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José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
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“Cinco minuts e vem já!”

19 jul, 2024 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


Voltei a ficar atolado com as rodas traseiras num banco de areia, numa zona isolada do Alentejo. Os meus dois anjos da guarda eram dois imigrantes a precisar de descanso.

Não é bom sinal quando os erros se repetem. E disso, no meu caso pessoal, faço penitência.

Há poucos dias reincidi numa falha que me acompanha há vários anos. Parecendo desconhecer que um carro extremamente baixo não é (manifestamente) um todo-o-terreno, voltei a ficar atolado com as rodas traseiras num banco de areia, numa zona isolada do Alentejo.

As acelerações seguintes só agravaram o problema. E as nuvens de areia assim projetada, revelavam apenas o desespero e a impotência de voltar a pôr o carro na estrada da qual nunca devia ter saído.

Analisado o assunto em pormenor, era óbvia a conclusão: dali só sairia com a força amiga de um reboque.

Enquanto, sozinho, considerava as minhas hipóteses, surge de outra estrada de areia, no meio do nada, uma carrinha amarela calcinada pelo tempo e encardida pelo pó, carregada de restos de ramagens, resultado de algum trabalho de jardinagem desenvolvido pelos condutores.

E os condutores eram dois. Dois imigrantes de nacionalidade indiana, como depois confirmei, também eles cobertos de pó, sem destoar da carrinha em que viajavam.

Abrandaram e perguntaram se precisava de ajuda, numa mistura esforçada de português e inglês. Mais do aquilo que lhes disse, bastou-lhes olhar para perceberem.

“Cinco minuts e vem já”. Com esta mensagem, arrancaram de novo, com o barulho de motor da carrinha a confirmar a idade avançada.

Cinco minutos depois, estavam mesmo de volta. Com os cabos que tinham, porventura mais velhos do que a própria carrinha, rebocaram com sucesso (à segunda tentativa) o meu carro, o tal que de todo-o-terreno nada tem.

Pelo meio, ainda me explicaram particularidades das ferramentas do carro, mais adequadas para o sucesso da operação.

Tarefa feita, viraram costas enquanto lhes agradecia. Insisti, porém, em entregar-lhes a único nota que tinha comigo, de valor razoável, mas muito inferior ao que custaria qualquer serviço de reboque.

Sorrindo primeiro e sérios depois, olharam-me nos olhos, porventura ofendidos, e recusaram veementemente, porque nada queriam senão ajudar. E regressaram à sua carrinha.

Insisti, com muito maior veemência, e ao fim de uma pequena "discussão", lá acabaram por aceitar aquela nota, meramente simbólica e absolutamente incapaz de pagar o valor intrínseco daqueles homens que não conhecia e que provavelmente não voltarei a ver.

Os meus dois anjos da guarda eram dois imigrantes a precisar de descanso, fustigados pelo calor e por um dia de trabalho, seguramente extenuante. Imigrantes como muitos outros que em Portugal desempenham tarefas indispensáveis, que os portugueses rejeitam ou deixaram por preencher.

Quando assistimos a uma narrativa tremendista e populista sobre a "ameaça dos imigrantes", quero apenas agradecer a "hospitalidade indiana" daquelas almas, com as quais só temos a ganhar e a aprender. Gente boa, nunca está a mais.

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