02 ago, 2023
De que vale a Jornada Mundial da Juventude fazer de Lisboa, durante alguns dias, o centro do mundo? Vale muito, em muitos domínios, embora alguns não o queiram ver.
O Presidente da República endossou-o ao proverbial humor português, e o bispo D. Américo Aguiar encaixou-o com fair play; mas o gesto do artista Bordalo II sobre o altar do Parque Tejo é só a ponta do icebergue. Haverá que lembrar, como já vi, que o dito Bordalo II é um dos artistas mais bem pagos em ajustes diretos feitos com diversos organismos públicos desde há anos, pelo que o seu «Habemos Pasta», em protesto contra “a tour da multinacional italiana” (sic!) é, no mínimo, uma exibição de hipocrisia. Entretanto, pelas ruas de Lisboa, surgem graffitis pedindo aos mais pobres que “não tenham papas na língua” (sic!) na denúncia do muito que está mal na cidade (habitação, transportes, rendimentos, etc.). Até já circula na internet uma versão da oração do Pai Nosso grosseiramente rebatizada «Dinheiro Nosso», e que começa com “Dinheiro nosso que estais no Estado / Esbanjado sejas em nosso nome” (sic!).
A estes ofendidos de ocasião ou profissionais do protesto valerá a pena lembrar que o dinheiro público investido na JMJ não impede que o Estado, o governo ou as câmaras de Lisboa e Loures façam o que todos os dias devem fazer. Acresce - e não é argumento falso - que, numa ótica somente económica, ou de imagem reputacional, o retorno das Jornadas excede em muito as verbas, tanto públicas como privadas, gastas. Com um pretexto mobilizador, conseguiu-se a requalificação de uma zona ribeirinha limítrofe de Lisboa e Loures; e as imagens que a JMJ proporcionará ao mundo inteiro, bem como os ecos que as centenas de milhares de peregrinos levarão consigo são uma campanha publicitária com um valor inestimável para o presente e para o futuro.
O meu principal argumento para apoiar a JMJ releva, porém, da minha crença católica e não de considerandos económicos, políticos ou de imagem. Pastor como João Paulo II - e ambos, particularmente, “pescadores” de jovens nos mares da vida -, teólogo prático, como Bento XVI também foi, o Papa Francisco vê na JMJ uma das mais ecuménicas ocasiões para realizar uma pastoral alargada, que seduz católicos (e não só) de todo o mundo. As condições da vida moderna poderão ter secularizado as sociedades e laicizado as consciências - e os casos de corrupção eclesiástica e de abusos sexuais na Igreja afastaram decerto muitos do catolicismo. Mas essas mesmas condições, dissolvendo laços sociais e famílias, e atomizando os indivíduos, semearam vazios de existência produtores de um regresso da religião. E muitos já falam do século XXI como um mundo pós-secular, ou seja, feito de mundos onde a fé e a crença são (re)considerados e sentidos de novo como vias de enraizamento, pertença e conforto.
É esse mundo pós-secular que o Papa vem celebrar em Lisboa - na 18.ª JMJ, contadas desde que João Paulo II realizou a primeira (ainda não se chamava assim), em Roma, em 1984. Para o Papa Francisco será a quarta, depois do Rio de Janeiro, Cracóvia e Panamá. Olhando as notícias destes dias e o entusiasmo, mediático e real, com que neste 2 de agosto a Lisboa das (outrora) “sete partidas” se volve na capital mundial das “sete chegadas”, o que move tanta e tanta gente tem de ter um significado e um alcance que todos (repito, todos), devem respeitar, mesmo que não tenham a graça ou o dom de entenderem. Num tempo em que a propósito de quase tudo se fala da anomia, do desinteresse, da abstenção cívica da juventude, esta aí está. E eu não me lembro de nenhum evento, ou de nenhum nome dos grandes do mundo, que sozinho produza o milagre da multiplicação dos jovens, como o que Francisco vai operar nestes dias.