Emissão Renascença | Ouvir Online
José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
A+ / A-

A rainha

09 fev, 2022 • Opinião de José Miguel Sardica


O príncipe de Gales, já vai a caminho dos 74 anos de idade, sempre à espera do seu emprego…

A rainha Vitória, trisavó da atual monarca do Reino Unido, subiu ao trono com 18 anos, em 1837, e morreu com 81 anos, em 1901, depois de quase 64 anos de reinado. Foi a mais conhecida e porventura a mais importante figura internacional da segunda metade do século XIX - ao ponto de o adjetivo “vitoriano” ter passado a designar, e não apenas do lado de lá do Canal da Mancha, uma época, uma moral, uma moda, um modelo de política, de diplomacia ou de império. A longevidade do reinado de Vitória pareceu, aos seus contemporâneos, um quase milagre, como se a providência tivesse concedido à Inglaterra uma líder única, com cujo desaparecimento, aliás, nos alvores do século XX, os historiadores fazem coincidir o princípio do fim da preeminência britânica na Europa e no mundo. Quando o seu filho, Eduardo VII, começou a reinar, tinha quase 60 anos – e a espera, de tão longa, dera azo ao dito de que só chegada a velhice ele pudera finalmente assumir o seu emprego…

A trineta de Vitória, a atual rainha Isabel II, completou, no passado domingo, 70 anos de reinado, contados desde o dia da morte do pai, Jorge VI, a 6 de fevereiro de 1952. A jovem princesa “Lilibet” subiu ao trono com 25 anos; completará, em abril próximo, 96 anos de idade. O berço não a destinava a ser rainha; mas a abdicação do tio, Eduardo VIII, em 1936, ditara a passagem da coroa para o duque de York, pai de Isabel e da princesa Margarida. Pela terceira vez na história, a segunda metade de um século seria marcada por uma realeza britânica feminina, depois de Vitória e de Isabel I (no século XVI). Os números são elucidativos. Além do Reino Unido (e da Igreja Anglicana), Isabel II é hoje chefe de 14 estados (e já o foi de muitos outros que, com o passar dos anos, declararam a sua independência - Barbados foi o mais recente, em 2021). Viu passar por si 14 primeiros-ministros britânicos (de Churchill ao atual Johnson), e também 14 presidentes dos EUA (de Truman ao atual Biden), 10 presidentes de França (de Auriol ao atual Macron), e igualmente 10 chanceleres da Alemanha (de Adenauer ao atual Scholz). Se durar mais quatro meses (may God save the Queen!), ultrapassará os recordes de longevidade do rei João II do Liechtenstein e do monarca tailandês Bhumibol Adulyadej; e a 27 de maio de 2024 será rainha do Reino Unido há mais tempo do que foi de França o Rei-Sol, Luís XIV, tornando-se então a monarca com o reinado mais longo comprovável de toda a história da espécie humana - o que, se Isabel II tiver os genes da mãe, não será de todo impensável. E quanto ao herdeiro, o príncipe de Gales, já vai a caminho dos 74 anos de idade, sempre à espera do seu emprego…

Isabel II começou a reinar ainda com as memórias da II Guerra Mundial muito vivas e com a dinâmica bipolar da Guerra Fria no auge, em vida de Estaline. Desde então, os impérios sucumbiram às descolonizações, a CEE/UE deu outro rumo ao continente, o comunismo ortodoxo ruiu e o leste da Europa libertou-se, o mundo islâmico tornou-se um interlocutor complexo, as economias e as sociedades globalizaram-se e deram saltos tecnológicos, os valores e as mentalidades revolucionaram-se, da era pré-Beatles à era pós-Spice Girls. A esmagadora maioria dos britânicos e dos europeus já viveu toda a sua vida com Isabel II no trono. Mesmo fora do seu país, ela é “a rainha” – uma mulher, sim, mortal como todos nós; todavia, nela encarna, vindos da história, a continuidade, a estabilidade e o simbolismo da instituição monárquica. A popularidade de Isabel II teve altos e baixos; mas com um reinado de 70 anos, ela é, hoje, a mais perfeita encarnação de uma (ainda) modelar exemplaridade “british”.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.