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Estaremos nós dispostos a pagar mais por salários melhores?

10 out, 2022 • Rute Xavier* • Opinião de Opinião


Quantas vezes culpamos as empresas (por exemplo no setor de hotelaria e restauração ou no retalho) por explorarem funcionários por exigirem horários alargados e pagarem salários reduzidos (muitas vezes salários-mínimos)? Além de toda uma carga de impostos exorbitante que existe e que podem inibir o pagamento de salários mais elevados, estaremos nós, clientes, dispostos a pagar mais para que haja salários-mínimos mais altos e uma menor percentagem de população com um salário-mínimo?

Estamos perante um cenário de inflação, aumento do custo de vida e contenção nos aumentos salariais por parte do Estado e das empresas. Ao mesmo tempo, temos um histórico de salários baixos, (não só salários médios baixos, mas principalmente os salários mais baixos).

Atualmente, (dados do Pordata referentes a 2018) 22,1% da população recebe o ordenado mínimo nacional. Alojamento e restauração é o setor onde existe uma maior percentagem de trabalhadores com salário-mínimo nacional (uns vergonhosos 32,5%).

Apesar de ter vindo a aumentar (em 2000 eram €318,23, em 2022 €705) não cobre as despesas mínimas de uma pessoa (menos ainda de uma família): renda, energia, comunicações e um cabaz básico de alimentação não se adquirem com €705...muito menos, tudo o resto que ainda falta: transportes, vestuário...cultura e lazer então nem pensar.

As empresas, estão na sua grande maioria estranguladas. Na maior parte dos casos, sem capacidade de pagar melhores salários. Com os aumentos de preços de insumos, combustíveis e energias, e após a pandemia, não há espaço para isso.

E assistimos à maior parte da população a reclamar e a acusar as empresas de que não conseguem contratar porque “pagam mal”.

Se calhar até “pagam mal”. Poderiam pagar melhor? Eu diria que algumas sim, mas a grande maioria não consegue.

Mas faço ainda outra pergunta. Sendo o setor do alojamento e restauração o que tem a maior percentagem dos seus trabalhadores com o salário-mínimo, estaria cada um de nós disposto a pagar um pouco mais para que o trabalhador com salário-mínimo pudesse ter um salário mais digno?

Pelo que vejo é “não”.

Apesar de quem me conhece saber que discordo visceralmente das gorjetas (porque ter uma economia paralela, quando devo pagar mais por um serviço que deve remunerar melhor o funcionário?), façamos um exercício com “gorjetas” só para retirar intermediários da equação. E se num pequeno café de bairro, com 1 funcionário, cada pessoa pagasse mais €0,20 por cada café? (note-se que mesmo assim, pagaríamos 1 café a um preço bem mais baixo do que na maioria dos cafés na Europa). Sendo estes 0,20€ refletidos diretamente no salário do funcionário, este (mesmo pagando impostos devidos) facilmente teria um acréscimo de €200 mensais no seu salário. Não é muito, mas €200 faz muita diferença num salário de €705. Estaríamos dispostos a isso? Tenho muitas dúvidas....

Que queremos todos igualar os nossos salários aos do resto da Europa, não tenho muitas dúvidas.

Que querermos impostos como no resto da Europa (não há milagres, a diferença entre o que a empresa paga e o que o trabalhador recebe é abismal, mas já se tem escrito bastante sobre isso) também me parece de elementar evidência.

Que queremos uma automatização igual (ou até melhor) do que a que existe no resto da Europa é compreensível. A maior parte dos portugueses não está disposto nem disponível para trabalhos muito exigentes a nível braçal e de exposição a intempéries.

Mas para termos salários equivalentes, além de tudo o que já referi, estaríamos de estar dispostos a pagar mais por um café, uma cerveja ou uma refeição. Estaremos dispostos a isso?


*Rute Xavier é Professora na Católica Lisbon School of Business and Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

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