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Opinião de João Matos
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Negociar, competir ou cooperar?

23 jan, 2023 • João Matos • Opinião de João Matos


O objetivo duma negociação não é ganhar a negociação, mas sim ganhar com a negociação. O objetivo não é derrotar a outra parte, mas sim derrotar o problema.

Negociar é uma forma de resolver problemas que é usada por todos nós no nosso dia a dia, embora tantas vezes não lhe chamemos negociação. Seja na nossa vida pessoal ou na nossa vida profissional, todos os dias negociamos alguma coisa. Mas será que ao negociarmos devemos estar mais preocupados com o nosso ganho, numa lógica puramente competitiva, ou devemos igualmente estar disponíveis para que o outro lado também obtenha um resultado favorável, numa lógica tendencialmente cooperativa?

Negociar é competir?

Quem acha que negociar é apenas competir encara uma negociação como um jogo de soma nula em que o objetivo é vencer a outra parte, interessando apenas resolver o problema próprio, sendo irrelevante se a outra parte resolveu ou não o seu problema. Esta perspetiva assume que numa negociação o ganho de uma parte é igual em valor absoluto à perda da outra parte, ou seja, se ganho 5, o outro lado vai perder 5. Por outras palavras, o perdedor paga a conta!

Como facilmente se compreende, esta visão não é sustentável. Se for negociar com alguém que tem a mesma visão, rapidamente a interação pode resultar num confronto, numa batalha de vontades em que a prazo todos irão perder. E isto porque, normalmente, após o fecho dum acordo segue-se a fase de implementação do mesmo. E aí, a parte perdedora vai querer desforrar-se, para conseguir recuperar as perdas que teve no acordo propriamente dito.

Por exemplo, imagine que quer fazer obras em sua casa. Pediu propostas a alguns empreiteiros e após sucessivas negociações com cada um deles, conseguiu descer substancialmente as propostas apresentadas inicialmente. Um empreiteiro em particular apresentou uma proposta imbatível, inclusive bastante abaixo daquilo que a si lhe parecia possível. Encolheu os ombros e pensou: “Problema dele, eu vou poupar imenso dinheiro e isso é que é importante.”

Aparentemente sim, mas será mesmo assim? Se o empreiteiro sacrificou toda a margem que tinha porque está com falta de trabalho, qual é o incentivo dele para realizar um trabalho de qualidade? Quanto a mim reduzido, pois o empreiteiro vai querer recuperar margem em algum lado. Uma das maneiras de o fazer é cortar na qualidade dos materiais sem você se aperceber. Claro que pode ser você a fornecer os materiais, mas isso implica perder tempo a comprá-los e a transportá-los. Tem tempo para isso? Qual é o custo de oportunidade de o fazer? Quer ter uma obra na sua casa com esse nível de desconfiança entre si e o empreiteiro? Eu não quero.

Por outro lado, quando aparecerem as inevitáveis alterações/trabalhos adicionais que não estavam previstos, quanto é que acha que o empreiteiro lhe vai cobrar? Provavelmente muito acima do valor que cobraria se estivesse a ganhar dinheiro no resto da obra. E você pode nem dar por nada porque agora não vai conseguir comparar esses valores para alterações/trabalhos adicionais com os valores de outros empreiteiros, pois estes já não estão disponíveis para lhes pedir propostas. Por outras palavras, está refém deste empreiteiro que agora se vai desforrar e com um sorriso nos lábios. Cá se fazem, cá se pagam!

A infeliz conclusão de toda a tática negocial que usou com o empreiteiro é que em vez de obter uma solução barata conseguiu ao invés comprar por um preço baixo um problema bem caro. Tudo porque se esqueceu que o objetivo duma negociação não é ganhar a negociação, mas sim ganhar com a negociação. O objetivo não é derrotar a outra parte, mas sim derrotar o problema. Infelizmente no seu caso arranjou um grande problema! Não se esqueça das palavras sábias de Mahatma Gandhi: “Olho por olho, dente por dente e acabamos todos cegos e desdentados”.

Negociar é cooperar?

No extremo oposto daqueles que acham que negociar é apenas competir, temos aqueles que acham que negociar é exclusivamente cooperar. Alimentados por uma lógica idílica e porventura ingénua de win-win, entram numa negociação achando que têm que ser francos, transparentes e cooperativos para conseguirem um acordo bom para todos os envolvidos.

De facto, é desejável ter como objetivo que o acordo seja positivo para todos. O problema da lógica pura da cooperação não está no seu objetivo, mas sim no processo seguido. Na realidade, se eu for muito cooperativo e amigável e a outra parte não o for, arrisco-me a rapidamente ficar em desvantagem na negociação. Por exemplo, talvez vá revelar muita informação para provar as minhas boas intenções. O outro lado vai alegremente receber essa informação, sem ter qualquer incentivo para reciprocamente revelar informação, pensando: “Se já sei o que quero, porque é que hei- de revelar algo em troca?” Como tal, encarar uma negociação como uma mera cooperação para conseguir uma solução win-win pode rapidamente redundar em lose-win: nós perdemos, eles ganham!

Então se negociar não é só competir nem só cooperar, o que é?

É fazer as duas coisas, competir e cooperar em simultâneo. Para compreender melhor este conceito (a que podemos chamar a natureza dual da negociação) imagine que negociar é dividir um bolo entre várias pessoas. A ferramenta para competir é uma faca para dividir o bolo (não para ameaçar os outros interessados…), tentando cada pessoa captar a maior fatia possível. Em negociação chamamos a isto a dimensão distributiva da negociação. Mas podemos usar outra ferramenta que irá aumentar a dimensão total do bolo e por consequência o tamanho da cada fatia – uma lata de fermento. Em negociação chamamos a isto a dimensão integrativa da negociação.

Se usarmos apenas a faca (se formos apenas competitivos) teremos uma fatia grande dum bolo pequeno. Se usarmos apenas o fermento (se formos apenas cooperativos) teremos uma fatia pequena dum bolo grande. Mas se usarmos simultaneamente a faca e o fermento (se formos competitivos e cooperativos) teremos fatias maiores de bolos maiores, tendo conseguido dividir e criar valor em simultâneo!


*João Matos, Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

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