Emissão Renascença | Ouvir Online
José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
A+ / A-

Eutanásia. ​Um GPS para a morte, inconstitucional e anti-social

12 dez, 2022 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


Quando se discutem tantas e tão sérias ameaças à vida humana, facilitar a morte continua a ser uma prioridade, para os defensores da eutanásia. Como se estivessem a corresponder a uma profunda aspiração da sociedade. E como se a eutanásia fosse uma resposta social, em vez de, pelo contrário, acender um rastilho anti-social.

Nos poucos países em que foi legalizada, a eutanásia tornou-se uma via verde para a morte. E não, não é apenas no início quando a experiência de administração da eutanásia é ainda escassa.

No Canadá, recentemente, alguns serviços sociais propuseram a doentes que viram rejeitados pedidos de ajuda para a sua vida concreta, o chamado ‘kit da morte’.

Um desses doentes é uma mulher deficiente, antiga atleta paraolímpica e ex-militar, que ao reclamar contra o atraso na instalação, em sua casa, de um elevador para cadeira de rodas, recebeu como resposta, não um novo prazo para a concretização da obra, mas, algo infinitamente mais simples: um kit estatal, para pôr termo a vida.

Na sequência deste caso, outros surgiram, também no Canadá. Perante dificuldades de pessoas deficientes - pobres ou sem recursos para assegurar uma vida digna nas condições em que se encontram - a resposta ‘social’ foi a mesma: eutanásia.

Os mais permeáveis à eutanásia são precisamente os mais indefesos. Pessoas doentes, tendencialmente sozinhas, habitualmente mais pobres, muitas vezes desesperadas, sem recursos para pagarem os cuidados de saúde que a sua vida merecia, e que assim são convidadas ou atraídas à eutanásia; como se lhes propusessem trocar uma vida má por uma morte boa.

Em vez de ajudar estas pessoas, aponta-se-lhes o caminho da morte.

Em vez de levar o Estado e a sociedade a abraçarem a vida das pessoas que sofrem, indica-se-lhes o atalho da morte, uma espécie de GPS, para (supostamente) escaparem ao sofrimento.

Os que sofrem de forma grave e persistente deixariam um lugar vago, reservado para os mais saudáveis, mais ricos ou para aqueles que dispõem de maior acolhimento familiar e social.

Em vez de uma comunidade solidária, comprometida com o bem de todos – incluindo pobres, fracos, doentes ou perturbados – os defensores da eutanásia querem impor-nos uma sociedade seletiva, talvez mesmo pura, baseada no conceito perigoso de que há umas vidas mais descartáveis do que outras.

Para os mais fortes (nos diferentes sentidos do termo) tudo.

Para os mais pobres, fracos, doentes ou perturbados, cria-se uma alternativa chamada eutanásia: assim deixam de sofrer e a sociedade liberta-se, não só do sofrimento de os ver doentes, mas também das despesas que tais sofrimentos implicam.

Consciente ou inconscientemente este é o caminho que o parlamento português acaba de seguir.

Aprovada a eutanásia na Assembleia da República, o diploma segue para as mãos do Presidente da República.

Sabe-se o que Marcelo Rebelo de Sousa fez nas versões anteriores da lei da eutanásia. Desconhece-se aquilo que o Presidente agora fará.

Mas enquanto a lei não chega a Belém e o Presidente não decide, vale a pena formular algumas perguntas sobre todo este processo.

Por que razão, por exemplo, deve o parlamento valorizar mais algumas pessoas que eventualmente pretendam morrer, do que a generalidade daqueles, que estando doentes, aspiram ardentemente a viver?

E alegando-se o sofrimento de alguns para justificar a legalização da eutanásia, por que motivo não se investe numa rede de cuidados paliativos – abrangendo o país de norte a sul, litoral e interior – que melhore o conforto de doentes que tanto sofrem, mas não pretendem apressar a respetiva morte?

Sendo tão forte a empatia por quem deseja optar pela morte, por que não se dedica idêntica compaixão aos doentes oncológicos, e a tantos outros vítimas de doenças graves, que lutam para viver e aguardam dramaticamente por tratamentos e cirurgias, capazes de aumentar a sua esperança de vida?

Sabendo-se que é mais barato investir num sistema para ‘eutanasiar’ do que mobilizar recursos para salvar (cuidados paliativos, combate às listas de espera etc.) deve concluir-se que a aprovação da eutanásia fica a dever-se a uma obsessão economicista?

E se não foi o economicismo que determinou a aprovação parlamentar da eutanásia, pode inferir-se então, que tal se deveu a motivos ideológicos?

Mas tratando-se de uma questão ideológica, não faria sentido que convicções tão profundas a favor da eutanásia tivessem sido discutidas durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas?

Como se deve classificar este medo crónico do povo, por parte dos partidos que considerando ser tão prioritária a eutanásia, nunca pegaram em tal bandeira, durante as campanhas eleitorais: pura sobranceria ou mera cobardia?

E se acaso os partidos se distraíram durante a campanha eleitoral (coisa que sucede ao mais comum dos mortais), não seria melhor perguntar aos eleitores, no momento constitucionalmente adequado, o que pensam eles sobre o assunto?

Seria também curioso perceber, qual o motivo que leva alguns partidos a defenderem um referendo sobre a regionalização, mas que o evitam e proíbem, quando se trata ’apenas’ de instituir um sistema que convida a pôr fim à vida?

E se alguns partidos defendem que o comum dos portugueses não tem preparação para se pronunciar sobre a eutanásia - em referendo ou em outros atos eleitorais - porque não respeitaram os deputados a opinião de quem sabe, seguindo a recomendação das ordens dos profissionais da saúde, assim como a posição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida?

Já agora: se o Estado português decidir montar um sistema (como a lei aprovada prevê) que alarga a eutanásia a situações de doença grave e incurável, como é que uma tal decisão se compatibiliza com a Constituição, que no seu Artigo 24 garante que em Portugal a vida humana é inviolável?

E se a inconstitucionalidade desta nova versão da eutanásia parece indiscutível, que outro remédio terá o Presidente da República se não enviar o diploma para o Tribunal Constitucional?

Porém, caso o Presidente da República optasse pelo veto político, significaria tal decisão que o jurista Marcelo Rebelo de Sousa não tem dúvidas constitucionais sobre o texto?

Uma vez que o seu veto – ao contrário de uma declaração de inconstitucionalidade - pode ser rapidamente ultrapassado por nova votação no parlamento, o que levaria o Presidente da República a não recorrer ao Tribunal Constitucional, sabendo que ao vetar, estaria a contribuir para viabilizar, a curto prazo, a legalização da eutanásia?

E tendo António Costa acabado de garantir que Portugal vai manter uma posição intransigente sobre os Direitos Humanos - nos quadros bilaterais e multilaterais, sem exceções de nenhuma ordem - porque não ocorre ao primeiro-ministro começar por aplicar internamente - no seu próprio país - a mesmíssima intransigência, para defender o mais básico dos direitos humanos, o direito à vida?

Finalmente, uma pergunta dirigida àqueles que na sua candura liberal não se importaram de somar os seus votos aos da esquerda mais radical: têm a consciência que ao votarem a lei da eutanásia não estão a privilegiar a autonomia individual, mas antes a criar um sistema médico-legal que em função da vontade de terceiros, condiciona a liberdade dos profissionais de saúde, pressionando-os a eliminar a vida - a mesma que foram ensinados a curar e a preservar?

Quando se discutem tantas e tão sérias ameaças à vida humana, facilitar a morte continua a ser uma prioridade, para os defensores da eutanásia. Como se estivessem a corresponder a uma profunda aspiração da sociedade. E como se a eutanásia fosse uma resposta social, em vez de, pelo contrário, acender um rastilho anti-social.

A pandemia não os levou a repensar o valor da vida, as atrocidades da guerra não os comovem, as dificuldades económicas muito menos. Os defensores da eutanásia não desarmam, não desistem.

Nós, também não.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • João Lopes
    14 dez, 2022 Porto 09:34
    Artigo interessante- “Eutanasiar” é “matar deliberadamente seres humanos”! É algo extremamente “perverso e gerador de insegurança atribuir a serviços de saúde a função de eliminar a vida, mesmo numa situação extrema”, é “uma apologia do suicídio em geral” e “inibe a verdadeira solidariedade e fraternidade”. Quando não se respeita a vida humana em todas as circunstâncias já não há segurança para ninguém...