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Francisca Cardoso

Suíças não conheciam a qualidade da jogadora portuguesa, "mas agora vão estar mais atentas"

08 jul, 2022 - 08:30 • Inês Braga Sampaio

Francisca Cardoso, que jogou com Inês Pereira e várias suíças no Servette, aponta as forças e fragilidades do primeiro adversário de Portugal no Europeu feminino e destaca o crescimento da seleção nacional desde 2017. A ponta de lança, que se encontra sem clube, a recuperar de lesão, também fala à Renascença sobre a carreira e o futuro.

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O trio português do Servette abriu os olhos da Suíça para a qualidade das jogadoras da seleção nacional. Quem o diz é a internacional portuguesa Francisca Cardoso, que apesar de conceder que o primeiro adversário no Euro 2022 é teoricamente mais forte acredita que Portugal tem potencial para conquistar os três pontos.

Em entrevista à Renascença, a ponta de lança, de 24 anos, que esta época jogou no Servette, com Mónica Mendes e a convocada Inês Pereira, refere que a guarda-redes está especialmente motivada para defrontar a Suíça. Há na convocatória seis jogadoras do Zurique, que arrecadou o campeonato ao Servette nos penáltis.

Francisca Cardoso elege quatro jogadoras a que Portugal deve estar especialmente atento, no jogo de estreia no Europeu, e destaca o crescimento da seleção nacional de 2017, a primeira fase final em que participou, para 2022. O objetivo é fazer melhor do que o quarto e último lugar do grupo - o sonho é passar aos quartos de final, mesmo perante os "gigantes" Países Baixos, atual campeão, e Suécia.

"Portugal hoje é uma seleção muito mais madura, muito compacta. Temos mais que capacidade para fazer melhor do que aquilo que fizemos em 2017", afirma.

Lesionada e sem clube, desde que rescindiu com o Servette, em julho, Francisca Cardoso está focada em recuperar dos problemas físicos em pleno. Nesta entrevista, fala sobre o percurso, a lesão, o futuro e o primeiro confronto de Portugal no Europeu feminino de futebol.

Como é que as jogadoras suíças têm vivido a contagem decrescente para o Europeu?

Ela tiveram uma qualificação um bocadinho à justa, ganharam em penáltis contra a República Checa no último jogo ["play-off"]. Mas é uma equipa uma equipa madura, que tem jogadoras muito experientes, a jogar nos melhores campeonatos campeonatos europeus, como a França, a Alemanha, a Inglaterra e até a Espanha.

São jogadoras com experiência a nível de clube que Portugal não tem, mas estão entusiasmadas para começar. Como é óbvio, todas as seleções estão, porque o Europeu é sempre uma janela de oportunidade para dar mais visibilidade à nossa modalidade.

A Suíça é, teoricamente, a terceira equipa mais forte do grupo e tem jogadoras em clubes de topo, que podem fazer a diferença. Quais são as expectativas delas, pelo que sentiste à tua volta?

A Suíça, neste momento, está em 20.º lugar do "ranking" da FIFA, enquanto Portugal está no 30.º, mas isso pode ser um bocadinho enganador, até porque Portugal já mostrou, até agora, nos jogos de preparação, que consegue bater-se com as melhores equipas do mundo.

Acho que numa fase final não há favoritos e, apesar de a Suíça ser, teoricamente, a terceira equipa mais forte do grupo, sei que elas querem melhorar o resultado que fizeram no último Campeonato da Europa, em que ficaram, como Portugal, pela fase de grupos. Portanto, sei que vão fazer tudo, especialmente logo no primeiro jogo, que sabemos que é muito importante, para arrancar os três pontos da nossa equipa.

Qual é a perceção da Suíça em relação a Portugal e ao jogo com a seleção portuguesa?

Eu não sei até que ponto as jogadoras suíças conhecem muito bem a jogadora portuguesa. Agora com a ida de portuguesas para o campeonato suíço, sei que vão estar mais atentas, porque perceberam que a jogadora portuguesa tem bastante qualidade. Termos a maior parte das nossas jogadoras de seleção a jogar em Portugal não quer dizer nada.

Acho que elas vão respeitar Portugal. Vão entrar com tudo, para mostrarem a sua própria qualidade, nunca desvalorizando a nossa seleção e aquilo que nós podemos fazer. Até porque tenho a certeza que observaram os jogos de preparação que nós fizemos, contra a Grécia e contra Austrália, em que realmente estivemos muito bem.

Elas vão dar o máximo e preparar-se para poderem ganhar à nossa seleção.

O que é que, em torno, Portugal pode esperar da Suíça?

Exatamente o mesmo. Desde que foram ao Mundial 2015, quando tinham uma treinadora que era alemã e entrou lá em 2012, começaram a fazer uma remodelação àquilo que é futebol na Suíça. A partir do Mundial 2015, Campeonato da Europa 2017, começaram a ter muitas jogadoras a ir jogar nos maiores campeonatos europeus.

São jogadoras com imensa experiência de clube, muita experiência a nível Internacional. Têm algumas jogadoras jovens, que também são irreverentes, mas Portugal também. É uma equipa que tem muita qualidade. Se formos ver os currículos das jogadoras e onde jogam, clubes como o Paris Saint-Germain, o Barcelona, o Arsenal, são clubes bastante conhecidos.

Eu sei que Portugal vai respeitar a Suíça, mas a jogadora portuguesa gosta de ter bola no pé e gosta de assumir o jogo, portanto sei que é isso vamos tentar fazer.

A que jogadores é que a seleção portuguesa deve estar especialmente atenta?

Temos, claro, a [Ramona] Bachmann, que apesar dos seus 31 anos é uma das referências da seleção. Também a ponta de lança que joga no Barcelona [Ana-Maria Crnogorcevic], que quase sempre que jogou contra Portugal marcou, portanto, diria que é uma das referências a que também temos de ter atenção.

Depois, temos a capitã, que joga no Arsenal, a Lia [Walti], e outra jogadora, do Paris FC, que joga em França, que se chama Coumba Sow. Essas jogadoras começaram todos os jogos da qualificação para o Mundial como titulares. Estas são das principais da seleção suíça e vão jogar contra Portugal quase de certeza.

E em relação a fragilidades, o que é que Portugal pode explorar?

Daquilo que vi nos jogos de preparação, agora contra a Alemanha e contra a Inglaterra, são jogos um bocadinho complicados [para tirar ilações], porque podem ser enganadores.

Elas perderam 7-0 contra Alemanha e 4-0 contra a Inglaterra, mas, até aos 60 minutos, estiveram a perder 2-0 com a Alemanha e empatadas com a Inglaterra, portanto, as goleadas não são assim… sim que as outras equipas dominaram, mas são equipas também muito fortes. A Alemanha está em quinto no "ranking" mundial e a Inglaterra em oitavo, portanto são equipas muito fortes ofensivamente e também defensivamente. Claro que a Suíça teve de treinar mais o seu jogo defensivo, mas sabemos que tem jogadores na frente que também podem fazer a diferença.

Agora, de fragilidades, são equipas que cometem erros. Todas as equipas cometem erros. Portugal também tem qualidade de pressionar, tem qualidade para forçar o erro às equipas adversárias, temos qualidade de drible, temos qualidade defensiva também, temos muita qualidade na nossa seleção e sei que, se jogarmos como temos jogado, vamos forçar muitos erros à equipa da Suíça e podemos aproveitar muito.

Entre as convocadas temos a Inês Pereira, do Servette. Isso pode ser uma vantagem para Portugal?

Claro que sim. Sei que a Inês está extremamente motivada para jogar contra a Suíça, como ela própria já disse. Conhece jogadoras de lá. Então, depois de termos perdido a final do campeonato, em penáltis, contra o Zurique... A Suíça tem bastantes jogadoras do Zurique. Sei que vai estar extremamente motivada e, se jogar, vai fazer de tudo para evitar que as suíças marquem.

Sabemos que a Inês é uma guarda-redes com imensa qualidade, não só a nível defensivo, mas também com os pés, que é uma coisa que acrescenta imenso valor, portanto, não espero mais do que o normal da Inês. Ela dá sempre tudo pela seleção e vai fazer tudo para que Portugal não sofra nenhum golo e consiga, depois, trazer os três pontos.

Fazendo um pouco de futurologia, quais são as tuas expectativas para a prestação de Portugal neste Europeu?

Sei que o nosso objetivo é, como é óbvio, fazer melhor que em 2017. Nós temos 14 jogadoras na convocatória para o Euro que estiveram presentes em 2017. Todas muito mais maduras. Só para termos uma noção, a Andreia Norton é, hoje em dia, uma das referências do futebol português e não teve qualquer minuto no Euro em 2017, se não me engano. Mas só para termos uma noção da evolução do futebol feminino do últimos cinco anos.

Temos bastantes jogadoras que acrescentam experiência, como as mais velhas, como, por exemplo, a Ana Borges e a Carolina Mendes, que felizmente conseguiram recuperar de lesão a tempo para estarem com a seleção no Europeu. Temos a Sílvia [Rebelo] e a Carole [Costa], que dão imensa estabilidade, e entrou gente nova para acrescentar muita qualidade. Depois, temos a irreverência da Jéssica [Silva] e da Kika Nazareth, que dão sempre muito jeito, aliada à velocidade da Diana Silva na frente.

No geral, acho que é uma seleção muito mais madura, muito compacta. Temos mais que capacidade para fazer melhor do que aquilo que fizemos em 2017. Se conseguimos passar a frase de grupos, seria completamente histórico. Mas se atingirmos um terceiro lugar no grupo já será melhor que em 2017. Temos um grupo muito complicado, contra a Holanda e a Suécia, portanto vai ser difícil, mas sei que Portugal pode fazer melhor e espero que sim.

Portugal ficou sem Andreia Jacinto nos últimos dias. Foi substituída pela Suzane Pires, do Ferroviária. Uma perda importante, claro. Portugal perde qualidades da Andreia Jacinto e ganha qualidades da Suzane Pires. Qual é o ganho com a Suzane Pires?

É uma pena que a Jacinto se tenha lesionado, porque é uma jogadora muito jovem, que tem uma qualidade de receção de bola orientada e uma qualidade de passe fantástica, mas a Suzane Pires também tem qualidade. É uma jogadora um bocadinho de estatura mais baixa, mas que também tem muita experiência ao longo da sua carreira. Já jogou em campeonatos diferentes e, se calhar, vai ser por aí que pode acrescentar à nossa seleção, um bocadinho de experiência. Também é uma jogadora um pouco mais ofensiva. Tenho a certeza que vai tudo para ajudar a nossa seleção, também.

A nível pessoal, revejamos o teu percurso até aqui. Boavista, Valadares Gaia, Braga, sempre com números de golos bastante bons. Depois, foste para o Heerenveen. E começaste muito bem, com quatro golos em oito jogos. Foste convocada para a seleção nacional. Porém, depois, lesionaste-te com gravidade.

A meio desta época, mudaste-te para o Servette. Não jogaste muito, também, devido a lesão. Explica-me o que se passou, por favor.

Quando me lesionei na Holanda, estava num momento de forma muito bom, realmente. Estava a ser chamada para a seleção A e cheguei a participar em convocatórias para os jogos de apuramento, mas, infelizmente, quase a meio da época, em dezembro, lesionei-me e fiquei de fora. Já sendo a segunda rotura de ligamentos, era uma recuperação que ia demorar ainda mais do que a primeira. Uma pessoa tem sempre de ter um cuidado redobrado quando as coisas acontecem por uma segunda vez.

A partir daí, fiz a minha recuperação, dividida entre Portugal e a Holanda, mas sabia que queria dar outro passo e surgiu a oportunidade de ir para a Suíça, para um clube que tinha sido campeão nacional e que tinha jogado Champions, e que tinha perspetiva de jogar Champions no ano a seguir. Era uma grande janela de oportunidade.

Infelizmente, as coisas não correram como eu queria. O regresso aos relvados não correu como eu queria, acabei por ter ali algumas recidivas da minha lesão. Não do cruzado, mas sim no menisco. Fiz recuperação, voltei a jogar, ainda cheguei a fazer três jogos com o clubes, mas chegou a um ponto em que percebemos, eu em conjunto com o clube e com o departamento médico, que a melhor opção seria voltar a operar. É disso que estou a recuperar agora.

Foste bem operada à primeira lesão?

Eu fui bem operada, o que penso é que durante a recuperação deve ter surgido ali alguma coisa, ou num treino ou... Não sei. Quando voltamos ao campo, há tanta coisa que pode acontecer. Há pessoas que fazem rotura de ligamentos a descer as escadas. Só para percebermos como é que o joelho pode ser tão frágil, como é que um movimento que fazemos tantas vezes pode provocar uma rotura de ligamentos, colocar uma rotura no menisco, pode provocar uma entorse. São coisas que acontecem, mas só quem joga é que se arrisca a fazê-las e, infelizmente, aconteceu-me outra vez.

Quando estava a recuperar, e a voltar a jogar, tinha algumas dores. Chegou a um ponto em que chegámos à conclusão de que não valia a pena, porque não ia melhorar. Toda a gente que já foi atleta e já esteve lesionado sabe que há sempre dores envolvidas no processo. Agora, é importante conhecermos o nosso próprio corpo e percebermos aquilo que é dor que faz parte do processo e aquilo que não é.

Efetivamente, chegou a um ponto em que percebemos que era uma coisa que não fazia parte do processo e, com exames complementares, percebemos que, de facto, seria melhor operar, para recuperar em condições outra vez e para que as coisas possam ser feitas de uma melhor forma.

E agora, rescindiste com o Servette.

Sim, rescindimos por acordo mútuo. Chegámos à conclusão de que era melhor, também, ser operada aqui em Portugal por uma cirurgiã, que é a Doutora Marta Massada, que muita gente conhece, que tem muita qualidade, muita experiência, e recuperar cá pelo nosso país, porque é sempre melhor ter os amigos e a família por perto. É uma situação diferente.

Depois disto, já tens o futuro definido? Já sabes para onde vais ou ou ainda é um processo em curso, essa decisão?

É um processo complicado, ainda, mas, muito sinceramente, não é uma coisa em que esteja muito focada agora. Estou mais focada em recuperar. Estou sem clube, neste momento. Rescindi com o clube na Suíça e ainda não assumi outro projeto em mais nenhum, mas, sinceramente, se surgir alguma coisa, surge; se não, estou bem assim.

Neste momento, estou é focada em recuperar, para que, mais tarde, em dezembro ou até mesmo na próxima época, possa voltar a jogar. Entretanto, também focar-me noutras coisas, noutros projetos que posso fazer enquanto estou a fazer a recuperação.

Ainda és uma jogadora jovem e já mostraste dotes de goleadora. Por isso, assumindo um novo projeto, seja quando for, o regresso à seleção seria algo no horizonte ou preferes levar com calma, um passo de cada vez e não pensar nisso tão cedo?

As minhas portas vão estar sempre abertas à seleção. Sempre que a seleção me chamar, eu vou tentar estar lá e dar o melhor de mim. Agora, penso que neste preciso momento é um passo demasiado grande. Ou melhor, estar a pensar já na seleção é dar um passo maior do que a perna, como se costuma dizer.

Tenho de recuperar primeiro, voltar a jogar, porque já não jogo com regularidade há ano e meio, que é uma coisa que faz muita diferença. Portanto, o primeiro passo é estar focada em recuperar, em voltar a jogar e, depois, as coisas surgem naturalmente. Eu sei que trabalho bem e trabalho para isso e, se for possível, vou voltar à seleção.

Voltando a jogar, seja em breve ou mais tarde, preferias um regresso a Portugal ou continuar no estrangeiro?

É sempre complicado, mas depois de duas épocas no estrangeiro e, infelizmente, da forma como correram, se calhar, por agora, gostaria de ficar em Portugal. Também, o nosso campeonato já tem outro nível e quem vai lá para fora consegue perceber isso. Temos muita qualidade e clubes que dão grandes condições, apesar de às vezes nós acharmos que não, mas a verdade é que dão.

Portanto, neste momento, sim, irei dar prioridade a ficar por Portugal, mas não digo que no futuro não possa voltar a sair.

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