09 jul, 2024 - 10:25 • Inês Braga Sampaio
Há quem diga que o melhor ataque é a defesa e para a França, no Euro 2024, tem sido mesmo. Incapaz de marcar um golo de jogo corrido ou pelo próprio pé - um penálti e dois autogolos -, a equipa de Didier Deschamps apoia-se na melhor defesa do torneio, liderada por William Saliba, para ultrapassar barreira após barreira.
Os franceses só sofreram um golo, num total de cinco jogos. Mesmo equipas que foram eliminadas mais cedo concederam, pelo menos, dois. Mike Maignan foi buscar a bola às redes apenas frente à Polónia - num penálti que defendeu inicialmente, mas teve de ser repetido e, à segunda, deu golo de Lewandowski. Mérito do guarda-redes do AC Milan e da defesa composta por Jules Koundé, Theo Hernández, Dayot Upamecano e Saliba, talvez o maior destaque deles todos.
O defesa do Arsenal até iniciou a preparação para o Europeu como suplente. No final do estágio de março, Deschamps elogiou as qualidades de Saliba, mas admitiu que, à altura, "a hierarquia [dos centrais] não [o favorecia]". Ao lado de Upamecano jogava Ibrahima Konaté, tal como no Mundial 2022, em que a França foi à final. E era assim que o selecionador francês planeava jogar na Alemanha, até que Saliba conseguiu convencê-lo a mudar de ideias. É algo a que está habituado.
O metro e 92 centímetros de altura dariam a entender que Saliba é lento, duro de rins e tosco, mas isso não poderia estar mais longe da verdade. Aos 23 anos, é o dono das defesas de "gunners" e "bleus" devido à sua inteligência a defender, pelo porte atlético e pelo conforto que sente com a bola nos pés, seja para progredir em drible ou para encontrar passes de ruptura. No entanto, durante a ainda curta carreira, já teve de convencer mais que um treinador das qualidades que, agora, lhe garantem uma vaga na discussão sobre o melhor defesa-central do mundo.
Nascido em Bondy, nos subúrbios de Paris, a 24 de março de 2001, de pai libanês e mãe camaronesa, e formado entre Montfermeil e Saint-Étienne, William Saliba estreou-se na Ligue 1 com somente 17 anos. Logo após primeira época, atraiu o interesse do Arsenal, que pagou 30 milhões de euros para contratá-lo.
A partir daí, contudo, sucederam-se os empréstimos. Primeiro de volta ao Saint-Étienne, depois um período nos sub-23 dos "gunners", a seguir o Nice e, por fim, em 2021/22, o Marselha, em que começou com as dificuldades, mas lá conseguiu conquistar o irredutível Jorge Sampaoli. Uma temporada de sucesso, com o vice-campeonato francês e as meias-finais da Liga Conferência, que garantiram ao jovem central, então com 21 anos, o regresso a Londres.
Era a segunda oportunidade para convencer Mikel Arteta e William Saliba agarrou-a. A defesa estava já bem estabelecida, o seu centro povoado por Gabriel Magalhães e Ben White, mas o francês foi rápido a conquistar a titularidade e empurrar o inglês para o banco. A época terminou mal, com uma lesão nas costas que obrigou Saliba a perder um total de 16 jogos, entre clube e seleção, porém, o lugar já estava ganho e, no curso seguinte, a confiança do treinador manteve-se.
Só faltava mesmo "seduzir" Deschamps. O selecionador francês importa-se com os resultados acima de tudo, todavia, tem os seus preferidos - exemplo disso é a permanência de Antoine Griezmann no onze inicial, apesar de todas as críticas e de só ter dois golos nas últimas 33 internacionalizações. Saliba saltou do banco no primeiro jogo de preparação, que a França venceu, perante o Luxemburgo, por 3-0, e, no segundo (e último), já fez os 90 minutos. Missão cumprida.
Saliba fez o primeiro jogo pela França numa grande competição frente à Áustria, na primeira jornada da fase de grupos do Euro 2024, e desde então mostrou o porquê de ter ganhado a titularidade a um dos homens da confiança de Deschamps.
A estatística favorece-o: é o segundo melhor da equipa em bolas recuperadas, com 29, tem uma percentagem de eficiência de passe de 96,4% (296 passes completados - terceiro melhor da equipa - em 306 tentados - quarto -, e 22 em 24 passes longos) e, mesmo com quatro faltas cometidas, só viu um cartão amarelo. E já defrontou avançados como Lewandowski, Depay, Lukaku e Cristiano Ronaldo.
Para uma equipa com avançados em subprodução, cujo único golo até agora foi da marca dos 11 metros (os outros dois foram autogolos), o melhor ataque é mesmo a defesa. Mais ainda na antecâmara da meia-final com a Espanha, que é (juntamente com a Alemanha, já eliminada) a equipa mais prolífica do torneio, com 11 golos - também é uma das melhores defesas: só sofreu duas vezes.
Neste duelo de titãs e estilos do Euro 2024, William Saliba poderá ser um homens do jogo. E quem sabe se conseguirá o que lhe está a faltar com a França, mas em que já mostrou dotes ao serviço do Arsenal: marcar, ele próprio, um golo.