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Os Jovens e o Trabalho. Emigrar será inevitável?

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Os Jovens e o Trabalho. Emigrar será inevitável?

28 abr, 2023 • Ângela Roque


A preocupação com os baixos salários e a precariedade laboral começa ainda na universidade e para muitos jovens a única opção de futuro é sair do país. No episódio desta semana juntamos a presidente da Federação Académica do Porto, o coordenador nacional da Interjovem - CGTP, e uma jovem mãe que trocou medicina por gestão e trabalha para uma empresa americana a partir de Londres, mas mantém o sonho de voltar a Portugal.

Os números oficiais não deixam dúvidas: os jovens são ainda mais penalizados quando se fala em exploração laboral, precariedade e salários baixos. Dinis Loureço, 31 anos, assistente administrativo, é coordenador nacional da Interjovem e membro do Conselho Nacional da CGTP. Diz que os jovens trabalhadores enfrentam logo uma “barreira muito grande” à entrada para o mercado de trabalho, que é a dos “baixos salários”, e que são mesmo “muitos, muitos” os que recebem o salário mínimo nacional, que já subiu, mas não chega. “O elevar desta fasquia”, diz, colocaria os jovens “numa melhor situação e não entre a espada e a parede, e ter de emigrar ou ficar em casa dos pais até aos 39”.

“Mesmo com o aumento do salário mínimo nacional, que é muito pouco, depois as carreiras não evoluem”, lamenta. Por isso, para os que podem, emigrar é muitas vezes a solução mais viável. “Muitos jovens trabalhadores face aos baixos salários, à precariedade e ao aumento do custo de vida – seja da habitação, seja do supermercado – não veem outra alternativa senão sair”. Ou seja, a emigração surge “não como uma escolha, mas como uma inevitabilidade”.

“Vemos enfermeiros, médicos, técnicos superiores, engenheiros, que acabam os estudos e têm de sair daqui, porque lá fora oferecem mais. E não há razão nenhuma para que aqui não se estejam a pagar os salários lá de fora”, sublinha ainda.

Margarida Sacadura Botte tem 28 anos. Formada em Medicina e com mestrado em gestão, trabalha em consultoria em saúde numa empresa americana. Está a viver em Londres, depois de ter passado também pela Alemanha. Mãe de uma bebé de um ano, espera o nascimento da segunda filha este verão. De passagem por Lisboa, diz que a opção por deixar o país com o marido, jurista, foi a mais óbvia.

“A vida que tínhamos cá era boa, as empresas eram boas e nós gostávamos, só que chegávamos ao fim do mês com pouco poupado e com poucas perspetivas de que mudasse brevemente. Comprar uma casa hoje em dia é o que é… dificilmente a este ritmo conseguiríamos chegar onde queríamos”, conta.

Mas, emigrar será inevitável? “Tenho vários amigos médicos que acabaram por emigrar, especialmente para a Alemanha e Inglaterra”. No seu caso, tendo mudado de carreira, foi a opção mais evidente. “Não sei se chamaria uma inevitabilidade, mas é o caminho mais fácil e óbvio para poder voltar e ter uma vida melhor”.

Ana Gabriela Cabilhas, de 26 anos, é licenciada em Ciências da Nutrição e presidente da Federação Académica do Porto, que tem denunciado as dificuldades económicas dos estudantes, em especial os bolseiros e os deslocados. Esta responsável lamenta o “desfasamento” que existe entre “as expectativas dos jovens e estudantes do ensino superior e as oportunidades que depois são oferecidas pelo mercado de trabalho”. E confirma que “a ansiedade começa antes do curso estar concluído, porque os jovens já percecionam um conjunto de barreiras e desafios na entrada para o mercado de trabalho”.

Será que só tem valor quem vai para fora?

Dinis garante que não. “Quem fica não está condenado a ficar pior”, mas terá de lutar pelos seus direitos.

A sua experiência mostra que os jovens ainda veem nos sindicatos uma ajuda, e as razões para lutar são cada vez mais, quando as estatísticas mostram que “trabalhar em Portugal não é suficiente para sair da pobreza, antes pelo contrário”.

Hoje já é possível trabalhar ou estudar à distância, mas boa parte das empresas em Portugal ainda não dão as condições que existem noutros países. “Em Inglaterra vou ao escritório uma vez por semana. Haver a possibilidade de trabalho remoto facilita muita coisa. Tomar conta de uma casa, tomar conta de filhos, gerir tudo isso, é muito mais fácil podendo ficar em casa”, explica Margarida.

Lá fora, diz, “é tudo mais fácil”, porque “há muito mais liberdade para tudo, muito mais investimento e muito mais escala”. Para além de ser muito mais compensador. “A comparar com o que recebia aqui em Portugal, é claramente muito mais. Claro que a habitação é muito mais cara lá, mas sobra muito mais ao fim do mês, apesar de todas as diferenças de custos”.

Para a dirigente da FAP, Ana Gabriela Cabilhas, falta vontade política para olhar para as necessidades reais dos jovens e mudar as coisas. “Muitas vezes só se pensa nas eleições seguintes e não nas gerações seguintes, e é de facto necessário um novo Pacto para a novas gerações”.

Com a Jornada Mundial da Juventude em pano de fundo, os participantes de cada episódio do ‘Somar Ideias’ são, ainda, convidados a partilhar uma pergunta que gostariam de fazer ao Papa Francisco, que neste âmbito tem sublinhado a importância do trabalho digno e pediu aos jovens que se mobilizem para encontrar um novo modelo económico mais justo e fraterno.

Margarida gostaria de perguntar “como é que podemos manter a esperança neste contexto, em Portugal e no mundo”. Para Dinis seria importante os jovens aproveitarem a vinda do Papa à JMJ Lisboa 2023 para questionarem “qual o valor do seu trabalho”. Ana Gabriela perguntaria se o Papa “reforçaria a sua voz para o necessário contrato social que devolva a esperança” aos mais novos.

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