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José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
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​Renascença: esquerda, direita ou nada disso?

09 abr, 2021 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


Um grupo de ‘media’, ontem, como amanhã, constrói-se com valores. Porque sem valores não há critérios sólidos e confiáveis. E essa é uma diferença essencial que distingue os ‘media’ - na procura dos factos verdadeiros - e as ‘redes sociais’, tomadas de assalto pelas ‘fake news’.

Não deixando de marcar posições, de modos diferentes consoante as ocasiões, a Renascença manteve e mantém uma atitude aberta e tolerante, até para com aqueles que no passado a quiseram silenciar. A independência e a tolerância - sem abdicar de procurar a verdade em todas as circunstâncias - constituem um dos segredos deste Grupo. E isto é válido tanto no jornalismo, como no entretenimento.

Oitenta e quatro anos é obra. São muitas vidas e gerações. O sonho de uns poucos, na década de 30 do século XX, tem feito sonhar milhões ao longo dos anos.

O fundador da Renascença, o Padre Lopes da Cruz, era um homem à frente do seu tempo. Sonhou com um grupo católico de comunicação ‘multimeios’, muito antes de este Grupo ter adoptado a designação ‘Renascença Multimédia’.

À Rádio Renascença, cujas emissões lançou de modo mais consistente a partir de janeiro de 1937, Lopes da Cruz juntou interesses nos jornais, nas revistas, no cinema, na televisão (seria acionista e presidente da assembleia geral, no início da RTP) e nas artes gráficas.

Na altura, ninguém pronunciava a palavra multiplataforma e ninguém se afirmava ‘multimédia’. Mas o Padre Lopes da Cruz fez acontecer o desconhecido. Abriu caminho e desbravou-o. Era um pioneiro. A Igreja, a Renascença e o País ganharam com isso.

O seu legado ajudou a Renascença a resistir quando a quiseram fechar. Mais rigorosamente: quando, em 1974, a quiseram entregar ao Estado, ocupando as instalações e calando uma voz independente que o povo já não dispensava.

A libertação da Renascença foi um marco decisivo para a recuperação da liberdade que a extrema-esquerda, civil e militar, tentou usurpar nos anos quentes da Revolução. O Cardeal Patriarca, D. António Ribeiro, foi figura cimeira nesta batalha. O Bispo de Lisboa chegou a deslocar-se pessoalmente às instalações do COPCON, para conseguir a libertação de trabalhadores da Renascença, presos durante a ocupação dos estúdios da Rua Ivens, em Lisboa.

A coragem de D. António Ribeiro contou também com o apoio indispensável de figuras como Mário Soares. O secretário-geral do PS foi dos primeiros a compreender que defender a liberdade da Renascença e da Igreja, significava também defender a instauração de um regime efetivamente livre e democrático. O ‘caso Renascença’, como na altura foi conhecido, permitiu também mobilizar o país na defesa da liberdade, ainda (ou quase sempre...) frágil e incerta. Crucial, na época, foi também a firmeza da administração da Renascença liderada pelo cónego Gonçalves Crespo e integrada por Fernando Magalhães Crespo e Luís Torgal Ferreira. O país identificou-se com a Renascença e esta serviu o país, com independência e vigor.

A crescente profissionalização e qualidade da rádio fez-se com nomes, como os de João Amaral, Jaime Fernandes e Oliveira Pires. E também com uma geração de profissionais, entre os quais António Sala e Ribeiro Cristóvão.

À Renascença somou-se a RFM, a MEGAHITS e a rádio SIM. Sendo o primeiro grupo de rádio a apostar no digital, o Grupo Renascença Multimédia investiu na informação, no entretenimento e diversificou atividades, designadamente no espectáculo e na formação. E consolidou uma posição de referência entre os media e em geral, na sociedade portuguesa.

Naquilo que faz e propõe, o Grupo Renascença Multimédia gera, de modo natural, credibilidade e confiança. Impõe-se pela independência do serviço. E não se deixa armadilhar por quaisquer ímpetos ideológicos.

Para alguns, a Renascença é de ‘direita’, porque defende a vida, opõe-se ao aborto e à eutanásia, promove a liberdade de educação, opõe-se à estatização da vida social e económica. Para alguns outros, a Renascença é de ‘esquerda’, porque ao defender a vida humana, não esquece os emigrantes, os refugiados, as minorias e manifesta a sua sensibilidade perante as injustiças sociais e outras formas de opressão, que fomentam a pobreza e o desprezo pelos direitos de todas as pessoas, independentemente do que fazem ou pensam.

Numa palavra, a Renascença é católica, por vezes cómoda, outras vezes, incómoda. E é católica, não por se dedicar à catequese (não é essa a sua vocação), mas pelos valores que resultam daquilo que faz e propõe. E por ser católica e universal não se dirige a alguns, mas a todos, crentes e não crentes.

Não deixando de marcar posições, de modos diferentes consoante as ocasiões, a Renascença manteve e mantém uma atitude aberta e tolerante, até para com aqueles que no passado a quiseram silenciar.

A independência e a tolerância - sem abdicar de procurar a verdade em todas as circunstâncias - constituem um dos segredos deste Grupo. E isto é válido tanto no jornalismo, como no entretenimento.

Um grupo de ‘media’, ontem, como amanhã, constrói-se com valores. Porque sem valores não há critérios sólidos e confiáveis. E essa é uma diferença essencial que distingue os ‘media’ - na procura dos factos verdadeiros - e as ‘redes sociais’, tomadas de assalto pelas ‘fake news’.

A instrumentalização organizada das redes para fins políticos, económicos e criminais tem vindo a demonstrar que o papel dos ‘media’, até no plano digital, é único, não sendo substituível pelas ‘redes sociais’. Para que assim seja, importa que os ‘media’ não prescindam do seu legado e da sua vocação: sem valores não haverá futuro para os ‘media’.

E os valores são assim o melhor passaporte para o futuro que os diferentes profissionais da Renascença, cujo talento é manifesto, devem continuar a declinar, em tudo aquilo que já fazem e naquilo que vierem a fazer.

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  • António J G Costa
    11 abr, 2021 Cacém 21:33
    Nuvens muito negras aproximam-se. Nunca como agora existiram meios digitais, como os da Informática. Estes meios novos, na História do Homem permitem "fabricar e criar" notícias através de montagens extremamente elaboradas. Colocar pessoas a dizer o que nunca disseram ou mostrar "reportagens" de coisas que nunca aconteceram é hoje, infelizmente, possivel. E em termos de "fake news" a procissão ainda vai no adro....
  • César Augusto Saraiva
    10 abr, 2021 Maia 17:56
    Parabéns Rádio Renascença pelos 84 anos! Parabéns Dr. José Luís Ramos Pinheiro, pelo excelente Artigo de Opinião!