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Luís António Santos
Opinião de Luís António Santos
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A transparência, a transparência, a transparência...

03 out, 2019 • Opinião de Luís António Santos


Na preparação de uma campanha eleitoral, os partidos precisariam de abandonar o conforto da estratégia discursiva tradicional - ‘nós temos coisas para vos dizer e queremos convencer-vos’ - e de entrar de vez num tempo de maior interação com os seus potenciais eleitores.

Quando, em fevereiro de 1996, John Perry Barlow escreveu a Declaração de Independência do Ciberespaço, imaginava um universo paralelo, puro, igualitário, em que todos tivessem acesso a tudo e pudessem expressar-se sem temor. Dizia o texto: “Estamos a criar um mundo em que todos podem participar, sem privilégio nem preconceito por causa da sua raça, capacidade económica, força militar ou geografia à nascença”. Passados todos estes anos, percebe-se bem que a proposta não passou de um sonho. A web não é um espaço autónomo de interação humana, mas antes um território em que se replicam (e expandem) disputas bem analógicas e se confrontam poderes bem concretos.

Há, ainda assim, territórios que foram alargados e um deles é o das expectativas dos cidadãos a viver em sociedades democráticas relativamente ao funcionamento das estruturas e sistemas de governo (e das que as vigiam e escrutinam). Foram vários os países europeus que, sobretudo a partir do início deste século, puseram em andamento estratégias de ‘Governo Aberto’ e aumentaram os mecanismos de relacionamento direto entre entidades e cidadãos. E foram muitas as iniciativas com origem em movimentos não políticos que se transformaram, em simultâneo, em forças de pressão sobre governos e entidades oficiais e em veículos para a divulgação de dados com relevância social (dando origem a casos como o LuxLeaks ou os Panama Papers, por exemplo).

Essa maior transparência - uma exigência imposta de baixo para cima mas que depressa foi transformada em bandeira política - redundou no aumento de fontes e dados acessíveis que, por sua vez, aumentou a exigência dos cidadãos.

O que temos está longe de ser perfeito; muitos jornalistas queixam-se, com razão, dos artifícios que entidades públicas ainda usam para evitar divulgar dados que, por lei, deviam estar disponíveis e as autoridades de regulação que temos são, na sua maioria, pouco mais do que simulacros (atendendo mais aos interesses dos regulados do que da sociedade). É, em todo o caso, cada vez mais inaceitável olhar para o trabalho da Renascença ‘Quem são os candidatos à AR’ e perceber que menos de 10 por cento dos que se propõem a escrutínio acharam relevante disponibilizar dados adicionais sobre si (para além de nome, partido e círculo eleitoral). As taxas de resposta não foram iguais em todas as 21 forças políticas. Mais de metade dos candidatos pela Iniciativa Liberal responderam positivamente e quatro em cada 10 do PS e Livre também. A quarta força com maior adesão ao pedido, o PSD, andou pelos 20 por cento de respostas e todos os restantes tiveram resultados indignos (uma nota pessoal de espanto acrescido com a completa ausência de respostas por parte dos candidatos do BE e com resultado quase idêntico do PAN).

Na preparação de uma campanha eleitoral, os partidos precisariam de abandonar o conforto da estratégia discursiva tradicional - ‘nós temos coisas para vos dizer e queremos convencer-vos’ - e de entrar de vez num tempo de maior interação com os seus potenciais eleitores. Entender que ceder dados adicionais sobre si a uma empresa jornalística é, talvez, desperdício de tempo, é abrir buracos nos balões de conversa fácil que se repetem todos os dias. E eles são cada vez mais visíveis.

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