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João Ferreira do Amaral
Opinião de João Ferreira do Amaral
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Duplicidade e facturas

21 mai, 2021 • Opinião de João Ferreira do Amaral


Em Portugal fica bem falar de descentralização do poder político. Mas, curiosamente, os partidos que se dizem mais acérrimos defensores da descentralização do poder do nível nacional para o nível regional são, ao mesmo tempo, os mais acérrimos campeões da centralização do poder na União Europeia, ou seja exigem cada vez mais transferências de poder do nível nacional para o nível europeu.

Um espaço político centralizado é aquele em que são impostas as mesmas políticas sobre realidades sociais muito diversas. Num espaço descentralizado, pelo contrário, as políticas são diferenciadas de acordo com a diversidade das situações. O que se tem verificado nas duas últimas décadas na União Europeia é um fortíssimo avanço da centralização.

Isto apesar da existência do princípio da subsidiariedade, que deveria travar a excessiva centralização mas que da maneira como está formulado, constitui, pelo contrário, um seu excelente apoio. Com efeito, quando estatui que as decisões só devem ser transferidas para o nível europeu quando elas podem ser melhor tomadas a este nível, o princípio esquece-se de responder à questão: melhor para quem? Para o todo da União, para todos e cada um dos estados, para a maioria destes, para a Alemanha? Daí abusos de centralização como a realização da moeda única, que dada a circunstância do espaço da União não ter as características de uma área monetária óptima leva a que as decisões sobre moeda a nível europeu sejam ineficientes e, para uma parte importante dos estados, piores do que se fossem tomadas a nível nacional.

Na realidade, o que está verdadeiramente em causa é a tentativa de esvaziar de funções os estados nação transferindo essas funções, consoante o caso, para o nível europeu ou para regiões e sub-regiões de forma a criar o homo europeus, cinzento, unidimensional na sua função de consumidor e desligado de qualquer comunidade nacional. O problema disto é que as nações reagem e fazem-no, infelizmente, de forma inaceitável e perigosa, através de movimentos xenófobos e extremistas.

E aqui está como a duplicidade nem sempre ajuda a política. Mais cedo ou mais tarde tem que se pagar a factura.

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