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José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
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Pedofilia: Informação e intoxicação

29 jul, 2022 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


Investigue-se até ao fim o que for necessário investigar. Mas não se confunda investigação séria com julgamentos prévios e inaceitáveis - por comentadores, jornais ou plataformas digitais.

D. Manuel Clemente não precisa que o defendam. O que tem feito na vida - enquanto homem, padre, bispo e cardeal - fala por si.

A sua voz serena, por vezes incómoda, é uma referência. Viu-se isso recentemente.

O que disse sobre a eutanásia demonstrou que o Cardeal não abdica de defender a vida, com clareza e firmeza, em todas as circunstâncias. Não é novidade no seu pensamento nem no da Igreja. Mas há quem se incomode.

Agora, a propósito de uma queixa de pedofilia que se terá passado há mais de 20 anos com um padre de Lisboa, D. Manuel Clemente, que se encontrou com a suposta vítima em 2019, vieram ao de cima reações leves, epidérmicas e claramente ofensivas.

A alegada vítima terá pedido ao Cardeal que não desejava ser expressamente identificada, no âmbito de um caso que, aliás, tudo indica já ter prescrito.

A prescrição não invalida que, nesta ou noutra situação, a pedofilia seja um crime inaceitável. E a Igreja, ao contrário do resto da sociedade, tem feito o seu caminho para erradicar comportamentos inaceitáveis, seja qual for o seu pretexto ou enquadramento.

Este caso agora noticiado, como qualquer outro, pode e deve ser investigado.

Mas o modo como tem sido noticiado pode ser confundido com uma campanha, contra um Cardeal que incomoda e uma instituição que desagrada a certas correntes da sociedade.

Jornalismo de investigação é uma coisa, enlamear nomes de pessoas sem cuidar do apuramento dos factos é outra.

Saber ‘titular’ em jornalismo é uma arte, fazê-lo sem rigor é um truque.

Dar informação credível é indispensável. Servi-la às fatias, de modo incompleto e preconceituoso, é jornalismo tendencioso. Nem é jornalismo.

Por incompetência ou de forma deliberada, confunde-se a parte com o todo, criando uma atmosfera e um estigma não de suspeição, mas de culpabilização.

Por mais que desagrade a certas vozes, a pedofilia na Igreja não é regra, mas exceção. Gravíssima, sem dúvida, mas ainda assim rara, para uma instituição que se relaciona com milhões e milhões de pessoas em todo o mundo.

Parece haver quem pretenda o contrário. Alguns comentadores, até pediram ao Papa que demitisse D. Manuel. Nem precisaram de apurar a verdade. Tanto lhes faz. Criada a aparência, proceda-se em conformidade.

Depois de ver os comentários de Ana Gomes sobre este caso, voltei a agradecer o seu falhanço como candidata à Presidência da República. Tanta ligeireza numa embaixadora a que o país deve bons serviços em Timor é, no mínimo, uma tristeza. Atira-se a temas que desconhece, com todas as certezas do mundo.

Investigue-se até ao fim o que for necessário investigar. Mas não se confunda investigação séria com julgamentos prévios e inaceitáveis - por comentadores, jornais ou plataformas digitais.

A verdade precisa do jornalismo, mas jornalismo sem verdade não passa de um embuste. É triste, mas é verdade.

Comentários
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  • Joaquina
    08 ago, 2022 Lisboa 13:19
    Obrigada pelo artigo que fez e pela clareza e rigor com que o escreve. Obrigada por este serviço.
  • Ivo Pestana
    02 ago, 2022 Funchal 20:19
    Um crime que não deveria entrar na nossa Igreja. Estou triste.
  • Carlos
    01 ago, 2022 Lisboa 18:21
    Tem toda a razão o comentarista. Não se podem mistificar e manipular as situações, distorcendo posições e utilizando por vezes a mais aberta e grosseira mentira para se difamarem e denegrirem pessoas instituições. Mas só que isto é válido para todas as instituições e em todas as ocasiões, não só para umas mas para todas. Muito recentemente mentiras foram abertamente espalhadas sobre posições de partidos políticos, em que foram ditas coisas que nunca constaram nem em qualquer escrito nem em qualquer discurso dos seus responsáveis, e não me lembro de ver os comentadores se preocuparem grandemente com a reposição da verdade. Ou será que a verdade só convem a alguns, ou, como diza o Padre António Vieira, não vale a verdade ao inocente o que valem mil mentiras aos culpados.
  • Luis Carlos da Silva
    01 ago, 2022 OLIVEIRA 10:49
    ...com esta intoxicação, alguns meios de comunicação ditos "evoluidos" trazem á praça a Igreja tentando aproxima-la de tantas IMORALIDADES de que vive agora esta sociedade onde parece valer tudo, a Liberdade para termos de aceitar tudo menos a Liberdade dos Cristãos. Está na moda atacar a Igreja enche jornais e aberturas de telejornais tentando confundir alguma fruta podre com a arvore que Luta Ama e defende os mais frageis e os protege de tantos sensacionalismos desta nova forma "extranha" de viver. Sim é verdade, por muito que custe aceitar esta verdade, em zonas de guerra de conflitos de, pasme-se, PANDEMIAS todos fogem com medo mas Essa Igreja que muitos pensam "fora de moda" FICA e morre junto com essas Pessoas... por isso é importante antes de julgar "A MAIOR INSTITUIÇÃO HUMANA" que tem o mundo, as pessoas se contivessem na sua vergonha de quem foge ao primeiro sinal de perigo. A Igreja sempre soube e vai cuidar dos SEUS, NINGUEM ficará impune diante de tão grande DOR que estes casos trazem e assombram toda a EXISTENCIA HUMANA. Estará toda a sociedade preocupada e PREPARADA para fazer o mesmo?? Abraço para todos mesmo para quem não concordar com as minhas palavras, continuam a serem meus Irmãos em Cristo e essa verdade não se deturpa numa qualquer abertura de telejornal...VEM DO CORAÇÃO.
  • Elmano Mata
    31 jul, 2022 agualva/cacém 14:16
    Eu estou plenamente de acordo com o artigo. Até parece que o crime em causa, só é cometido dentro da igreja e não na sociedade em geral, e quando acontece num outro sector da sociedade, praticamente não se comenta porque não dá protagonismo.
  • João Lopes
    30 jul, 2022 Porto 17:10
    Concordo: «Investigue-se até ao fim o que for necessário investigar. Mas não se confunda investigação séria com julgamentos prévios e inaceitáveis - por comentadores, jornais ou plataformas digitais». Haverá jornais e jornalistas que vivem à custa da podridão humana?...
  • João Lopes
    30 jul, 2022 Porto 17:02
    Concordo: «Investigue-se até ao fim o que for necessário investigar. Mas não se confunda investigação séria com julgamentos prévios e inaceitáveis - por comentadores, jornais ou plataformas digitais». Parece que há jornais e jornalistas que parece viverem à custa da podridão.
  • Alberto Júlio Silva
    30 jul, 2022 Lisboa 14:24
    Sinto-me na obrigação de agradecer a José Luís Ramos Pinheiro as suas palavras directas. Eu já tinha deixado um comentário, neste sentido, no site da Renascença. Em vez de apurar factos até parece que o mote seja perseguir e descobrir - crimes, pessoas, falhas, culpas. Tempos tristes, estes. Trabalho, cooperação. Paciência.
  • Maria Álvares
    30 jul, 2022 Lisboa 07:41
    É de coração contristado que oiço cada notícia sobre um caso de pedofilia ou abuso, perpetrado seja em que setor da sociedade. Sabendo que é no seio das famílias e também da Igreja a que pertenço, que estes são mais frequentes é aterrador. Pensar que é onde e com quem nos devemos sentir mais protegidos, acolhidos e recolhidos que somos expostos ao mal é terrível. Isto tem de ser detetado, revelado, investigado e combatido até à exaustão, de forma inequívoca. A Igreja terá acordado tarde para o enfrentar deste drama, tal como, em geral, tem acontecido, e continua a acontecer, na história da humanidade em relação a situações terríveis, para as quais acordamos tarde e só conseguimos colmatar, às vezes, o sucedido, evitar que continue e atenuar, infelizmente de forma sempre insatisfatória, as suas consequências a nível individual e social. Que o papel de um jornalismo sério tem sido fundamental para descobrir, pôr a nu e espoletar investigações essenciais é indiscutível, porém, a qualidade da investigação e o seu objetivo ultimo: punir culpados, apaziguar as vítimas e pôr um fim nos crimes, alertando as consciências não é apanágio de muitos e o que há mais é uma multidão ululante que grita ao sabor do vento, só porque precisa de gritar e colocar o seu foco no mal sos outros, para não ver o seu. Quantas reportagens vi já na televisão que de reportagem não tinham nada, não reportavam nada, antes sugeriam, insinuavam e até! criavam factos e realidades!…. Quantas!?! Haja paciência!
  • José J C Cruz Pinto
    30 jul, 2022 ILHAVO 07:37
    Cem por cento de acordo, sem qualquer dúvida, mas ... não entendi ainda bem por que houve necessidade (?) de notar que "os padrões (e procedimentos, digo eu) da altura não eram exactamente os actuais. É que eu sempre pensei que os ditos "padrões (e procedimentos)lactuais" é que se tornaram mais próximos dos compatíveis com a Fé Cristã Católica (sem prejuízo da infinita Misericórdia Divina), e não a recíproca, ... e tenho aliás a certeza absoluta de que não estou enganado!