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Os jovens e a política. "O perigo é começar a pensar na política como carreira"

Podcast Somar Ideias

Os Jovens e a Política. "O perigo é começar a pensar na política como carreira"

21 abr, 2023 • Ângela Roque


Que representatividade têm os jovens na política? Os partidos tradicionais já não os atraem? O mundo política ainda é demasiado masculino no protagonismo e nos horários? São temas em debate no segundo episódio do ‘Somar Ideias’, um podcast da Renascença em colaboração com a Jornada Mundial da Juventude.

Os jovens sentem-se cada vez menos representados e defendidos pelos partidos tradicionais, mas são protagonistas de muitas das lutas da atualidade, como as greves pelo clima ou a contestação à falta de habitação a preços justos e acessíveis. Adriana Cardoso, 23 anos, diz que é preciso estar alerta, porque “quando temos 85% de jovens com orientação política, que já votaram pelo menos uma vez, e temos apenas 4% de militância em jovens, claro que há algo a fazer!”.

“Cada vez mais a minha geração se orienta por causas, porque também não se sente representada nas políticas dos partidos”, afirma. Formada em ciências farmacêuticas, em 2021 lançou o projeto ‘Próxima Geração’, uma associação apartidária que se propõe formar jovens para serem cidadãos ativos e, quem sabe, virem a ser futuros líderes políticos. No seu caso, garante que não lhe interessa fazer disto “profissão”.

Adriana diz que “seria uma honra servir o meu país, independentemente da maneira como o servisse”. Sabe que “qualquer pessoa que goste de política, mesmo, em algum ponto da sua vida se tem de colocar na posição de poder vir a servir” os outros, mas entende que “o perigo é começar a pensar na política como uma carreira. Qualquer pessoa que na minha idade diga, de forma absolutamente definitiva, que aquilo que quer fazer é ser político de uma forma carreirista, essa é a base do problema”, sublinha esta jovem, que em 2019 chegou a ser candidata a deputada independente pelo Iniciativa Liberal.

No geral, será que os jovens hoje não se reveem nos partidos tradicionais? “Esse descontentamento podíamos centrá-lo não nas políticas, mas nos políticos”, defende António Capela, de 30 anos. Economista, do PSD, é professor na AESE Business School e fundador do projeto Senado, um grupo de formação política. Alerta para a falta de “líderes mobilizadores”, para “não se cair em bandeiras e políticas difíceis de reverter”, e deixa um desafio aos jovens.

“Haver descontentamento face aos partidos é um argumento para intervirem, para transformar esses partidos com os quais não concordam. E é o desafio que lanço neste podcast aos jovens, de entrarem para transformar: entrarem porque não concordam, e não, não entrarem porque não concordam”. E acrescenta: “uma segunda maneira de transformar é votando”.

Mas, porque razão não há mais jovens na política, quando esta é a geração mais qualificada de sempre? “Somos a geração mais bem preparada”, mas “com uma capacidade financeira e económica de ter uma vida viável, comparado com outro países? Não somos, na verdade”, sublinha Adriana Cardoso.

Tomás Anjinho Chagas, de 25 anos, é repórter parlamentar da Renascença. Confirma que faltam jovens em S. Bento. “Os jovens estão sub-representados. Só há oito deputados até aos 30 anos, são 4% do total do hemiciclo”, ou seja, menos de metade do que devia haver, para respeitar a representação populacional dos que têm entre 20 e 29 anos de idade. A maior dos deputados jovens (quatro) são do PS, um é do PSD, há uma deputada do Chega, e dois da Iniciativa Liberal.

Tomás lembra que para além desta ser a geração mais qualificada, é também a “mais estimulada de sempre”, porque consume uma “quantidade anormal de informação. O que não quer dizer que consumamos a melhor informação”, acrescenta. E falou da importância do jornalismo credível, num país onde cresce a abstenção e “há cada vez menos gente a interessar-se pelo jornalismo e pela política”.

“As pessoas precisam de informação de qualidade. Hoje consumimos muita informação enviesada, mas – puxando a brasa à minha sardinha – é muito importante as pessoas consumirem informação feita por profissionais de informação, porque os jornalistas estão reféns de uma coisa boa, que é o código deontológico. Também falhamos, mas estamos obrigados a mostrar as várias opiniões. É importante sermos plurais”, afirmou.

Em sua opinião, “os jovens também têm de ousar tentar fazer diferente, não achar que sabem muito mais do que os mais velhos. Não sabem! Têm de aprender com eles, e acho que neste momento é preciso fazer diferente, tanto no jornalismo como na política”.

Política fora de horas

Repórter da Renascença destacado na assembleia da república, e que acompanha a atividade dos vários partidos, Tomás Anjinho Chagas confirma que no parlamento – e na política em geral – continua a imperar a cultura do horário tardio para tudo, o que também pode ser um entrave a novos protagonistas, sobretudo se forem mulheres.

Adriana Cardoso diz que “o fator mulher/mãe não deve ser penalizador”, mas sabe que “a política - e a política partidária ativa, principalmente - faz-se muito daquelas reuniões ao fim do dia, e quando se entra naquela idade de dar o salto - por exemplo, entrar numa direção de um partido, ter um papel mais ativo numa concelhia ou distrital - normalmente é numa idade em que as mulheres estão a começar a ser mães”.

Para António Capela também neste ponto “a política deve mesmo ser um exemplo”, e os partidos deviam ter consciência dos travões que existem a que haja mais mulheres deputadas. “Porque é que uma mãe não está no parlamento? Porque todas as reuniões implicariam que sairia terça, quarta, quinta e sexta às 10 da noite, e isso é insustentável. Então, vamos resolver este problema, com coragem”.

Com a Jornada Mundial da Juventude em pano de fundo, os participantes de cada episódio do ‘Somar Ideias’ são, ainda, convidados a partilhar uma pergunta que gostariam de fazer ao Papa.

Adriana Cardoso lembra que as novas gerações são “cada vez mais socialmente progressistas”, por isso quereria saber “como é que se concilia o conservadorismo clássico social da Igreja com esta nova forma de pensar das novas gerações?”, para “não nos resignarmos a que se afastem”.

Para Tomás é importante esclarecer “se a Igreja se vai aproximar dos jovens e abrir-se à sociedade”, porque “começa a haver um desinteresse de muitos jovens face à religião e ao catolicismo”, muito por causa da questão dos abusos. “Vai ou não a Igreja encarar e resolver este problema?”, questiona.

António Capela gostava de saber “qual é a rotação que temos de fazer para pôr no centro do debate político as fragilidades dos que mais precisam de apoio”, que são também os mais esquecidos. A sua pergunta seria: “como é que podemos fazer uma política que esteja centrada nos mais frágeis?”.

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