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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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​Poderá o inverno começar a decidir 2023?

28 dez, 2022 • Opinião de José Miguel Sardica


Putin sabe que está a perder na Ucrânia. Falhou em Kiev, recuou em Kharkiv, perdeu Kherson, e Bakhmut pode ser mais um ponto de viragem anti Kremlin.

As guerras do Leste da Europa e do ocidente russo foram sempre dominadas pela sombra do “general” inverno. As baixas temperaturas e a terra gelada, sem alimento ou possibilidade de progressão, dizimaram a “Grande Armée” de Napoleão, para lá de Borodino, e a “Wehrmacht” de Hitler, atolada em Estalinegrado. Os russos, depois os soviéticos, souberam usar o frio a seu favor, e é esse “general” bem visível que Putin está agora apostado em explorar na guerra contra a Ucrânia. Como Zelensky disse na semana passada, no seu discurso no Congresso dos EUA, “a Rússia está a usar o frio como arma de guerra”. Os bombardeamentos sobre a Ucrânia já não têm uma dimensão militar de progressão, mas antes de operações destrutivas em larga escala, sobre alvos civis e infraestruturas, para desmoralizar a população e a congelar, sem energia, aquecimento ou água corrente. O Natal ucraniano não teve uma trégua bélica à 1914, quando a guerra ainda tinha os seus códigos de honra; foi passado, por milhões já martirizados, no frio, no escuro e no medo.

Aparentemente (ainda) forte - e prometendo reforço de homens e material de guerra que talvez já não tenha em abundância - Putin sabe que está a perder na Ucrânia. Falhou em Kiev, recuou em Kharkiv, perdeu Kherson, e Bakhmut pode ser mais um ponto de viragem anti Kremlin. Está a enfrentar o drama de uma grande potência perante um contendor (mais) pequeno: ao não ganhar (com a rapidez que previa) já perdeu; e a Ucrânia, ao não perder, já ganhou. Militarmente incapaz de varrer os “neonazis” e “canibais” que jura existirem na Ucrânia, Putin aposta que a dureza do inverno fará colapsar a sociedade e a capacidade de defesa de Kiev, a ponto de Zelensky ter de salvar o seu povo sacrificando parte do país aos apetites do Kremlin.

Foi para contrariar esta perspetiva que o presidente ucraniano se deslocou aos EUA, onde foi recebido com uma expetativa, aura e empatia talvez comparáveis às dispensadas a Winston Churchill, na sua histórica visita a Washington em 1941. Zelensky foi eficaz a passar a sua mensagem, bem servida pela forma: a farda de caqui, a emoção, o inglês carregado. Disse a verdade: a Ucrânia contrariou muitas expetativas de catastrofistas apressados e está viva; já derrotou a Rússia na “batalha pelas mentes” (e bom seria que os russos também se libertassem do Kremlin); e, perante um invasor a recuar, o auxílio militar norte-americano é ainda mais urgente e necessário, para desgastar Putin, para aguentar a defesa e o contra-ataque no inverno, para que o tempo, com que a Rússia conta para fazer gelar a Ucrânia, conte, ao contrário, para impacientar ainda mais os que, em Moscovo, Pequim, Istambul ou alhures, já estão impacientes com Putin. Em suma, 1,85 milhões de dólares de armas americanas (Patriots, Himars, tanques, drones e munições) não são “caridade”; são “um investimento na segurança global e na democracia”.

O efeito do inverno, que é o do arrastamento do tempo e do impasse, poderá, portanto, ricochetear e ferir Putin. E tanto mais quanto os europeus ajudarem Zelensky. Nos países nórdicos ou de Leste, um pouco por todo o continente, os governos terão de saber gerir o desânimo e protesto dos que sofrem a inflação, a crise energética e o cansaço de uma guerra que não é “deles”, e cuja tentação será, porventura, a de começarem a exigir uma paz a qualquer preço, com sacrifício da Ucrânia. Se a Europa e os europeus também souberem resistir, politicamente coesos, ao frio invernal, Zelensky tirará vantagem e 2023 poderá, na primavera, apresentar melhores cores do que as que 2022 mostra no seu fecho.

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