14 jun, 2023
Há dias, distraído a fazer zapping pelas notícias da noite, parei num canal onde se estava a cobrir, nas imediações do Estádio do Dragão, a chegada da equipa do Futebol Clube do Porto, vinda do Jamor e da vitória na Taça de Portugal, contra o Braga. Uma repórter tentava diretos com os adeptos em festa. Estendeu o microfone a um rapazito, perguntando-lhe como se sentia: a resposta foi um insulto, que não escrevo, ao Benfica. Alguns metros depois, a mesma pergunta, agora a uma rapariga, suscitou a mesma resposta. Ambos não deveriam ter mais do que uns 12-14 anos; e, como adolescentes, estavam rodeados de amigos, talvez familiares, mais velhos, que escutaram as ousadias insultuosas com ar embevecido, se não mesmo orgulhoso. Num e noutro caso, a pobre repórter afastou o microfone, filosofando que era difícil fazer diretos! Sem dúvida.
O insulto proferido era explícito e vernacular. Imagino aqueles dois miúdos a ouvirem, dia-sim, dia-sim, no recreio, na rua ou em casa, o meio circundante de portuenses que são portistas a declarar que o Benfica é o representante da “mourama”. Da mesma maneira, também em Lisboa, entre os adeptos do “Glorioso”, não falta quem, infelizmente espicaçado por anónimos, comentadores, dirigentes e até jogadores, também festeje o “enterro” do rival, quando ele não ganha, e se refira ao Futebol Clube do Porto como um reino de “tripeiros” e “andrades”. Nas televisões, nos jornais, nas caixas de comentários online, as posturas e as linguagens são tribais, primitivas, maniqueístas, exploradoras do pior que rodeia o futebol. Os lances duvidosos, que espicaçam as arruaças verbais, são repetidos dezenas de vezes (não exagero), em “super slow-motion”, para que o árbitro que errou, ou o VAR, possam ver a sua pessoa e as suas famílias prolificamente adjetivadas, quando não ameaçadas pelos jagunços de bandeira, tambor e tronco nu que proliferam nessas escolas de incivilidade que são as claques dos clubes.
Na final da Taça, o Porto derrotou…o Braga. O Benfica não esteve em campo! Mas em Portugal (e não só), a paixão da festa futebolística é sempre uma exorcização de raiva contra o maior dos rivais. A vitória não é uma auto celebração e a derrota não suscita uma autocrítica – porque a primeira é sempre obtida contra os “maus” e contra o mundo que conspira contra “nós”, e a segunda, se aconteceu, foi porque o inimigo domina o “sistema”, oferece “fruta” ao árbitro ou um “envelope” ao VAR!
No pequeno país que é Portugal, o bairrismo futebolístico é um vislumbre do que seria a catástrofe de uma regionalização caciquista, e é uma causa, um sintoma, uma consequência (e tudo isto junto) do ar do tempo, que voga em torno de emoções superficiais, boçalidades vocabulares, gregarismos de bando e multidões cobardemente ululantes – facilitando o trânsito, que é tendência atual, entre o hooliganismo no desporto e a radicalização no debate político. Tudo isto é o contrário de um ambiente social são, moderado e de civilidade, onde a festa nunca celebra a indignidade do vencido, mas antes o mérito do vencedor. E vitórias sem magnanimidade, como em política lembrou Winston Churchill, são ventos que semeiam tempestades.
Declaração de interesses final: sou simpatizante (não sócio) do Sporting. Se os dois miúdos insultadores vestissem de verde-e-branco escreveria exatamente a mesma coisa. No fundo, a cor da camisola é um “fait-divers”, porque a intolerância, a resvalar depressa para o insulto, tem todas as cores.