21 fev, 2017
Foi considerada como a fotografia vencedora do World Press Photo 2017, a que retrata o assassino do embaixador russo na Turquia, na inauguração de uma exposição de fotografias numa galeria de arte em Ancara, em Dezembro de 2016.
Muito se tem dito, comentado e analisado, concordando ou divergindo da atribuição do galardão a esta fotografia.
Trata-se de um prémio de fotojornalismo: o sentido de oportunidade e a capacidade de a usar, a coragem para o fazer, são bem testemunho de um profissional superiormente talentoso. A sua colocação no conjunto das melhores fotografias de fotojornalismo de 2016 é o justo e inquestionável reconhecimento da oportunidade e da qualidade do registo.
Não sei nada de fotografia, não tenho por isso competência para a apreciar tecnicamente.
Contudo, e sempre que a olho, sinto um enorme incómodo ao tentar arrumar tanta informação nela contida: um homem caído, morto, um homem em atitude desafiante, vencedora, perante a morte causada. É tudo real, aconteceu mesmo: um morreu, e outro matou. Não é ficção, não é neutro. Envolve valores fundamentais, exige também uma apreciação ética do seu significado.
Fotografias houve no passado, consideradas elas também vencedoras, chocantes, violentas, nas realidades retratadas. Lembro, por exemplo, a terrível imagem da fome vivida em África: a realidade fixada pela câmara chocou, alertou, tornou próximo o flagelo, despertou energias, compeliu a alguma acção.
A imagem agora retratada, fixa um acto de terrorismo. Que tem de ser denunciado, que tem que ser combatido, sem dúvida.
Mas a atribuição do primeiro lugar aponta para uma perigosa neutralidade asséptica, para uma aparente irrelevância ética perante o assassínio cometido: a imagem retrata, concretamente, um corpo caído, que no peso do que é visto, é quase tão irrelevante e decorativo como os quadros pendurados, e uma figura central, a do assassino, vencedor, eufórico, alucinado. Desigual nos pesos e nos significados, insuportável na indiferença.
Será que não é necessária alguma ponderação? Será que já nada importa?