28 jun, 2023
O desafio lançado pela presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, à deputada do PCP Paula Santos, na Assembleia da República – a saber, que os deputados comunistas tivessem a coragem de reproduzir o seu discurso “pacifista” sobre a guerra russo-ucraniana em Kiev – mereceu uma resposta agreste a posteriori. O PCP já revestiu o seu pró-putinismo com diferentes roupagens. No início, o silêncio perante a agressão à Ucrânia; depois, a fábula da “operação especial”; de seguida, com um enfadado António Filipe a declarar “pronto, se querem que eu use a palavra invasão, eu uso-a!”, lá se reconheceu a dita invasão, mas justificada pelo expansionismo agressivo da NATO, dos EUA e da Europa, e por a Ucrânia ser um antro de “nazismo”; finalmente, porque há invasão e guerra, chegaram os beatíficos apelos à “paz”, esquecendo que se a Ucrânia depuser as armas, desaparece, e que só quando a Rússia fizer o mesmo…é que acaba a guerra e poderá haver (alguma) paz.
Eis o dogma: o Ocidente é um lobo em pele de cordeiro, a Ucrânia é um terreno útil para uma guerra entre a NATO e Moscovo e Putin tem o direito de se defender! Ora, contra a desinformação e a propaganda, só os factos podem ser antídoto – ou seja, o que realmente aconteceu, independentemente das nossas vontades criativas. Socorro-me, para tal, do que lista Timothy Garton Ash no seu recente, e excelente, novo livro, já traduzido para português com o título «Pátrias. Uma História Pessoal da Europa».
Garton Ash conheceu Putin numa conferência em 1994, quando o então deputado municipal por São Petersburgo declarou que o colapso da URSS tinha deixado territórios russos, como a Crimeia, fora da Federação Russa, e que esta tinha o dever de cuidar deles! Nesse mesmo ano, contudo, os Acordos de Budapeste, assinados entre a Rússia e a Ucrânia, estabeleceram o reconhecimento da independência, soberania e fronteiras da segunda por parte da primeira. Em 1997, Rússia e NATO firmaram um acordo de entendimento sobre a expansão desta ao Leste europeu; no ano seguinte, a Rússia foi admitida no G8 e, chegado ao poder (substituindo Ieltsin), Vladimir Putin afirmou, em 2000, não ver a NATO como inimiga e poder equacionar até a possibilidade de a Rússia a ela se juntar, ou criar uma parceria estratégica, como se veio a efetivar com a fundação do Conselho NATO-Rússia, em 2002. E se o antigo Leste europeu e ou antigas repúblicas da URSS quiseram juntar-se à NATO, a partir de 1999 – e só a partir desta data, no contexto acima descrito – e à UE, no alargamento de 2004, fizeram-no no exercício autónomo e legítimo da sua vontade como Estados soberanos. Quanto a Vladimir Putin, nunca se perguntou por que razões o Ocidente e a aliança atlântica eram, e são, tão sedutores para os países pós-comunistas, porque essa é a pergunta a que nenhum comunista quer responder!
A “revolução laranja”, pró-europeísta, da Ucrânia, em 2004, foi o ponto de partida fraturante para a radicalização revisionista de Putin. Daí as invasões de parte da Geórgia, em 2008, da Crimeia, em 2014, e do Donbass, em 2022. Antes da ofensiva iniciada no ano passado, o conflito na Crimeia e no leste da Ucrânia já causara umas 14.000 vítimas. E a sangrenta campanha de 2022 estava na agenda de Moscovo há anos, como uma escalada inevitável, e procurada, de um confronto com o Ocidente que foi Putin quem quis abrir, e não os EUA, a Europa ou a NATO.
É tudo isto que o PCP omite – omitindo, assim, a premissa fundamental de que há uma decisiva diferença moral entre o uso da força para invadir e destruir e o uso da força para defender e libertar. Sabemos de que lado da barricada estão os órfãos da URSS.