30 out, 2024
As eleições presidenciais norte-americanas têm uma importância que transcende a política doméstica daquela grande potência. Queira-se ou não, os EUA são uma das maiores democracias do mundo; e no nosso mundo - o Ocidente - a grande nação americana sempre exerceu, desde há um quarto de milénio, um papel fundamental, de inspiração política, de proteção militar e de projeção de poder. Na semana que vem acontecerá ali nova eleição. Dizem-nos que esta é muito especial, porque acontece num contexto planetário de regresso das guerras - militares, económicas, sociais, sociais ou identitárias - de proliferação de vilões populistas ou neoimperialistas e de erosão dos mecanismos de segurança internacionais (como a ONU). Sim, os tempos são hoje mais difíceis e incertos do que quando a Guerra Fria acabou. Mas, olhados da Europa, nenhum dos dois candidatos presidenciais norte-americanos parece ser ou ter a chave da solução para os males do mundo.
Nem Donald Trump, nem Kamala Harris apreciam particularmente a Europa, que há muito, pelo menos desde que o planeta mudou, em 2001, deveria ter começado a pensar nela própria. A desglobalização é transversal aos dois e o protecionismo foi a nota comum, também, no debate entre os potenciais vices, J. D. Vance e Tim Walz. Trump acha que paga demasiado à NATO e não quer saber do TPI; mas não é claro que a maior abertura diplomática de Harris traga uma desescalada dos grandes conflitos internacionais. Trump dá-se com Kim e gaba-se de falar com Putin? Mas foi ele que mediou os Acordos de Abraão e não foi com ele (mas com Obama e Biden) que Putin ocupou a Crimeia e invadiu a Ucrânia. E não será com Harris, ou não depende dela, que Putin de lá sairá ou que Netanyahu e os “proxys” do Ayatollah possam conversar.
É uma eleição especialmente tribalizada? Sim. Isso resulta, porém, mais dos confrontos identitários que tomaram de assalto a sociedade americana e não tanto porque da escolha dependa a paz no mundo. É certo que o tom do nosso tempo dá ao duelo eleitoral um cariz dramático. No entanto, ele é mais consequência do que causa da mutação de época que se está a viver - e todas as eleições tiveram algum dramatismo retórico. Os democratas radicalizam acerca de Trump argumentos que usaram no passado contra Reagan ou Bush; e os republicanos retratam Harris com a ferocidade com que denunciaram Carter ou quiseram abater Clinton. Tudo visto, nem o primeiro é “fascista”, nem a segunda é “comunista”. Simplesmente, votarão em Trump os que acham o wokismo censório e a imigração descontrolada uma ameaça às suas liberdades e votarão em Harris os que acham que Trump é um machista malcriado com supostas veleidades ditatoriais.
Resto, no fim, uma ironia: não serão tanto o “rust belt” republicano ou o “blue wall” democrata a definir o resultado eleitoral, mas os sete “swing states”. Ou seja: a campanha eleitoral está tribalizada, como outras, no passado; mas, como sempre, é ao centro e não nos extremos que tudo se decidirá, conforme os eleitores mais moderados de espírito acabem por escolher um ou outro dos candidatos. O republicanismo elitista, que no fundo lamenta como o partido se tornou refém do trumpismo, talvez vote em Harris; e os progressistas menos contentes com o universo mental democrata talvez queiram exprimir o seu protesto votando em Trump. Será a democracia a escolher males menores para impedir males maiores – e já vimos isso acontecer. Melhor fora que um país com 330 milhões de habitantes pudesse ter produzido outros candidatos presidenciais. Resta-nos a esperança de que esse centrismo moderado, pensante e mais racional, possa ser a bússola do futuro inquilino da Casa Branca.