06 out, 2022
No final do verão de 1972, há exatamente meio século, a SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (o mais conhecido “think-tank” reformista do tempo do marcelismo) divulgou ao país um documento intitulado «Portugal: o País que somos, o País que queremos ser». A primavera marcelista já se tornara um outono: Américo Tomás acabara de ser reeleito, a guerra colonial arrastava-se, a repressão recrudescia e a crise económica já espreitava. Testemunhando o desânimo geral, e querendo ao mesmo tempo rumar contra ele, os signatários da SEDES partiam de uma pergunta, “Onde estaremos e como estaremos em 1980?”, para criticarem os entraves que ensombravam Portugal no início dos anos 1970.
Entre os “problemas que se agravam sem solução” avultavam a emigração, reveladora da incapacidade de o país oferecer melhores condições de vida e de trabalho a quem partia; o crescente processo inflacionista, que impactava no custo de vida; a inevitabilidade da integração económica na Europa, subsistindo a impreparação do país para a concorrência comercial internacional; a “desagregação das economias regionais”, com o “ininterrupto despovoamento de concelhos e distritos” do interior; ou a “deterioração da administração pública”, com o governo incapaz de promover “um setor público prestigiado, moralizado, atualizado e eficaz”. “Ninguém terá dificuldades”, continuava o texto, “em acrescentar nova lista de questões urgentes, que comprometem seriamente a vida nacional, de que muito se tem falado e que continuam ano a ano a esperar solução suficiente”. Por conseguinte, “o sentimento dominante no país”, ao contemplar o passado recente e o presente de então, não podia deixar de ser “a frustração pelos combates urgentes cuja necessidade foi interminavelmente discutida, por decisões que foram remendadas ou arquivadas e por objetivos recusados ou que não chegaram a ser formulados com clareza”.
Entre “recursos não aproveitados” e/ou “falta de capacidade de organização e decisão”, havia um “difundido mal-estar”, proveniente de uma constatação inelutável: “muito longe ficámos dos resultados que poderíamos ter atingido pelo progresso dos portugueses e de Portugal”. Era este o macro objetivo dos tecnocratas reformistas, humanistas e liberalizadores que a SEDES reunia. “Em última análise”, lembravam eles a Marcelo Caetano, “o verdadeiro entrave só poderá atribuir-se à baixa prioridade política que o desenvolvimento económico e social tem tido no nosso país”. E por isso, em suma, urgia “mudar radicalmente o nosso estilo de vida económica, social e política”, por ser insustentável e ruinoso “um equilíbrio nacional baseado na anemia geral, na repressão e no enfraquecimento dos diversos participantes”.
A SEDES não sabia que o Estado Novo iria cair em abril de 1974, que a democracia chegaria em 1976 e a Europa da CEE (depois da EFTA) em 1986. Se lho tivessem dito, teria talvez exultado porque, removidos os bloqueios do ultramar e da repressão, encontrada enfim a liberdade por que se clamava nas entrelinhas do manifesto de 1972, haveria condições para a resolução de (quase) todos os problemas económicos e sociais do desenvolvimento e da coesão.
Cinquenta anos passaram desde este manifesto e quase tanto já em democracia. Não obstante, se cotejarmos as citações acima feitas com o presente português, a sensação de déjà-vu é indisfarçável. A SEDES perguntava-se como estaria o país em 1980, e pergunta-se hoje (no seu recente estudo «Ambição: duplicar o PIB em 20 anos») onde estaremos em 2040. Poderá ser a repetição de um triste fado: sabermos (alguns) para onde ir, mas nunca lá conseguirmos chegar!