18 set, 2024
A história portuguesa entra aos supetões no debate público. Foi o que aconteceu por estes dias, com a sempiterna questão da soberania sobre Olivença, a vila raiana fronteira a Elvas e Vila Viçosa. Em deslocação oficial a Estremoz, o ministro da Defesa declarou à comunicação social que Olivença “é portuguesa” e que desse “direito” não deve o país abdicar, porque ele é justo. Historicamente, Nuno Melo tem razão, e num presente em que o direito internacional tantas vezes é desrespeitado, é útil lembrá-lo. Politicamente, e como ele mesmo reconheceu, “a realpolitik é a realpolitik” e a pouco poderá conduzir o seu lembrete nacionalista.
A vila de Olivença foi incorporada no reino de Portugal pelo tratado de Alcanises, negociado em 1297 por D. Dinis e D. Fernando IV de Castela, juntamente com Campo Maior e as terras de Ribacôa. Recebeu foral logo em 1298, uma alcáçova no século XIV e a magnífica ponte fortificada sobre o Guadiana no tempo de D. Manuel. No período filipino, a sua pertença a Portugal nunca foi questionada; e ocupada durante a Guerra da Restauração, Olivença foi devolvida pela Espanha na paz de 1668. Quando os espanhóis do valido Manuel Godoy, atrás do qual espreitava o poderio do cônsul Napoleão Bonaparte, invadiram Portugal para travar e vencer a «Guerra das Laranjas», em junho de 1801, Olivença foi tomada, e Portugal coagido a aceitar a anexação da vila pela monarquia espanhola nos termos do tratado de Badajoz, em setembro desse ano. Quando chegou ao Brasil, em 1808, o príncipe regente, D. João, declarou nula essa cessão, porquanto fora arrancada a Portugal sob ameaça militar e clara intimidação diplomática. Reunidas no Congresso de Viena, em 1815, as potências reconheceram a legalidade e justeza da reclamação portuguesa sobre Olivença e determinaram a sua restituição em nome da “boa harmonia completa dos dois reinos da Península”. A Espanha assinou a ata final de Viena, em maio de 1817, mas nunca cumpriu a obrigatoriedade de reentregar a vila estremenha a Portugal.
Essa mini amputação territorial alimenta desde então a retórica antiespanhola. Ao longo do século XIX, Madrid foi realizando a hispanização dos oliventinos, por exemplo banindo o uso da língua portuguesa. Após a I Guerra Mundial, Afonso Costa lembrou, na Liga das Nações, o esbulho, como forma de atacar a “cobarde” Espanha, que não lutara na Flandres e que as potências convidaram – em vez de Portugal – para o Conselho de Segurança da nova organização. E em 1938, no contexto da Guerra Civil em Espanha, a direita pediu a Salazar que exigisse Olivença em troca do reconhecimento da Junta de Burgos, embrião do governo franquista. O ditador português não quis irritar a Falange e o assunto voltou a hibernar – embora tenha produzido a constituição oficial do «Grupo de Amigos de Olivença» em 1944. Há vinte anos, o governo PSD-CDS de Durão Barroso veio lembrar, em resposta a uns arroubos antiespanhóis, que a questão de Olivença não era “prioritária” e que os portugueses deveriam ser, nessa como noutras questões de política externa”, “objetivos e realistas”. E um barómetro de opinião realizado em 2009 revelou que quase 70% dos inquiridos considerava o assunto “nada problemático”.
Olivença é nossa? De direito, sim, e a Espanha está a incumpri-lo há 207 anos. Mas "de facto", como que por usucapião, os oliventinos falam espanhol e sentem-se espanhóis, como os gibraltinos reclamam ser ingleses. Gibraltar fez um referendo, em 1967, para o confirmar; a Espanha nunca o fez em Olivença. Realisticamente, contudo, reclamar a devolução da vila espanhola está, de facto, no fundo da lista das muitas necessidades e prioridades da política de defesa e da política externa do país.