de um talento desta dimensão, o clube está preparadíssimo para fazer o controlo físico do atleta", ressalva.
No sentido da preparação física, Mário Monteiro também aponta o dedo a uma figura periférica ao clube, mas com forte presença no dia a dia de um jogador: "Às vezes, o maior inimigo das equipas técnicas são os personal trainers."
"Não têm nada a ver com o clube e, paralelamente a toda a preparação que é feita no clube ou na seleção, eles ocupam-se do jogador A, B, C ou D. Está na moda cada jogador gostar de ter o seu personal trainer e eu aceito isso, desde que ele esteja identificado com o preparador físico do clube e da seleção", vinca.
"Se houver um entendimento, poderá ser que as coisas sigam um bom caminho, mas normalmente o que é que acontece? Aquilo que é feito de preparação no clube ou na seleção depois é quase que duplicado outra vez com o personal trainer, porque o personal trainer gosta de mostrar serviço. Já tive experiências bastante más com isso, porque nós sabemos que fora do treino o atleta vai treinar outra vez e vai ter mais carga, quando só precisava, se calhar, de um trabalho de mobilidade, recuperação", acrescenta.
Mário Monteiro lamenta que alguns jogadores pensem que o trabalho que é feito na seleção ou no clube não é suficiente: "Isso é bastante errado."
Os precoces Jude Bellingham e Lamine Yamal vão defrontar-se no domingo, na final do Euro 2024, entre Inglaterra e Espanha, marcada para as 20h00, no Estádio Olímpico de Berlim, na Alemanha.