Emissão Renascença | Ouvir Online
Hora da Verdade
Uma parceria entre a Renascença e o jornal “Público”. Entrevistas aos protagonistas da atualidade. Quinta às 23h20.
A+ / A-
Arquivo

Hora da Verdade

"Talvez o acolhimento familiar de crianças portuguesas em perigo possa também vir a ganhar fôlego"

24 mar, 2022 • Ana Catarina André (Renascença) e Ana Dias Cordeiro (Público)


A disponibilidade das famílias portuguesas para apoiar crianças deslocadas da Ucrânia pela guerra contrasta com a fraca resposta nos últimos anos para acolher crianças em situação de perigo retiradas aos pais. Este pode ser um momento de viragem, diz Rosário Farmhouse.

Veja a entrevista completa a Rosário Farmhouse
Veja a entrevista completa a Rosário Farmhouse

“Talvez o acolhimento familiar de crianças portuguesas em perigo possa também vir a ganhar fôlego”, diz a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), Rosário Farmhouse, em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal “Público”.

O acolhimento institucional de crianças em perigo retiradas às famílias tem vindo a baixar nos últimos anos, mas mantém níveis elevados. Continua a representar mais de 95% das respostas encontradas para as crianças retiradas aos pais, enquanto a opção de acolher em famílias mantém-se com uma expressão irrisória. Portugal é mesmo apontado como um mau exemplo no sentido em que tem muitas crianças acolhidas em instituições. Qual pode ser a solução?

A solução passa pelas famílias de acolhimento, e estas estão a fazer o seu caminho. Este acontecimento inesperado que ninguém desejava, da guerra, e com ela estar a haver tanta disponibilidade de famílias para acolher crianças deslocadas da Ucrânia pode vir a ser uma porta para que estas famílias tenham disponibilidade para acolher crianças [retiradas às famílias] em Portugal e evitar que vão para as casas de acolhimento [instituições].

Tem vindo a aumentar o acolhimento familiar de crianças em perigo [retiradas às famílias], mas o número ainda é muito residual, queremos que aumente. Na zona da Grande Lisboa está um pouco mais desenvolvido. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, em particular, desenvolveu ferramentas nesse sentido e tem pelo menos uma centena de crianças em acolhimento familiar. Além destas, há mais famílias disponíveis. Mas o número de famílias que se oferecem para acolher [crianças em perigo] não é tão grande como no caso a que estamos a assistir atualmente com a guerra na Ucrânia.

Com esta onda de solidariedade, estamos a falar de 2.000 famílias inscritas na plataforma Portugal for Ukraine, ou muitas mais, porque há ainda as que se ofereceram diretamente junto dos municípios. Pode acontecer que o atual movimento que veio chamar a atenção para esta causa concreta ajude a que mais famílias queiram acolher, já sem ser de crianças deslocadas da Ucrânia, mas crianças que residem em Portugal e que estão numa situação de perigo. Pode ser potenciador.

Apoio a crianças refugiadas da Ucrânia. “Há famílias a serem burladas", alerta CNPDPCJ
Apoio a crianças refugiadas da Ucrânia. “Há famílias a serem burladas", alerta CNPDPCJ

Não há famílias disponíveis e esse é o principal problema?

Garantir às crianças um acolhimento familiar é o mais desejável, mas o número de famílias a oferecerem-se não tem sido grande. Também acontece muitas oferecerem-se de início mas desistirem quando começam a perceber a exigência [subjacente ao acolhimento]. Talvez com este movimento de acolhimento de refugiados, o outro acolhimento familiar [de crianças portuguesas em perigo] possa vir também a ganhar fôlego.

Ainda no plano das prioridades e principais desafios da Comissão para a Promoção dos Direitos e da Proteção das Crianças e Jovens, qual a preponderância da saúde mental nas sinalizações às comissões locais?

É muito significativa. Na maior parte das crianças que estão em situação de perigo, há um qualquer problema associado à saúde mental dos seus pais ou cuidadores, ou até da própria criança, que chega a uma determinada idade e apresenta problemas de saúde mental.

Não são todas, mas muitas situações de perigo estão associadas a problemas de saúde mental dos pais ou cuidadores. Sempre houve uma grande falta de pedopsiquiatras. Há agora um investimento em equipas multidisciplinares de saúde mental a começar a surgir por todo o país. São equipas que estão a tentar exercer um trabalho na prevenção para ajudar as famílias a encontrarem equilíbrios e evitar que fiquem numa situação mais débil ou de perigo.

E sendo a proteção das crianças uma função que representa um enorme desafio, como consegue conciliar esse cargo com o de presidente da Assembleia Municipal de Lisboa que assume desde as últimas eleições autárquicas? Não há o risco de uma das funções ficar para segundo plano?

[Exercer os dois cargos] é de uma exigência pessoal extrema. É um compromisso que assumo, e que levou a que eu tivesse decidido que a minha vida pessoal iria ficar para um segundo plano.

Tenho essa enorme preocupação de corresponder a estes dois desafios, e quando aceitei o desafio apurei primeiro se era compatível, não queria de todo prejudicar a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens.

Acho que se pode fazer as duas coisas, abdicando do tempo pessoal e é aquilo que estou a fazer.

“Durante anos de guerra, os Estados proíbem adoções internacionais"
“Durante anos de guerra, os Estados proíbem adoções internacionais"
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Maria
    16 abr, 2022 Lisboa 09:34
    A história não é bem assim. Falta de família? Ou a demora das instituições a liberarem as crianças? Já me inscrevi há mais de 5 anos, e a demora para uma criança chegar nas famílias são enormes... Vocês da impressa precisam ouvir o outro lado da história também..