06 jan, 2025 - 06:45 • Inês Braga Sampaio (entrevista) , Miguel Marques Ribeiro (vídeo)
Francisco Neto avisa que o nível de exigência do Euro 2025 vai obrigar a seleção feminina a transcender-se e atingir um patamar de qualidade superior a tudo o que demonstrou até agora.
"Vamos ter de estar preparados para um Portugal a dar o tal passo em frente que temos vindo a fazer em todas as grandes competições onde participámos, porque aquilo que fizemos até hoje não chegará para concretizar os nossos objetivos, e isso é claro", salienta o selecionador nacional, em entrevista a Bola Branca, após o apuramento de Portugal para a fase final do Europeu.
Num grupo com Espanha, Itália e Bélgica, todas acima no "ranking" da FIFA, Francisco Neto espera surpreender a Europa e chegar aos quartos de final, contudo, rejeita que falhar o objetivo permita rotular Portugal como a "equipa do quase". Até porque, assinala, um dia, a equipa das quinas chegará a uma final e a lamentação será "quase que a vencemos": "E quando a vencermos, queremos vencer a próxima competição.”
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Nesta entrevista à Renascença, o selecionador nacional também defende as opções que toma nas convocatórias, explica a mudança de sistema da seleção, fala da competitividade da I Liga e da entrada do FC Porto no futebol feminino, e revela, em exclusivo, em que estádios Portugal jogará na fase de grupos da Liga das Nações, em que terá pela frente Espanha, Inglaterra e, mais uma vez, a Bélgica.
Antes de mais, parabéns pelo apuramento para o Euro 2025. E remato já com uma pergunta: era preciso sofrer tanto?
Acho que fomos competentes o suficiente para não ter de levar a grande decisão para o segundo jogo [do play-off]. Sabíamos sempre que seria algo muito equilibrado logo à partida, mas a verdade é que na soma dos dois jogos só poderia haver um vencedor, que era Portugal. E acho que na maior parte dos dois jogos, nós fomos altamente dominadores e controladores. Mesmo nos momentos sem bola, acabámos por ser sempre muito mais controladores, tivemos muito mais oportunidades de golo, estivemos muito mais vezes no meio-campo adversário. Podia ter sido outra maneira, é verdade, mas eu acho que foi justo o nosso apuramento.
Há uma coisa que dizem por diversas vezes na seleção: “Se não fosse fácil, não era para nós". Mas não está na altura de começar a ser um bocadinho mais fácil, efetivamente?
Não, nunca vai ser fácil. Nunca vai ser fácil porque nós somos uma equipa ainda em crescimento e no dia em que nós achamos que vai ser fácil, é o dia em que nós não nos vamos apurar. E esta é sempre a nossa mentalidade. Agora, aquilo que eu acho que está mais fácil é a forma e a coragem e a competitividade com que nós vamos para os jogos. Isso torna as coisas mais fáceis, acima de tudo, na forma como encaramos, no nosso espírito. Mas dentro de campo não nos podemos esquecer de onde vimos e daquilo que temos feito para poder chegar a este patamar, mas também temos de ter o máximo de respeito pelos nossos adversários. Ou seja, fácil nunca será.
Nós sabíamos que, estando na Liga B, o nosso trajeto seria sempre este. Quando olhamos, principalmente, para o jogo do Dragão, passa a ideia de uma equipa de Portugal altamente dominadora e que as coisas podiam ter sido diferentes - e podiam. Mas não nos podemos esquecer que, há menos de meio ano, esta Chéquia tinha ganhado à campeã do mundo em sua casa, a Espanha. Ou seja, máximo de respeito por todos os nossos adversários. Não há, neste momento, em contexto internacional, jogos fáceis. Nós vemos as equipas, mesmo de ranking inferior, a dar muita luta e a competir ao mais alto nível, por isso nós temos é de estar preparados para que isto nunca vá ser fácil. Pelo menos, é a nossa mentalidade. Agora, sabemos que, dentro de campo, podemos ser nós a facilitar. A facilitar as coisas, não a facilitar a forma como encaramos as coisas. E eu acho que no Dragão o fizemos com competência. Infelizmente, não concretizámos tanto e passou esta imagem de que podia ter sido um bocadinho mais complicado. Mas também faz parte desta maturidade com que encarámos o segundo jogo. E isso é que nos facilita um bocadinho mais a vida, neste momento.
Portugal prepara-se para disputar a terceira fase final de um Europeu. Depois de 2017 e 2022, agora 2025. É desta que é para chegar à fase a eliminar, depois de Portugal ter sido eliminado na fase de grupos nas duas outras participações?
Essa é a questão que anda a ser muito discutida e nós não vamos fugir dela. Esta é a vez, como foi das outras. Quem acompanha o futebol feminino, tanto os dois Campeonatos da Europa, como o Campeonato do Mundo, sabe que nós chegámos sempre à última jornada a depender só de nós. Não houve nenhuma fase onde isso não acontecesse. E a verdade é que nós queremos chegar ao jogo com a Bélgica a depender só de nós. E depois, sermos suficientemente competentes para poder dar esse passo. Se nós vamos trabalhar muito para o concretizar, não tenho dúvidas nenhumas, à imagem do que fizemos. Mas, às vezes, parece que nós fomos às últimas fases finais só para participar e não com a ambição de querer passar. E nunca foi isso.
A verdade é que, em 2017, não tivemos a arte ou a competência para poder, pelo menos, empatar com a Inglaterra, o que nos permitiria passar, ficando de fora apenas por um golo no último. No último Campeonato da Europa, não fomos competentes na naquela derrota pesada com a Suécia, mas chegámos em condições de que, se ganhássemos esse jogo, poderíamos ter ultrapassado. E no Campeonato do Mundo tivemos os quatro pontos, o empate com os Estados Unidos, que não nos permitiu também dar o passo em frente, precisaríamos da vitória e tivemos mais do que oportunidades para poder concretizar. Agora, isso é que nos leva, isso é que nos guia, esta capacidade de chegar e, seja contra a campeã do mundo, Estados Unidos, seja contra uma das equipas mais poderosas do mundo, a Inglaterra, ou contra a Suécia, nós queremos chegar ao último jogo a querer dar esse passo em frente.
Ou agora com a campeã do mundo, a Espanha, também...
E agora, com a campeã do mundo, com a Espanha.
Por isso, nós queremos muito, mas, mais uma vez, também sabemos onde é que que estamos, qual é a nossa posição no ranking, aquilo que queremos fazer. Mas queremos muito dar esse passo, porque sabemos que temos competência, como temos tido. Como também acho que tínhamos tido competência nas últimas fases finais e por isso é que conseguimos chegar ao último jogo a depender só de nós.
Mas ficando sempre nesse "quase", Portugal também não se arrisca a ficar um bocadinho como "a seleção do quase"? Ou seja, quase que nos apurámos, quase que conseguimos, no caso da Liga das Nações, quase que conseguimos manter-nos na Liga A? Não há esse receio, também, de ficar sempre no "quase”?
É a forma como olhamos para ela. Se nós quisermos olhar para a equipa do "quase", podemos olhar. Se quisermos olhar para a equipa que concretizou, também concretizou. Ou seja, temos estado, nos últimos dez anos, a disputar tantos jogos, jogos tão importantes, a fazer coisas que nunca tinham sido feitas, que, como é lógico, criamos essa ambição e essa aspiração nas pessoas. E nós assumimos essa responsabilidade, porque a verdade é que há dez anos nunca tínhamos conseguido nada e, neste momento, estamos a competir com as melhores do mundo e queremos sempre mais.
...
E ainda bem que assim é, e nós próprios internamente queremos sempre mais. Agora, dizer que esta é seleção do "quase", eu acho que é quase uma ofensa àquilo que estas meninas têm vindo a fazer ao longo destes dez anos. Porque o caminho e a diferença que havia há dez anos para as equipas de "top"... Nós às vezes esquecemo-nos que elas também evoluem, porque estas equipas não são as mesmas que eram há dez anos. E o encurtamento de distâncias que nós temos para estas equipas é algo que é surreal e é incrível. E quem acompanha a seleção portuguesa há dez anos sabe e tem essa noção.
Agora, claro que nós nesses momentos não queremos ficar no "quase", nós queremos dar esse passo em frente. Temos de continuar a crescer, temos de continuar a ser competentes, temos de continuar a fazer evoluir a nossa ideia de jogo, temos de evoluir individualmente, também, as nossas jogadoras, para que as coisas se concretizem. Agora, não há nenhuma equipa no mundo que concretize todos os seus objetivos. E nós, acima de tudo, estar nesse patamar de poder depender só de nós e estarmos a disputar essas quase decisões, é algo que para nós é altamente positivo. Porque, a seguir a passarmos uma fase de grupos, a questão é "quase que chegámos a uma meia-final", quando chegarmos a uma meia-final, "quase que chegámos a uma final" e quando chegarmos a uma final, "quase que a vencemos", e quando a vencermos, queremos vencer a próxima competição. É um processo normal das equipas do alto rendimento.
Além da Espanha, também temos a Itália [e a Bélgica], no grupo do Europeu. O que é que cada adversário pede a Portugal nesta fase de grupos?
Sentimos que o nível de exigência de um Campeonato da Europa é um bocadinho maior do que no Campeonato do Mundo, no sentido de, nos jogos na fase de grupos, a exigência, o nível do ranking das equipas que defrontámos, serem todos muito, muito altos. Aliás, nós somos equipa de pote 4, por isso, todas as equipas vão estar acima de nós no ranking. Por isso, aquilo que é obrigatório é ter um Portugal ao mais alto nível. A melhor versão de Portugal vai ter de aparecer. Vamos ter de estar preparados para um Portugal a dar o tal passo em frente que temos vindo a fazer em todas as grandes competições onde participámos, porque aquilo que fizemos até hoje não chegará para concretizar os nossos objetivos, e isso é claro. E é claro para mim enquanto treinador, é claro para a minha equipa técnica e é claro para as jogadoras. Elas sabem e têm sentido.
Outra característica muito interessante é que muitas das jogadoras que estão a concretizar este trajeto foram aquelas que, há 11 anos, iniciaram o trajeto, quando eu entrei, e que vieram também com esse grupo. Há aqui um grande número de jogadores, uma base muito forte de jogadoras, que nos tem dado esta consistência e que têm sido a âncora, também, de muito daquilo que tem acontecido. E são as mesmas jogadoras que antigamente tinham dificuldade em disputar as coisas e hoje em dia enfrentam olhos nos olhos as melhores equipas do mundo. Mérito muito grande, também, para isso, no sentido em que elas também têm sentido a evolução e essa exigência.
Hm, hm.
Todos os nossos adversários no Campeonato da Europa são equipas que gostam de dominar os jogos, que gostam de ter bola. A Espanha é uma equipa que tem um trajeto incrível, tanto na camada jovens, como nas seniores, com uma ideia de jogo muito bem definida. É uma ideia de jogo que toda a gente consegue olhar e perceber o que é que poderá acontecer, mas poucas equipas conseguem contrariar. A Itália, depois do Campeonato da Europa e depois da mudança de treinador, agora com o Andrea [Soncin], tem crescido imenso, está outra vez muito competitiva. O seu campeonato tem crescido, também, imenso. A Juventus deixou de ser dominadora, para aparecer agora uma Roma com um investimento brutal, o Inter e o Milan estão outra vez a crescer. Ou seja, têm um campeonato interno muito, muito competitivo. E a Bélgica, que fomenta um bocadinho e sustenta muito a sua seleção com um grupo de jogadores muito sólido, que está há muito tempo com o mesmo treinador. É o treinador que está há mais tempo à frente de uma seleção na Europa, e muitas das suas jogadoras estão em campeonatos fora da Bélgica, em contextos altamente competitivos.
São três equipas que normalmente gostam de ter bola, normalmente gostam de assumir os seus jogos, gostam de ter o seu protagonismo, e nós queremos contrariar isso. Porque nós neste momento somos uma equipa que entra nesse patamar, ao contrário do que seríamos, se calhar, há três ou quatro anos, quando tentávamos, mas não conseguíamos assumir tanto. E a verdade é que nos últimos tempos temos conseguido ter o nosso protagonismo e é por aí que devemos continuar.
Portugal eliminou a Bélgica ainda há bem pouco tempo. Foi no caminho para o Mundial 2023. Apesar de a Bélgica estar acima de Portugal no ranking, será uma equipa com que a seleção portuguesa terá uma certa expectativa de conseguir superar, em relação às restantes?
Eu acho que sim. Com a Bélgica, é sempre 1-0 ou 1-1 ou 0-0 ou 2-1 para nós ou para elas. Ou seja, são resultados sempre muito equilibrados, fruto da competência das equipas. É uma equipa que anda aqui a lutar na mesma dimensão que nós. No último Campeonato da Europa conseguiu apurar-se para os quartos final. Caiu connosco, num jogo altamente disputado, no apuramento para o Campeonato do Mundo, mas é uma equipa que tem muita experiência e a sua qualidade demonstra-se pela capacidade que teve em manter-se também na Liga A [da Liga das Nações] e ser altamente competente, por isso, não vai ser um jogo fácil. Muita gente olha e dá quase como adquirido esse jogo da Bélgica. As coisas não são assim, não são tão lineares. Teremos, também, agora a Liga das Nações para percebermos isso e acho que vão ser três jogos muito equilibrados, três jogos de grande competitividade, em que tem de aparecer a melhor versão de Portugal.
Na primeira convocatória após o Mundial 2023, disse que a seleção entrava num novo ciclo. Mas a verdade é que, fora as três adicionais pelo facto de ser uma lista de 26 jogadoras em relação à lista de 23 do Mundial, nesta última chamada para o play-off só mudou três jogadoras em relação ao Mundial. Uma a Sílvia Rebelo, que já não joga, e outras duas por lesão, a Lúcia Alves e a Telma Encarnação. Esta mudança de ciclo pouco de mudança parece ter.
Na vossa opinião. Porque uma coisa é a chamada de jogadoras a espaço seleção; outra coisa é os minutos e a utilização dessas jogadoras em espaço seleção. E as mudanças fazem-se disso. Nós temos um espaço de sub-23, temos um espaço de AA e nós temos de potenciar as nossas jogadoras para isso. Se olharmos para o protagonismo das jogadoras - e quando eu digo protagonismo é no sentido dos minutos dentro de campo, porque a criação de uma equipa de futebol é muito mais do que só os jogadores que estão e que jogam. E na alta competição nunca podemos descartar a experiência, a maturidade que as jogadoras nos podem aportar dentro de um grupo, e eu entendo que quem está fora possa não entender, às vezes, esse tipo de visão. Mas a verdade é que, em termos de protagonismo, podemos pegar em alguns nomes facilmente, ou seja, olhar para um Campeonato do Mundo e ver os minutos que uma Telma Encarnação teve, que uma Andreia Jacinto teve, mesmo que uma Francisca Nazareth teve, e comparar agora com a fase de apuramento que tivemos.
Nós olhamos muito para o novo ciclo, aquilo que vocês chamam - que eu não chamo - de renovação, porque acho que a qualidade e a competência não podem nunca ter o bilhete de identidade. A renovação não pode ser por causa disso, nós temos é de olhar para aquilo que elas conseguem fazer dentro de campo. Enquanto decidimos que as jogadoras que estão nos aportam alguma coisa e que são importantes para nós é - e felizmente os resultados têm-nos garantido isso -, para nós faz sentido que elas continuem. Por isso, quando se fala da tal renovação, para nós o que faz sentido é este grupo de jogadoras que começam a ter mais minutos, porque estão mais confiantes, estão mais preparadas, porque tiveram alguém que as acolheu e que lhes soube dar os seus espaços e que lhes soube dar a maturidade de que elas precisam. Porque o nível é tão alto que nós não podemos pegar e é difícil para as jogadoras pegarem e terem facilidade em entrar diretamente numa seleção AA. E por isso é que nós temos o projeto das sub-23, onde temos muitas jogadoras a crescer, que depois vêm ao espaço da seleção AA, vão ganhando o espaço delas, vão ganhando os minutos delas e depois afirmam-se de uma forma completamente natural.
O caso da Lúcia Alves, o caso da Catarina Amado. Foram jogadoras que andaram connosco numa fase inicial, se calhar, meia época, uma época com poucos minutos. Foram tendo os minutos delas, foram mostrando a competência delas, foram entendendo, acima de tudo, aquilo que nós, enquanto equipa técnica, queremos para elas e para a ideia de jogo e, quando estiveram preparadas, começaram a jogar e a estar. E, se calhar, jogadoras que no passado tinham mais minutos, deixaram de os ter, mas não deixam de ser importantes na construção de um grupo e na consistência, solidez e maturidade de um grupo para poder estar ao mais alto nível. Porque pegar numa jogadora e colocá-la diretamente em espaço de seleção AA não é fácil.
Mas também não haveria um bocadinho mais espaço para trazer jogadoras novas, além daqueles três lugares extra que uma lista de 26 jogadores permite?
A seleção não é fechada, as convocatórias são abertas. Nós olhamos e vemos o espaço de seleção entre sub-23, espaço das AA. Observamos todas as jogadoras portuguesas a jogar e, depois, tomamos as decisões em função daquilo que é a nossa ideia, em função daquilo que nós queremos, para o nosso jogo, para a competitividade. Agora, nós temos é que entender que, infelizmente, e isso é algo que para nós tem sido difícil - não só para nós, porque se formos olhar para Espanha, para Inglaterra, para França, para os Países Baixos -, não há nenhuma seleção do mundo que não tenha uma base muito sólida de jogadoras, que te dê essa consistência?
Problema dos últimos anos: desde que abriu a Liga das Nações, deixou de haver jogos particulares. A partir de agora, todos os jogos são oficiais e o nível é muito alto. Ou seja, isto fechou ainda mais o espaço às tais experiências que às vezes poderiam acontecer. Estás na Liga A, tens de competir com os melhores e, nesse sentido, tens de trazer aquelas que consideras que são as melhores e que te podem dar melhor rendimento. Três, quatro dias de preparação para isso, tens de escolher aquelas que te dão mais garantias. Eu percebo que outras pessoas escolheriam outras jogadoras - não tenho dúvidas disso. Não tenho é dúvidas nenhumas de que, fosse quem fosse, se calhar, em 26, 20 jogadoras todos nós iríamos escolher e, depois, havia cinco, seis que, se calhar, iriam ser diferentes. Isso tranquiliza-me. Agora, se a Inês me dissesse que tinha 20 jogadoras novas que não cabiam nestas 20, eu aí estranharia o meu trabalho, mas não me acredito que me conseguisse dar uma lista de 20 jogadores completamente diferente daquelas que nós temos vindo a apresentar.
Nesse sentido, há alguma jogadora que já gostasse de ter chamado ao espaço de seleção e que ainda não tenha tido oportunidade?
Nós estamos sempre muito perto das jogadoras. Há jogadoras em que vemos muito potencial, mas como eu estava a dizer, nós fazemos acompanhamento de seleção sub-23, há jogadores que vamos trazendo e vamos percebendo. A Andreia Bravo saltou diretamente das sub-19 para o nosso espaço de seleção AA, nem passou pelas sub-23. Esteve connosco, foi internacional AA, estamos a perceber agora qual é o contexto dela. Tem espaço para continuar a ter minutos, faz sentido trazê-la, está cada vez mais preparada. Vai às sub-23 maturar um bocadinho e ganhar experiência internacional, ter mais minutos, ser uma mais-valia lá, para depois poder vir mais preparada ou fica connosco já nas AA? Ou seja, temos feito muito este trabalho em sintonia. Agora, como é lógico, as jogadoras que nós queremos chamar, nós chamamos. Já aconteceu, em alguns momentos, jogadoras que estava na altura de as chamar, mas entretanto ficaram lesionadas ou tiveram períodos menores e depois acabaram por não ser chamadas. Mas temos as jogadoras todas seguidas e aquelas que nós entendermos no tempo que entendermos que temos de chamar, iremos chamar.
Entrevista Bola Branca
Pendurou as botas aos 31 anos, mas só "um bocadinh(...)
Em entrevista a Bola Branca, a antiga central internacional portuguesa Mónica Mendes lamentou a forma como deixou a seleção AA, por não ter tido uma palavra nesse sentido do selecionador. Arrepende-se da forma como tratou este processo?
Não é uma questão de arrependimento. Isto é uma questão natural. A Mónica não foi deixada de lado. A Mónica continuou a ser colocada e foi chamada em pré-convocatórias, digamos assim. Houve conversas diretas na altura com o treinador da Mónica, o Eric, que era o treinador do Servette. Mas por questões, na altura, técnicas e táticas, decidimos não chamar a Mónica. Houve outras jogadoras que surgiram nesse espaço e começaram a dar rendimento e, para nós, é uma forma natural... E é alta competição. Ou seja, fui eu que decidi no sentido de não a chamar, mas quando eu não chamo uma jogadora, à imagem de outras que já deixei de fora das convocatórias, nós não ligamos às jogadoras a dizer que elas vão ficar de fora da convocatória, porque poderão aparecer na convocatória seguinte ou poderão aparecer só daqui a meio ano ou daqui a um ano, como aconteceu. A questão é que no lugar de umas vêm outras e se essas outras continuarem a dar rendimento...
Eu percebo a situação de jogadoras que estão na seleção há muito tempo, têm muitos anos de seleção, deixam de ou não foram chamadas... Percebo a insatisfação das jogadoras, mas o procedimento que foi para a Mónica é o procedimento que tem sido também para outras jogadoras. O procedimento foi exatamente o mesmo para a Sílvia Rebelo, que depois acabou por não ser chamada a partir do Campeonato do Mundo. É o procedimento que temos, porque ter de dar justificação a todas as jogadoras que fiquem de fora da convocatória...
Aqui, se me permite fazer só a emenda, a Mónica não diz que gostaria de uma justificação. O que ela disse na entrevista à Renascença foi que gostaria que houvesse uma mensagem a dizer: “Pronto, olha, adeus".
Sim, mas a questão aqui é que não há um adeus. Porque se tu estás numa pré-convocatória e segues nessa pré-convocatória para a frente, é sinal de que não há um adeus. Ou seja, há um sinal de que continuas a ser observada. Quando nós sentirmos que desportivamente vais corresponder àquilo que nós queremos, podes vir a ser chamado outra vez. Ou seja, não houve um adeus. A Mónica não deixou de estar nas pré-convocatórias seguintes, como a Sílvia Rebelo não deixou de estar nas pré-convocatórias seguintes ou como outras jogadoras não estiveram nesse lote de pré-convocatórias.
Eu estou aqui a falar da Sílvia Rebelo, mas podia falar de outros casos. Só falei da Sílvia porque há um bocado falou-se do nome da Sílvia. O procedimento é igual para toda a gente. Volto a dizer como é o procedimento de seleção, se calhar muita gente não tem noção. A equipa técnica, 15 dias antes de uma convocatória, informa todos os clubes de uma lista de cerca de 40 jogadoras que estão pré-convocadas, no sentido de os clubes, saberem que, à data da convocatória, este é um leque de jogadoras que nós achamos que poderão ser convocadas.
...
Isto permite-nos comunicar com os treinadores. Os departamentos médicos dos clubes, com 15 dias de antecedência, conseguem fazer um relatório se houver algum problema com as jogadoras entretanto, e nós estamos em permanente comunicação com esses departamentos médicos. Para nós, enquanto treinadores, também fica mais fácil a comunicação com os treinadores. E toda a gente fica em sintonia. Se os clubes informam as jogadoras dessa pré-convocatória ou não, já não nos cabe a nós, ou seja, nós aí não estamos em comunicação com as jogadoras. Nós estamos em comunicação com os clubes e com as equipas técnicas. Depois, lançamos a convocatória. Nesses casos de que estamos aqui a falar, o procedimento foi todo esse.
Já falámos aqui um pouco de futebol, mas voltemos a falar. Hoje em dia, a aposta costuma ser nas três centrais, com Ana Borges como central do lado direito. Porquê essa opção, depois de tantos anos a jogar naquele 4-4-2 losango?
Até ao Campeonato do Mundo, e o apuramento para o Campeonato do Mundo, jogámos sempre numa estrutura de 4-4-2 losango, em que nos sentíamos muito confortáveis. Na preparação para o Campeonato do Mundo, começámos com o nosso 3-5-2, aquilo que lhe queiram chamar. Mas aquilo que nós sentimos, depois do Campeonato do Mundo, é que nós teríamos de dar o passo em frente, porque a nossa capacidade para dominar os jogos era vincada. O 4-4-2 losango estava a dar-nos coisas muito boas, de que nós gostávamos muito, em relação ao nosso jogo posicional, as vantagens numéricas em corredor central, a forma agressiva como conseguíamos estar em espaços entrelinhas e, depois, a atacar a profundidade. Mas a verdade é que, principalmente na largura do jogo, dependíamos muito da capacidade de as nossas laterais terem de se expor, a capacidade de as laterais poderem chegar ao último terço com competência. O 4-4-2 losango, mesmo connosco instalados no meio-campo, muitas vezes fazia com que uma das nossas avançadas tivesse de cair em corredor lateral e nós no último terço precisávamos de gente em corredor central.
Então, andámos à procura de uma estrutura em que conseguíssemos encaixar e de que conseguíssemos tirar bom rendimento de muitas jogadoras e daquilo que estava a começar a surgir: o crescimento de jogadoras como a Catarina Amado, como a Lúcia Alves. A nossa capacidade defensiva e o momento de perda, porque ter quatro no meio é diferente de ter três. Ou seja, o crescimento das nossas médias, ao nível da dimensão defensiva delas, permitia-nos abdicar de quatro ao meio para poder ter já uma estrutura a três. Eu gosto sempre das duas avançadas e da estruturas das duas avançadas na frente para termos um bocadinho mais presença na área.
Certo.
E, acima de tudo, foi: qual seria a estrutura que nos permitiria ter largura e profundidade no jogo, como nós gostamos, e ao mesmo tempo ter aqui algum equilíbrio defensivo? Então, encontrámos esta estrutura, que, com a Ana [Borges] - e eu gosto de ter uma lateral a jogar ali -, permite-nos, a qualquer momento, transformar aquela linha de três numa linha de quatro. E a capacidade que uma lateral tem a recorrer e a controlar os espaços de profundidade nas bolas nas costas das adversárias permite-nos muito esse equilíbrio, tentando ali suprimir um bocadinho, às vezes, a falta de velocidade de algumas das nossas centrais.
Ou seja, passámos para o 3-5-2, acima de tudo, porque garantimos sempre, pelo nosso jogo posicional, muita profundidade com as duas avançadas, garantimos ao mesmo tempo, logo de uma maneira posicional e tranquila, a largura pelas duas alas que jogam por fora, e isto permite-nos ser mais ofensivos e ter um domínio de jogo maior. E o grande desafio à equipa foi OK, temos estado neste neste registo, mas notamos que para fazer golos temos alguma dificuldade, que nos falta aqui alguma largura, temos de ter aqui algumas dinâmicas onde obrigamos as médias a fazer movimentos de extremo e algo por aqui. E então temos de ir à procura de algo diferente e fomos procurar outras estruturas. E a verdade é que, ao fim de sete anos, oito anos a jogar na mesma estrutura, com as mesmas jogadoras, também precisamos de abanar um bocadinho e de fazer as jogadoras sair um bocadinho da zona de conforto. Por isso, também, fomos à procura aqui desta nova estrutura.
Durante vários anos, o jogo aéreo e, em específico, as bolas paradas, foram um problema para a seleção. Mesmo agora, com a Chéquia, Portugal sofre um golo na sequência de um lançamento de linha lateral. É um problema que está a ser resolvido? Como é que está a ser resolvido? Também porque Portugal vai entrar agora, novamente, num patamar de exigência máxima...
Tivemos alturas em que fomos mais competentes, alturas em que fomos menos competentes. Houve ali uma altura, no Campeonato da Europa, principalmente, em que não fomos tão competentes. Depois disso, voltámos a reformular. Cabe-nos a nós, enquanto equipa técnica, e é um bocadinho por aí que temos vindo a fazer, tentar arranjar estratégias para que as jogadoras se sintam mais confortáveis e consigamos resolver esses problemas. Já tivemos, durante muitos anos, uma defesa à zona em que não sofremos golos. Com a mesma defesa zona, acabámos a sofrer muitos golos. Alterámos, agora, para uma situação mista. Temos tido a competência, neste momento, de resolver mais vezes os problemas e sentimos, acima de tudo, a equipa mais tranquila. Agora, nós sabemos quais são as características individuais das nossas jogadoras, sabemos morfologicamente que a mulher portuguesa tem estas características. Comparativamente com muitos povos na Europa, nós temos este "handicap" quando se fala no lado desportivo...
A estatura, em específico.
A estatura. Aquilo que procuramos é tentar arranjar soluções, em função, também, das jogadoras e das características das jogadoras. É algo que nos preocupa, como é lógico, mas é sempre a forma como nós olhamos: também gostaria de referir o número de golos que nós temos marcado por bolas paradas nos últimos anos. É verdade que, defensivamente, tem sido um problema, mas ofensivamente tem sido uma solução muito forte. Estamos melhores, queremos ainda estar melhor, mas também sabemos que vai haver algum momento em que vamos ter que voltar a reformular, porque algo nos vai faltar. Isto também é um bocadinho relacionado com os contextos onde estamos inseridos.
Hm, hm.
O contexto onde a maioria da jogadora portuguesa está inserida não é um contexto que exija um jogo no ar, digamos assim, de grande solicitação - não estou a dizer de exigência, porque os duelos são exigentes em qualquer contexto em que elas estejam inseridas. Mas uma coisa é, enquanto defesa-central ou guarda-redes, teres num jogo dez, 15 bolas em que tens de resolver este problema e outra é teres jogos em que nem sequer tens um canto. Isto acontece nos nossos contextos e em muitos contextos em que a jogadora portuguesa está inserida. Cabe-nos a nós, enquanto seleção, perceber isto e tentar ao máximo arranjar soluções. É isso temos vindo a fazer.
A questão do golo da Chéquia não tem a ver com a abordagem, foi uma questão posicional. Defendemos mal o início e o cruzamento é que não poderia ter existido e as jogadoras sabem disso. Não tem tanto a ver, depois, com a abordagem dentro da área, que era uma abordagem sempre muito difícil. Mas o grande problema foi numa fase inicial e não, depois, na parte do golo. Se virem essa situação, nós estamos mal posicionados e não nos ajustámos àquilo que estava a acontecer e permitimos um cruzamento limpo, um cruzamento sem oposição, que é uma coisa que não pode existir.
Vamos à Liga das Nações. Na primeira edição, Portugal foi despromovida à Liga B, o que depois condicionou o apuramento para o Europeu, porque Portugal teve de disputar a Liga B. Mas agora também conquistou o acesso à Liga A da Liga das Nações, em que está com Espanha, Inglaterra e Bélgica. A Bélgica, um adversário constante. E temos a campeã do mundo e a campeã da Europa pela frente. Qual é a expectativa para esta fase de grupos da Liga das Nações, tendo em conta, também, o que já se passou da primeira vez, e que lições é que tiram dessa estreia?
A grande lição é que é um apuramento e é uma situação de pormenor. Sabemos que a margem de erro é muito pouca e que, quando jogamos contra as melhores equipas, é impossível facilitar no que seja. Um jogo mal conseguido é muito difícil depois corrigir. Foi o que aconteceu. Aliás, nem foi um jogo: na primeira edição, os dois jogos com a Áustria são decisivos, depois de ganharmos e sermos altamente competentes com a Noruega em casa. A verdade é que fazemos, possivelmente, a melhor primeira parte de Portugal, que eu me lembre, nos últimos dez anos - foi o jogo na Áustria. Fomos avassaladores, aos 30 segundos estamos isolados na cara da guarda-redes. Criámos facilmente cinco, seis oportunidades de golo, com grandes chances de o poder fazer. Temos bola no poste, bola na trave. Infelizmente, na segunda parte, não fomos nada competentes. Fizemos uma segunda parte, possivelmente, também das piores de que eu me lembro. Não conseguimos ter esta maturidade de conseguir equilibrar. E quando eu digo isto, não passo o ónus da questão para as jogadoras. O intervalo poderia ter sido de outra maneira, olhando para trás. E e a equipa técnica, metemo-nos, e as jogadoras sabem disso, todos no mesmo barco em relação a isso.
...
A verdade é que esta é a grande lição que levamos da Liga A, é que todos os jogos contam, todos os pormenores contam e todos os pontos contam. Nós teremos de perceber que o nível de exigência ainda vai ser maior do que na última, a nível dos nossos adversários, perceber que jogar duas vezes com a Espanha no espaço de três dias entre jogos é de uma exigência emocional e física brutal. Isso significa que teremos de ter o máximo de jogadores disponíveis para isto, porque, à imagem daquilo que temos vindo a fazer nos últimos anos, de jogo para jogo a rotatividade tem de ser maior. Ou seja, essa é a grande exigência de estar na Liga A. É ter mais jogadoras ainda preparadas para o contexto competitivo da Liga A, porque é difícil, se não fores uma equipa dominadora, e se és uma equipa que passa mais tempo a defender do que atacar, o desgaste físico e emocional é muito maior.
Certo.
E depois, recuperar isso, passado três dias, para voltar a competir ao mais alto nível, é algo muito exigente. Mas ao mesmo tempo, é a isto que nos propomos, é isso que nós queremos. É estar naquela divisão. Sabemos que não é decisivo, tal como não foi agora, mas será importante para nós continuar a competir na Liga A.
E também será uma boa preparação depois para o Europeu, tendo em conta que há jogos da Liga das Nações que são apenas um mês antes?
Sim, e a própria planificação, ao contrário dos outros anos, tem muito a ver com isso, porque nós acabamos no dia 3 de junho e entramos em estágio talvez dez dias depois. Não tem sido esse o registo dos últimos anos, quando estamos a preparar uma fase final. Preparar um jogo quando as jogadoras ao domingo jogam, viajam para a seleção, chegam à segunda-feira e na sexta-feira estão a competir contra essas equipas, é diferente de estarmos em espaço seleção durante dez, 12 ou 15 dias e depois prepararmos o jogo. No entanto, irá permitir-nos perceber quem são as jogadoras que estão mais aptas e mais disponíveis para competir ao mais alto nível.
Já se sabe onde é que Portugal vai disputar os jogos em casa da Liga das Nações?
Sim. Iremos jogar em Portimão com a Inglaterra, em Paços de Ferreira com a Espanha e na Madeira com a Bélgica.
O Francisco Neto tem contrato até 2027, ou seja, até ao Mundial do Brasil. Vê-se a continuar na seleção para lá disso?
Se perguntares se, há 11 anos, eu me via na seleção durante 11 anos, dir-te-ia que não. E aqui, não sei. Gosto muito de onde estou, sinto-me muito confortável naquilo que faço, tenho muito prazer com as pessoas com quem trabalho, do nível de exigência em que trabalhamos, o apoio que tenho da direção e daquilo que nos tem proporcionado e permitido competir. Tem sido maravilhoso. Por isso, enquanto eu me sentir bem e enquanto as pessoas que estão à frente da federação me quiserem, e enquanto eu sentir que sou útil, irei continuar.
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Não penso muito nisso. Nunca pensei muito no futuro. Se me perguntarem, agora, como é que vai ser o Campeonato da Europa, eu tenho alguma dificuldade em pensar nele. Já planifiquei, já sei onde é que vamos ficar, já sei qual é o hotel que vamos usar, já sei quais são as instalações, está tudo pronto, já entreguei, a quem de direito, a minha planificação para julho, por isso o meu foco agora está na Inglaterra e no jogo que vamos ter em Portimão. Será sempre dia a dia, será sempre jogo a jogo.
Agora, claro que eu gostaria [de continuar], era sinal de que as coisas nos tinham corrido bem, era sinal de que eu continuava a desfrutar e era sinal de que as pessoas que estão à frente da federação continuam a gostar de mim e a gostar do trabalho que eu e a minha equipa técnica temos temos vindo a fazer.
Que características é que consideraria fundamentais, na eventualidade de decidir não continuar, ou o que quer que acontecesse, para um selecionador nacional ocupar o seu lugar?
Não há que esconder, não há ninguém que fique nos sítios para sempre. Eu não irei ficar para sempre na federação. Isto não quer dizer que saia daqui a um mês ou que saia daqui a dez anos, mas não será para sempre, isso é certo. O Francisco Neto há de sair e a federação há de continuar. Isso é que é o mais importante. E depois, quem estiver a decidir é que terá de perceber qual é o perfil que quer, porque não me cabe a mim definir qual é o perfil ideal para alistar. Acima de tudo, espero que seja alguém com muita paixão e com muita vontade de querer continuar a defender as cores de Portugal.
Vamos ao campeonato nacional. A seleção está em Europeus e Mundiais, é verdade, tem sido histórico, mas a competitividade da Liga continua a ser nivelada por baixo. É uma preocupação para si que o campeonato seja mais competitivo?
Eu não olho só para os resultados em si, porque se olharmos só para os resultados em si, nós podemos olhar, por exemplo, para um campeonato que toda a gente diz que é um dos melhores campeonatos do mundo, como é o inglês ou como é dos Estados Unidos, e perceber que equipas como o Chelsea, como o Orlando, que tiveram muitas vitórias - ora, a forma como eles têm essas vitórias é que para mim diz se o campeonato está competitivo ou não. O que é que essas equipas têm de fazer? O que é que elas têm de trabalhar? Qual é a exigência dessas jogadoras no dia a dia e no jogo para conseguir essas vitórias? Porque se olharmos só para as vitórias, pode passar a ideia de muito desequilíbrio e, muitas vezes, não é tanto assim.
Se olharmos para o campeonato, apesar de haver equipas dominadoras, os resultados e a forma como esses resultados são obtidos demonstram que o nível tem vindo a subir. Se está no nível que todos queremos? Claro que não. Todos nós queremos mais e melhor. Mas quantos anos tem esta liga? O que é que estamos a fazer para a fazer crescer? De ano para ano está a melhorar ou não? Isso é que são os sintomas e os sinais que nós temos de avaliar.
Se olhássemos só para os resultados da seleção nacional, houve anos que não foram bons. Porque houve anos em que nós ganhámos menos vezes do que aquilo que queríamos. Mas a verdade é que a forma como competíamos contra essas equipas era um indicador. Por isso é que eu, quando olho para a Liga BPI, procuro olhar para isso. Eu e a minha equipa técnica observamos todos os jogos, ou "in loco" ou via TV, todos os fins de semana, e a verdade é que, no cômputo geral, eu vejo equipas cada vez mais organizadas, com uma ideia de jogo cada vez mais definida, jogadoras a terem rendimento e a aparecerem individualmente, treinadores a tirar o melhor partido das características dessas jogadoras. Isso leva-me a crer que o campeonato está mais competitivo. No entanto, ainda não está no patamar onde queremos, mas também sabemos que temos de lá chegar e temos de continuar a trabalhar para lá chegar.
A subida de patamar também se pode fazer com a profissionalização da Liga?
Esse lado da profissionalização é algo que me ultrapassa, sinceramente. Não tenho em mim a perfeita noção de quais são as exigências da profissionalização de uma liga.
Mas como selecionador nacional, gostaria de ver uma liga profissional, também pela perspetiva das jogadoras? De segurança do trabalho e "et cetera"...
Felizmente, as jogadoras que vêm à seleção neste momento têm todas contrato profissional.
Sim, mas há muitas mais a jogar na I Liga...
É isso que eu ia dizer. No entanto, também há muitas que não são convocadas... Eu não sei quais são os números, neste momento, da Liga BPI, da percentagem de jogadoras com contrato profissional. Como é lógico, e se as jogadoras só vivem disso e só fazem disso, se forem profissionais, ficam muito mais seguras. E isso não é só para as jogadoras, é para o ser humano. Socialmente, ficam sempre muito mais tranquilas e ficamos todos muito mais, porque asseguramos e damos outras condições a essas jogadoras. Agora, a federação e a Liga BPI têm de perceber quais são os requisitos mínimos e, ao mesmo tempo, garantir a sustentabilidade dos clubes para que isso aconteça. Eu acho que isso vai acontecer. Em quanto tempo? Não me faças essa pergunta, porque isso eu não sei. Acho que caminhamos para lá.
Não sei quais são os passos que ainda têm de ser dados para garantir isso. A minha visão é sempre muito mais desportiva. Agora, se tu desportivamente, me disseres assim: "Se a liga é profissional, as jogadoras têm melhores condições, a liga vai ser mais competitiva, vamos ter mais jogadoras preparadas para a seleção nacional", eu também não tenho dúvidas nenhumas disso. Agora, temos aqui alguns exemplos, também, de algumas ligas profissionais, mas em que as condições oferecidas no fim de semana às jogadoras, para jogar, no meu entender, não são dignas de uma liga profissional.
Nesse sentido, tivemos agora uma jogadora brasileira, Rafaella Sudré, ex-Torrense, a queixar-se de que as jogadoras portuguesas não falam suficiente sobre os problemas que existem no futebol feminino, das condições que faltam. E a verdade é que tivemos recentemente a Andrea Norheim do Sporting, uma norueguesa, a expor as condições de um balneário, e tivemos, por exemplo, a jogadora jamaicana Chinyelu Asher, numa reportagem de Bola Branca, a falar sobre o tratamento de que foi alvo no Torreense. Falta, efetivamente, que as jogadoras portuguesas falem mais sobre as questões?
Eu sou treinador e, como é lógico, eu quero que toda a gente tenha boas condições, não me interpretem mal. Aquilo que eu posso dizer, e sei, é que as jogadoras da seleção falam com quem de direito nos sítios certos. OK? Elas não têm de vir à praça pública demonstrar o seu desagrado. Eu já vi a jogadora portuguesa e as jogadoras de seleção a explicar ou a mostrar os seus pontos de vista em relação a algumas situações, sejam elas para a seleção, sejam elas da Liga BPI, nos sítios certos, na altura certa, com as pessoas certas. Por isso, não têm a necessidade de vir publicamente dizer que as coisas estão bem ou que estão mal. Falam com quem acham que têm de falar.
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Felizmente, aquilo que eu posso dizer, e acho que isso aí é inegável, e os clubes sabem disso, a federação tem as portas abertas a toda a gente. Não há nenhum treinador da Liga BPI que não tenha acesso aos treinadores. Não há nenhum dirigente da Liga, dos clubes, que não tenha acesso a direto à pessoa responsável ou às pessoas responsáveis pela organização dos jogos. Vocês sabem, e quem está no terreno sabe, que, em Portugal, e, felizmente, na federação Portuguesa de Futebol, nós tratamos os problemas olhos nos olhos e procuramos resolver os problemas olhos nos olhos. Agora, esse tipo de problemas são coisas que, como possas entender, a mim, enquanto selecionador, ultrapassam um bocadinho.
Claro que gostaríamos todos que toda a gente tivesse boas condições e se sentisse confortável. Portugal é um país que recebe bem. Felizmente, há mais casos de jogadoras a dizer que adoram estar em Portugal e que gostam muito de estar cá. Há muita gente e muitas jogadoras que estão maravilhadas, também, com as condições que os clubes em Portugal já proporcionam às jogadoras. Eu acho que nós olhamos muitas vezes para os lados negativos, mas também é importante referir aquilo que de bom se faz. Há muitas jogadoras portuguesas que também já estiveram lá fora e sabem, tão bem como eu, que muitas vezes, em muitos sítios, em Portugal, já permitimos e damos melhores condições do que lá fora.
O ano de 2024 fica marcado pela entrada do FC Porto no futebol feminino. Dá força à modalidade em Portugal?
Todos os clubes dão força, todos os clubes são importantes estar. É claro que clubes com uma massa adepta e que permitem outro tipo de condições, pela forma natural e pela estrutura que já têm, à jogadora portuguesa são sempre bem-vindos. Agora, todos os clubes são importantes, porque, acima de tudo, abrem as portas a que qualquer jogadora - seja ela de que idade, das sub-8 às seniores - que queira praticar tem ali uma oportunidade. Para nós, isso é muito importante. Se esses clubes têm também uma estrutura, têm uma massa adepta que traz mais gente ao estádio, que aportam muito mais no nosso valor desportivo, porque abrem as portas do estádio e conseguem meter 31 mil pessoas a ver um jogo de apresentação, claro que ainda ficamos mais agradados com a presença desses clubes.
Também vai estar com as jogadoras do FC Porto debaixo de olho? É verdade que jogam na terceira divisão, mas, para o futuro, poderá haver, também, margem para chamar alguma?
São jogadoras que são observadas. Algumas delas já foram internacionais nas nossas camadas jovens. A Cláudia [Lima], a capitã, teve o azar, na preparação para o Campeonato da Europa, em 2017, de ter a rotura do cruzado, na nossa preparação, porque teria fortes probabilidades de estar connosco. Têm jogadoras que já foram a Campeonatos da Europa da formação. É o processo normal de uma equipa. Nós observamos todas as jogadoras. Como é lógico, o contexto onde estão inseridas ainda não é tão rico como o contexto da Liga BPI, mas, se elas apresentarem qualidade e competência, as portas da seleção, tal como eu disse anteriormente, estão sempre abertas.
Acabamos de entrar em 2025. Quais são as expectativas para este novo ano?
Acima de tudo, conseguir construir um Portugal que nos permita competir com as melhores do mundo. Ou seja, manter este nível de exigência que temos tido ao longo destes anos. Saber que em 2025 o nível de exigência vai ser diferente de 2024, pelos adversários que nos vão tocar e pelas competições que vamos discutir, por isso, teremos de dar o passo em frente em relação aos nossos níveis. A expectativa é conseguir, outra vez, colocar Portugal num nível de exigência e de competitividade que nos permita disputar os jogos ao mais alto nível.