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Manuel Fúria
Opinião de Manuel Fúria
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Falar menos

03 jan, 2025 • Manuel Fúria • Opinião de Manuel Fúria


É em termos políticos que toda uma geração se define. E se fecha em copas. Branco, Preto, Assim-assim, Cidadão-preocupado-se-faz-frio, Amigo-dos-animais, Letra-B-do-alfabeto.

Primeiro texto deste ano jubilar de 2025 da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Estão prontos? Eu não. Nunca estamos verdadeiramente prontos para nada, nesta vida. Mas vamos à luta, que era o que dizia sempre o Paulo Ventura, meu antigo manager. Com isto em mente, deixo as minhas 12 passas para o embate de Janeiro. Venham daí.

1. Deixar de fumar. Estou a brincar. Não vou deixar de fumar. Eis porquê: eu gosto dos meus cigarros. Claro que não é por gostarmos muito de alguma coisa que a devemos manter. Bem pelo contrário, o que nos dá gozo é o que nos prende às correntes do vício. E do vício à loucura dista um singelo e definitivo passo de Nureyev. É uma coisa que se sabe.

Neste higienizado e obsessivo mundo, fumar tornou-se a irresistível marca dos marginais, a magnética cicatriz dos deploráveis. Nos dias que correm, a improvável aliança de caturras que se congrega do lado de fora dos edifícios, é esta: trolhas e eu; avozinhas e eu; antigos drogados que precisam de ocupar a cabeça e as mãos, e eu. Padeço desta infantil pertinácia: quanto mais me empurram, mais me oponho. Lamento, mas não fui eu que comecei.

2. Despolitizar (irra, palavra feia). A política tornou-se na moeda corrente de todas as conversas, de todas as interacções. É em termos políticos que toda uma geração se define. E se fecha em copas. Branco, Preto, Assim-assim, Cidadão-preocupado-se-faz-frio, Amigo-dos-animais, Letra-B-do-alfabeto. Embora não pareça, há vida para além disto. Uma vida mais simpática e cordial. Na qual até a boa vizinhança pode ser colocada em prática.

A culpa, claro, é da esquerda. Gostaria de dizer “da nossa esquerda”, mas é toda mesmo. Toda a esquerda da secção ocidental do mundo: duas mãos cheias de cabeças empenhadas em reduzir a vastidão dos oceanos à pequenez insonsa e virulenta do seu dicionário de bolso. Quando menos esperamos, estamos a falar como eles. Acontece; e é preciso resistir. Por isso, evitemos dizer: “minoria”, “sustentável”, “activista”, “tóxico”, “interseccional”, “racializado”, “identidade”, etc., etc. etc. É preciso, em suma, desertar da sub-cave das guerras culturais e ascender à tona da vida como, um dia, imaginamos que possa ter sido.

3. Dar mais valor ao dinheiro. Tenho essa bambeza Bugsy Siegeliana pelo vil metal: “Olhe que simpática moradia, quanto quer por ela?”, “Gosto desse carro, aceita cheque?”, “Bonito relógio, compro!”. Exagero, claro que exagero. As coisas não se passam exactamente assim. É verdade que foi deste desprendimento que Las Vegas nasceu. E isso vale ouro. Mais do que as coisas que se agarram, sou das coisas que não se agarram. As ideias, sempre as ideias. O que pode ser um problema. Porém há esta relação com a carteira que é necessário mortificar; esta prudência fundamental: entregar os bolsos a Deus e ficar quieto.

4. Quaresmar para além da Quaresma. Disse eu que tudo começa e acaba na barriga. E que o jejum é a maneira que nós, adultos, temos de ser senhores de nós próprios. Para isso, até os 40 dias pré-Pascais podem ser curtos. Ser senhor do meu estômago (e dos meus olhos, da minha boca, dos meus ouvidos e do meu coração) é um exercício árduo, sobretudo porque nunca nos podemos esquecer desta verdade verdadíssima: não jejuamos pelo vazio zen do asceta oriental; fazemo-lo, antes, para abrir alas a Deus.

5. E agora o momento Jordan Peterson: arrumar a secretária. Só que antes de Peterson já havia Josemaria Escrivá. E antes de São Josemaria, a minha mãe. Arrumar a secretária é arrumar o espírito. Fazer a cama, o primeiro passo de um dia cumprido. Todos os dias.

6. Lançar o meu disco novo. Já aqui disse que estou a gravar. Não depende completamente de mim, mas se Deus quiser, este ano será editado um “novo registo de originais” (como dizem os escrevinhadores da especialidade). O alicerce é electrónico, o embalo é o da música de dança, o espírito é o da fronteira sul dos Estados Unidos com o México, como Cormac McCarthy fixou em “Meridiano de Sangue”: porque imparcial e selvagem, um lugar descontrolado e feroz.

7. Ir mais à Santa Missa. Já fui com mais frequência no ano que passou. É ir mais. Objectivo final: Missa diária.

8. Jogar às cartas durante o serão. À Bisca. Lembram-se? O que é feito daquelas obscenas tardes de homens a serem homens? Enfadonhas, infalíveis. Odiosas e luminescentes. Já os vejo ao longe, figuras de cascata à volta da mesa. Tenho esta certeza: quanto mais os homens forem homens, mais as famílias serão famílias.

9. Passar mais tempo com os meus velhos. Tempo, tempo, tempo. Espinhoso e belo é o tempo. Os cabelos cinzentos no chão, meus dentes cada vez mais arrancados, este quisto sebáceo que me surgiu aqui atrás na nuca; compreendo assim na carne o tempo dos outros. E por isso, invade-me esta vaga melancólica e pungente de querê-los por perto. Antes que seja tarde.

10. Regressar ao Whatsapp. É uma mortificação da humildade, este propósito. Há 5 anos mandei abaixo todas as redes. WhatsApp incluído. Não me fazia bem tanto ruído, tanto equívoco, tanto grupo, tanta família. Um desastre: dava por mim, irritado, a olhar mais para o telefone do que para Lisboa em meu redor. Talvez, depois desta cura já seja capaz de aguentar a barra. No fundo, deixar-me de tretas e estar presente onde os outros estão presentes. Mesmo que esses lugares sejam desinspiradores.

11. Falar menos.

12. Escrever mais.


Manuel Fúria é músico e vive em Lisboa.

Manuel Barbosa de Matos é o seu verdadeiro nome

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